Gabriela Costa Carvalho Forsman

Autoridades de diversos países têm buscado estabelecer padrões globais de investigação de práticas delituosas por escritórios de advocacia e outros prestadores de serviços, cristalizando as melhores práticas. O Department of Justice dos Estados Unidos ("DOJ"), por exemplo, divulgou proposta de acordo internacional sobre procedimentos investigativos e garantias processuais designado “MFP” em junho deste ano. Diante desse quadro, sugere-se ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica ("CADE") indagar em que programas e procedimentos de investigação ainda há espaço para aprimoramento.
Para aperfeiçoar ainda mais o programa de leniência do CADE, um dos principais instrumentos de detecção e repressão de cartéis no Brasil, no entanto, não é preciso somente buscar respostas fora do país, mas também soluções apresentadas em frentes de investigação no Brasil. Um desses caminhos seria a utilização de um meio de obtenção de provas que tem se mostrado muito eficaz no combate a cartéis em andamento e para o desmantelamento de organizações criminosas; e que possui instrumentos espelhos em outras jurisdições como os Estados Unidos e o Reino Unido: a ação controlada.
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A ação controlada, meio de obtenção de provas extraordinário permitido em qualquer fase da persecução penal, consiste no retardamento do flagrante de modo que autoridades policiais e administrativas somente interfiram no crime no melhor momento para a coleta de provas. O instrumento destina-se a obtenção de provas robustas, a identificação de coautores ou partícipes, a resgatar vítimas do crime com maior segurança e a recuperar o produto ou proveito do crime. A ação controlada pode ocorrer por meio do flagrante esperado ou pelo monitoramento à distância dos atos praticados pelos agentes da organização criminosa com eventual escuta telefônica, uso de filmadoras e outros expedientes investigativos. 
Nesse sentido, quando verificada a existência de um cartel em andamento e a ação controlada for tida como benéfica à investigação, o CADE poderia autorizar o proponente do acordo de leniência a continuar com sua conduta, sem revelar aos demais participantes o acordo em curso. Ficaria assim oculta dos demais membros do cartel a cooperação com as autoridades. Ao manterem comunicações ou participarem de reuniões do cartel com o colaborador, os demais infratores não suspeitariam que se esteja negociando um acordo de leniência com o CADE. Assim, seria mantido o elemento surpresa e evitado o risco de destruição de provas. 
A ação controlada foi utilizada, por exemplo, com sucesso em 2016 na Operação Rêmora do Grupo de Atuação e Combate ao Crime Organizado do Mato Grosso (“GAECO/MT”), o qual investigou um cartel que fraudava licitações e contratos administrativos de construções e reformas em escolas da Secretaria de Educação do Mato Grosso: a partir da realização da ação controlada, mais de vinte empreiteiros foram flagrados combinando o modus operandi do cartel e diversos mandados de prisão foram expedidos. 
A sua aplicação no âmbito do programa de leniência do CADE constitui mais um método para romper cartéis. A compatibilização entre a ação controlada e o programa de leniência do CADE tem o condão de aumentar a detecção de cartéis e, portanto, de auxiliar na dissuasão de sua prática.  A possibilidade de utilização de referido meio de obtenção de provas também resolve o problema de lógica da teoria dos jogos: o membro do cartel precisa ser o primeiro a reportar a conduta à autoridade para celebrar um acordo de leniência, mas precisa ser capaz de apresentar informações e documentos suficientes para evidenciar a conduta anticompetitiva. 
A compatibilização entre o programa de leniência do CADE e o instituto da ação controlada é benéfica ao Estado, que otimiza recursos financeiros e de pessoal e aumenta a efetividade investigativa. Mas serve também aos signatários de acordos de leniência. Dentre outros critérios, a redução das penas no âmbito administrativo e criminal a que o signatário do acordo pode fazer jus ao celebrar o acordo de leniência varia de acordo com a quantidade e qualidade das evidências apresentadas à autoridade. Isto é, quanto mais efetiva a colaboração do signatário, melhor será o benefício concedido. Nesse sentido, quanto mais instrumentos úteis de obtenção de provas o signatário puder usar, melhores serão os seus benefícios. 
Ressalta-se que os agentes policiais, o CADE, o Ministério Público e demais indivíduos envolvidos na ação controlada devem observar os limites materiais e procedimentais da ação controlada, de modo que a operação não viole garantias dos investigados. Tem-se como limites materiais o cumprimento das diligências em observância aos princípios da dignidade da pessoa humana, legalidade, necessidade, não discriminação e proporcionalidade; e como limites procedimentais, os dispostos no artigo 8º da Lei nº 12.850/13 ("Lei de Organizações Criminosas") e no Código de Processo Penal. 
