Thiago Ferreira Almeida

Os acordos bilaterais de investimento (Bilateral Investment Agreements – BITs) se constituem como os instrumentos mais recorrentes a regular os investimentos estrangeiros, a citar, os investimentos estrangeiros diretos (Foreign Direct Investments – FDIs) ou os investimentos de portfólio (também conhecidos como de capital especulativo).
Além dos BITs, também são comumente negociados os acordos de livre comércio (Free Trade Agreements – FTAs) ou os preferenciais de comércio (Preferential Trade Agreements – PTAs) que, ao regular comércio entre dois ou mais países, apresentam cláusulas destinadas exclusivamente para investimentos estrangeiros, como exemplo, o Acordo USMCA (United States-Mexico-Canada Agreement), de 2020, que modificou o antigo Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (North American Free Trade Agreement – NAFTA).
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Dessa forma, o Direito Internacional do Investimento é o campo jurídico dedicado exclusivamente a regular no plano global os investimentos externos ou transnacionais, ou seja, aqueles que envolvem dois ou mais Estados ou jurisdições independentes.
No caso da União Europeia (UE), o tema dos investimentos internacionais possui regulamentação tanto nos Estados-membros quanto a nível comunitário europeu. O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, assinado em 2008 em sede do Tratado de Lisboa, é considerado o marco divisor a alterar de forma significativa a competência sobre os investimentos estrangeiros diretos na UE e com terceiros países.
Antes de 2008, a competência sobre investimentos estrangeiros, em sua maioria, FDIs, residia no nível dos Estados-membros da UE. Tal situação caracterizou a assinatura de inúmeros BITs ente países europeus ao longo da segunda metade do século XX e início do século XXI.
O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, em seu art. 207, dispõe que a Política Comercial Comum (PPC) será definida exclusivamente pelo Conselho Europeu e Parlamento Europeu. Para tanto, o tema dos investimentos estrangeiros diretos foram incluídos na PPC, no que se refere à competência para celebração de acordos e eventuais modificações.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Uma questão que se sobressai nos tradicionais BITs é a existência de cláusula de solução de controvérsia por meio de arbitragem ad hoc, normalmente seguindo as regras procedimentais definidas no Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimento (International Centre for Settlement of Investment Disputes – ICSID), da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (United Nations Commission on International Trade Law – UNCITRAL) ou da Câmara de Comércio Internacional (International Chamber of Commerce – ICC).
Sobre essa questão, o caso Achmea (C-284/16),<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> proferido pela Corte Europeia de Justiça (European Court of Justice – ECJ) é paradigmático, ao ter analisado a questão da competência do tribunal arbitral de investimento previsto no BIT entre os Países Baixos e Eslováquia. A ECJ decidiu que a referida cláusula de constituição de tribunal arbitral para solução de controvérsias referentes a investimentos apresentava-se incompatível com o sistema jurídico da UE.
<blockquote class="jota-article__eye">O fundamento da decisão da corte europeia centrou-se no princípio da autonomia do sistema jurídico europeu, em que somente a ECJ poderia interpretar e aplicar norma da UE, não cabendo a tribunal arbitral manifestar-se sobre o direito europeu.</blockquote>
O princípio da autonomia seria, portanto, decorrente do princípio da confiança e do respeito mútuo entre a União Europeia e seus Estados-partes, com o objetivo de garantir a execução das obrigações e liberdades fundamentais comunitárias definidas em seus tratados, assegurado unicamente por meio de sistema jurídico próprio (ECJ e cortes domésticas dos Estados-partes).
Frente ao conflito entre o sistema jurídico da UE e as disposições dos BITs entre países membros da União Europeia (intra-EU BITs), em 15 de janeiro de 2019, apresentou-se a Declaração dos países membros da EU.
Neste instrumento, afirmou-se que as cláusulas de solução de controvérsias de investimentos por meio da arbitragem ad hoc eram incompatíveis e, portanto, desprovidas de jurisdição em sede da União Europeia.
Como consequência, os intra-EU BITs seriam denunciados e teriam seus efeitos encerrados. Em especial ao Tratado da Carta de Energia (Energy Charter Treaty - ECT), os efeitos do caso Achmea ainda seriam analisados, uma vez esse acordo multilateral também dispõe sobre resolução por meio de arbitragem internacional.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Por outro lado, o Parecer 1/17 da ECJ<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> tratou sobre o caso de acordos internacionais sobre investimento (com cláusula de resolução de conflitos via arbitragem internacional) entre a União Europeia e terceiros países (extra-EU BITs).
