Fernanda Donnabella Camano

Tércio Chiavassa

A eficácia da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/coisa-julgada">coisa julgada</a> em matéria tributária, diante de ulterior precedente do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>) em sentido contrário, está na pauta das discussões entre fisco e contribuintes há 30 anos.
Aliás, se quisermos voltar ainda mais na história, lá nos idos de 1944, o STF se debruçou sobre a questão ao julgar os Embargos em Agravo de Petição 11.227, em que afirmou que se a coisa julgada tributária formada tivesse por base “elementos permanentes da relação jurídica”, a exemplo da declaração de inconstitucionalidade da lei, deveria ser preservada.
A partir da edição da Constituição Federal de 1988, iniciou-se uma fase de maior litigiosidade dos contribuintes e surgiram as chamadas “teses tributárias”, em que os contribuintes passaram a questionar judicialmente a constitucionalidade e legalidade das leis instituidoras de tributos, a exemplo da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL), pano de fundo dos leading cases 949.297/CE e 955.227/BA (temas 881 e 885), cujos julgamentos pelo plenário virtual serão retomados nesta sexta-feira (30).
Não obstante a existência de trânsitos em julgado favoráveis a alguns contribuintes em ações individuais, fato é que em 1992 o STF, em controle difuso e sem transcendência, decidiu o Recurso Extraordinário 138.284/CE interposto pela União que, inobstante tenha sido improvido pela corte, é invocado pelo fisco como “precedente” apto a cessar os efeitos ulteriores das decisões definitivas.
A partir de então, os contribuintes que detinham em seu favor decisões (transitadas em julgado!) desobrigando-lhes de pagar a CSL passaram a ser autuados, o que gerou contencioso administrativo e, posteriormente, execuções fiscais e embargos correlatos, cujas discussões, em alguns casos, mantêm-se até hoje. Além desse cenário, em face de autuações iminentes ou já concretizadas, os contribuintes ajuizaram mandados de segurança e/ou ações declaratórias para que o Poder Judiciário pudesse definir se, e de que modo, haveria a paralisação dos efeitos da coisa julgada tributária.
Mas a história teve muitos desdobramentos.
Em 1994, a PGFN exarou o Parecer 1.277 afirmando que as alterações legislativas supervenientes à edição da Lei 7.689/88 eram suficientes para interromper os efeitos das decisões definitivas, bem como alegou que tal efeito igualmente se daria com a edição de “precedente” pelo STF (no caso, o RE 138.284/CE).
Em 2007, muito embora o STF tenha julgado improcedente o pedido formulado na ADI 15-2 quanto à declaração de constitucionalidade do art. 1º ao 3º da lei instituidora da CSL (7.689/88), o fisco alegou (novamente!) que se trataria de “precedente” apto a retirar a eficácia da coisa julgada dos contribuintes.
Em face de um cenário instável, em 2011, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede do Recurso Especial (repetitivo) 1.118.893/MG, afirmou que as alterações legislativas perpetradas na Lei 7.689/88 não eram suficientes para infirmar a coisa julgada dos contribuintes, tampouco o decidido pelo STF no controle abstrato de constitucionalidade em sentido diverso.
No mesmo ano, foi editado o Parecer PGFN 492, por meio do qual se sustentou a cessação imediata e automática dos efeitos prospectivos da coisa julgada em face de decisões (elencadas no Parecer) proferidas pelo STF.
Nesse vaivém de interpretações, sobreveio, em 2014, a decisão no RE 596.663/RJ, cuja discussão girava em torno de questões trabalhistas e, em 2015, a proferida no RE 730.462/SP, cujo debate envolvia honorários advocatícios. Ambas tratavam da paralisação dos efeitos da coisa julgada em face de alterações de fato ou de direito capazes de alterar o silogismo inicial da sentença.
Em 2016, o STF se manifestou especificamente sobre matéria processual quando julgou a ADI 2.418, ao analisar a constitucionalidade do art. 741, § único e do art. 475-L, § 1º, ambos do CPC/1973, bem como os correspondentes dispositivos do CPC/2015, quais sejam, o art. 525, § 1º, III, §§ 12 e 14 e o art. 535, § 5º. Compreendeu que a decisão exequenda baseada em lei declarada (in)constitucional pelo STF poderia ter seus efeitos rescindidos, desde que a interpretação da Corte tivesse sido anterior ao trânsito em julgado das sentenças individuais.