Ademais, os agentes responsáveis pela condução da ação controlada não podem dar causa ao flagrante provocado, forjado ou preparado, nos quais há interferência na vontade do agente, e alteração na situação fática do crime ao, por exemplo, preparar flagrante meticuloso com ausência de risco ao bem tutelado. Segundo a Súmula 145 do STF, não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação. 
Além disso, a autoridade não pode revelar a identidade do colaborador (quando a ação controlada for realizada no âmbito de um acordo de colaboração premiada) e quebrar o sigilo das investigações que envolvam a ação controlada, sob pena e cometer os crimes previstos nos artigo 18 e 20 da Lei de Organizações Criminosas.
A sofisticação dos instrumentos de investigação utilizados por autoridades no combate de cartéis, desde que respeitados direitos e garantias individuais, encontra exemplos no Direito Comparado. As autoridades antitrustes do Reino Unido e dos Estados Unidos, por exemplo, utilizam institutos próximos aos da ação controlada em seus programas de leniência. 
Em 2006, a European Competition Network (“ECN”) publicou o Model Leniency Programme (“MLP”), o qual consolida a experiência dos membros da Comissão Europeia em seus programas de leniência e dispõe que "a flexibilização do compromisso do signatário do acordo de leniência de cessar a sua participação no cartel imediatamente será autorizada pela autoridade de defesa da concorrência quando necessário e deverá observar o equilíbrio adequado entre encerrar as atividades criminosas o mais breve  possível e garantir a eficácia da investigação" (tradução livre). O Competition &amp; Market Authority (“CMA”), autoridade de defesa da concorrência do Reino Unido, por exemplo, flexibiliza referido requisito. O Office of Fair Trading (“OFT”), antigo órgão antitruste do Reino Unido, chegou a inclusive publicar um guia sobre a propositura de acordos de leniência em que estabeleceu regras de como proceder quando a autoridade determinar que o signatário deva continuar a praticar a conduta anticompetitiva: “directions to continue cartel activity”. 
O DOJ, por sua vez, também permite a flexibilização da cessação imediata da conduta ao dispor que: "pode ser solicitado aos signatários que auxiliem o DOJ em covert investigations; por exemplo, por meio da participação consentida em discussões monitoradas com os demais infratores" (tradução livre). Quando os funcionários das pessoas jurídicas signatárias participarem das reuniões ou se comunicarem com os demais membros do cartel a pedido do DOJ, esses serão considerados agentes da Divisão Antitruste do DOJ segundo a lei norte-americana, ao invés de membros do cartel. 
Demonstrados os benefícios da utilização da ação controlada no programa de leniência do CADE, resta analisar como se daria a compatibilização entre os institutos. 
Através de mais de uma forma poderia ocorrer a inserção da ação controlada no âmbito do programa de leniência do CADE: (i) alteração do artigo 86 da Lei 12.529/2011 ("Lei da Concorrência"), o qual exige a cessação completa do envolvimento na infração noticiada ou sob investigação a partir da data da propositura do acordo pelo proponente, como requisito de celebração do acordo de leniência; ou (ii) flexibilização de referido artigo por meio da interpretação da Lei da Concorrência à luz da Lei de Organizações Criminosas, a qual permite o uso da ação controlada em investigações de organizações criminosas em seu artigo 3º. Como alternativa às estratégias acima, pode-se sugerir interpretação de que o colaborador cessa a prática da infração quando começa a colaborar, pois aí já deixa de ter a intenção de praticar a conduta, chamada de dolo no Direito Penal. Isso poderia ser reforçado, para fins de prova, por autorização por escrito, "waiver", pelas autoridades para o proponente do acordo de leniência, de modo que esse continue a praticar a conduta reportada e o cartel seja monitorado. 
A primeira possibilidade é mais incerta e demorada, pois seria necessário passar pelo processo legislativo. A segunda forma de implementação, por sua vez, tem a vantagem da simplicidade, embora seja restrita aos casos de cartéis que configurem organizações criminosas, isto é: "associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional."
A última solução parece ser a mais simples: permitir a utilização da ação controlada em investigações de cartéis por meio de simples interpretação da legislação já existente, reforçada por disposição contratual no acordo a ser celebrado entre as autoridades e o signatário.

Movida

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JOTA

Compatibilização poderia se dar de diversas formas e demonstra ser benéfica à autoridade e ao signatário do acordo

A compatibilização entre o programa de leniência do Cade e ações controladas

Compatibilização poderia se dar de diversas formas e demonstra ser benéfica à autoridade e ao signatário do acordo