O referido parecer tratou do Acordo Compreensivo Econômico e Comercial entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, assinado em 30 de outubro de 2016, também conhecido por CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement), a tratar sobre redução de barreiras alfandegárias, comércio entre as duas regiões e sobre investimentos, além de compras públicas, direito concorrencial, propriedade intelectual e desenvolvimento sustentável.
O CETA possui mecanismo de solução de controvérsia por tribunal específico e o parecer da ECJ tratou de clarificar questionamentos apresentados pela Bélgica se a autonomia do sistema jurídico da UE estaria prejudicada.
A ECJ justificou no sentindo que decisões do tribunal do CETA não possuíam efeito erga omnes, restringindo-se exclusivamente às partes em litígio (inter partes), bem como dispôs que se encontra excluída qualquer possibilidade de eventual sentença a prejudicar a competência exclusiva da corte europeia na interpretação definitiva do sistema jurídico da UE.
Caberia, dessa forma, ao tribunal arbitral constituído pelo CETA interpretar conforme o Direito Internacional, ressaltando a inexistência de efeito direto do CETA na ordem jurídica interna dos Estados-partes da UE.
O CETA fundamenta-se, por sua vez, no princípio da reciprocidade no Direito Internacional, em que as partes voluntariamente definem suas obrigações. Tal comando é parte integrante dos princípios que regem as relações externa das UE e, em consequência, reafirma-se a UE como sujeito integrante do Direito Internacional.
Observa-se que a regulamentação dos investimentos internacionais envolve diferentes níveis: bilateral, regional, plurilateral e multilateral. Acrescenta-se a tal contexto a disseminada atuação de tribunais arbitrais a decidir sobre conflitos entre investidores (pessoas físicas e jurídicas) e Estados receptores de investimentos.
Essa realidade caracteriza-se por uma fragmentação de jurisdições a tratar da proteção dos investidores externos e dos limites de competência frente a jurisdições internas e, como visto no caso da União Europeia, regional.
A competência da UE sobre investimentos internacionais (FDIs) encontra-se em profícuo debate, uma vez que intra-EU e extra-EU BITs ainda se encontram vigentes, sejam aqueles assinados antes do Tratado de Lisboa de 2008, sejam os novos acordos entre a UE e seus Estados-membros com terceiros países, inclusive com o Mercosul, cujo texto final foi acordado em 2019 e aguarda assinatura.
Assim como a UE, os países emergentes exportadores de capital, como China, Índia e Brasil, apresentam novas disposições sobre investimentos internacionais, reformando o Direito Internacional do Investimento e afastando-o de sua concepção tradicional típica das décadas de 1980 e 1990, que correspondeu ao auge das assinaturas dos BITs.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> UNIÃO EUROPEIA. Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Jornal Oficial da União Europeia. Versão consolidada em 07/06/2016. Disponível em: &lt;https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:9e8d52e1-2c70-11e6-b497-01aa75ed71a1.0019.01/DOC_3&amp;format=PDF&gt;. Acesso em: 26 de julho de 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> CORTE EUROPEIA DE JUSTIÇA. Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de março de 2018 (pedido de decisão prejudicial do Bundesgerichtshof — Alemanha) — Slowakische Republik / Achmea BV. Processo C-284/16. Acórdão de 06/03/2018. Disponível em: &lt;https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=199968&amp;mode=req&amp;pageIndex=1&amp;dir=&amp;occ=first&amp;part=1&amp;text=&amp;doclang=PT&amp;cid=543402&gt;. Acesso em: 26 de julho de 2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> EUROPEAN COMMISSION. Declaration of the Representatives of the Governments of the Member States, of 15 January 2019, on the legal consequences of the judgement of the Court of Justice in Achmea and on investment protection in the European Union. Disponível em: &lt;https://ec.europa.eu/info/sites/default/files/business_economy_euro/banking_and_finance/documents/190117-bilateral-investment-treaties_en.pdf&gt;. Acesso em: 26 de julho de 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> CORTE EUROPEIA DE JUSTIÇA. Parecer 1/17 (Tribunal Pleno). 30 de abril de 2019. Disponível em: &lt;https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=213502&amp;doclang=PT&gt;. Acesso em: 26 de julho de 2021.

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