A pergunta que os contribuintes se faziam, e ainda fazem hoje, é: tais decisões alteram a validade/eficácia da coisa julgada tributária, cujas relações jurídicas se fundam no Sistema Constitucional Tributário regulado pelo Código Tributário Nacional? Qual dessas interpretações poderia ser considerada a final, isto é, aquela que impede qualquer outra em sentido contrário? O que ocorre com os créditos tributários já extintos antes do encerramento dos julgamentos dos leading cases? Qual o impacto nas provisões efetuadas com base nos trânsitos em julgado?
A resposta será dada pelo próprio STF que, em 2016, reconheceu a repercussão geral dos leading cases 949.297/CE e 955.227/BA. Decidirá a Suprema Corte se, e por meio de qual instrumento, as relações jurídico-tributárias definitivas podem ter a sua eficácia cessada em face de decisão em sentido contrário.
Não é possível sustentar, em hipótese alguma, que a discussão já esteja há muito tempo definida e, portanto, não haveria confiança a ser protegida nesse tema que envolve as relações jurídico-tributárias. Ora, se a discussão estivesse assim assentada, qual seria a razão de o STF reconhecer a repercussão geral dos temas 881 e 885? Aliás, fosse assim, não teríamos tantos artigos publicados por diversos atores jurídicos atuantes na seara tributária, discussões em foros acadêmicos e tanta incerteza nesses últimos 30 anos!
Registre-se que esta é a primeira vez que o STF vai decidir sobre a cessação dos efeitos da coisa julgada nas relações jurídico-tributárias ante ulterior precedente em sentido contrário.
As decisões judiciais exaradas anteriormente e que de certo modo tocam no ponto (REs 596.663/RJ e 730.462/SP) não se referem ao ramo do direito tributário, cujas relações jurídico-materiais são constituídas a partir de um Sistema Constitucional Tributário e regradas pelo Código Tributário Nacional. O mesmo se diga em relação à Reclamação 33.765/PA, que trata da equiparação de remuneração entre cargos públicos.
Não se pode invocar decisões de outras searas do direito para, com isso, afirmar que não haveria confiança dos contribuintes a ser protegida; aliás, são tão particulares as relações jurídicas em que é parte o Estado-Fisco que o CTN, em seu art. 156, X, estabelece que a coisa julgada extingue o crédito tributário. Ora, tal dispositivo não se compatibiliza à ideia de que a solução desses leading cases possa “revigorar” créditos tributários extintos.
Outro ponto importante: caso as soluções dadas aos leading cases sejam no sentido dos votos proferidos pelos Relatores<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, todavia adotando-se um critério temporal, qual seja, a partir da ata de julgamento dos referidos recursos, não se estará “modulando” decisões pretéritas, mas sim apenas concretizando as regras de estatura constitucional da anterioridade e da irretroatividade, próprias do universo tributário. Reitere-se: é a primeira vez que a corte julgará se, e de que modo, as suas decisões impactam a coisa julgada tributária.
Por tais razões, é evidente a incerteza no ar que somente será dirimida ao final dos julgamentos desses leading cases. Se os precedentes anteriores do STF exarados até o momento fossem parâmetros suficientes para a resolução do tema, seria desnecessário o julgamento dos leading cases e, até mesmo, inócuos tantos estudos e discussões ao longo das últimas décadas sobre a cessação da eficácia da coisa julgada em matéria tributária nos casos em que o plenário do STF decidisse contrariamente a questão. Daí resulta que não nos parece razoável admitir que os julgamentos de um tema tão duvidoso quanto relevante pudessem alcançar situações a eles anteriores.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> De forma a declarar que as decisões tomadas em repercussão geral e no controle abstrato de constitucionalidade impactam prospectivamente os efeitos da coisa julgada tributária.

Dinheiro, Real Moeda brasileira

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JOTA

É a primeira vez que o STF julgará se, e de que modo, suas decisões impactam a coisa julgada tributária

A confiança justificada a ser protegida na coisa julgada em matéria tributária

É a primeira vez que o STF julgará se, e de que modo, suas decisões impactam a coisa julgada tributária