Estevan Pietro
Mestre em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Especialização em Direito Tributário pelo IBET-SP e em Regulação Pública e Concorrência pelo CEDIPRE (Coimbra). Advogado.
A possibilidade de cobrança pela ocupação da faixa de domínio das rodovias foi delimitada no âmbito jurisprudencial em dois microcosmos bastante solidificados: em rodovias concedidas – submetidas às normas infraconstitucionais (Lei 8.987/95) – aplica-se o entendimento do STJ (art. 105, III, “a” e “c” da CFRB) e, a rodovia sendo explorada diretamente pelo ente público, não há aplicação de Lei Federal, mas da aplicação direta de dispositivos constitucionais (art. 102, III, “a”, CFRB), razão pela qual o Supremo se pronuncia.
É notório que nas concessões de serviço público a fonte primária de receita do concessionário advém das tarifas pagas pelos usuários. Ainda, a Lei 8.987/1995 apresenta a previsão de fontes secundárias que poderão estar previstas no edital de licitação (art. 11). Mas inexiste faculdade ao concedente: sendo revertida a totalidade à modicidade tarifária, há real dever estatutário para sua implementação. Tudo na perspectiva de viabilizar novas fontes de rendas ao projeto concessionário.
No caso das rodovias concedidas, a receita secundária advém das faixas de domínio que são exploradas por particulares ou por outras concessionárias que utilizam estas faixas laterais para transmissão – aérea ou subterrânea – de seus serviços, sem qualquer influência ao pagamento para concessionária de rodovia da prévia existência ou não de infraestrutura. Existindo (feita por ocupante distinto), poderá ocorrer compartilhamento de infraestrutura, sem que desnature a nova ocupação concretizada – e o pagamento pela ocupação distinta.
Logo, em prol da modicidade tarifária, a cobrança pela ocupação da faixa de domínio está legitimada. Esta foi a interpretação dada pela 1ª Seção do STJ em 2010 no Resp. 975.097/SP. Em 2014, o reconhecimento da licitude da cobrança foi reforçado no julgamento do EREsp 985.695/RJ, ainda que a ocupação seja feita por outra concessionária de serviço público. Na mesma ocasião foi afastada a aplicação do Decreto 84.398 /80 – e do Decreto n° 24.643/34 (Código de Águas) –, entendendo por sua derrogação tácita, prevalecendo o art. 11 da Lei 8.987/95. Desde então, a jurisprudência do STJ segue estabilizada.
Sendo a exploração feita diretamente pelo Poder Público, o STF entendeu em 2010, por meio da sistemática da repercussão geral, pela impossibilidade de cobrança. Afinal, “as faixas de domínio público de vias públicas constituem bem público, inserido na categoria dos bens de uso comum do povo”. Assim, uniformizando a interpretação constitucional o RE 581.947/RO passou a ser o precedente absoluto para tais casos.
Portanto, a cobrança pela ocupação das faixas de domínios será devida, quando a via for concedida, por força do art. 11 da Lei 8.987/95 e da jurisprudência do STJ; no caso das vias exploradas diretamente pelo Poder Público, a cobrança, intentada pelo próprio ou por suas autarquias, é vedada conforme assentado pelo STF.
A Lei de Antenas (Lei 13.116/2015), que trata de implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações apresentou em seu art. 12 a gratuidade em razão do direito de passagem nas faixas de domínio de vias concedidas. A impressão de mudança ou falta de harmonia com a jurisprudência foi recentemente corroborada pelo art. 9° de seu decreto regulamentador (Decreto 10.480 de 1º de setembro de 2020) que ratifica a gratuidade para expansão do setor. Em poucos movimentos, a impressão não perdura.
Apesar de o art. 12 da Lei 13.116/2015 estabelecer eventual gratuidade, a parte final do artigo excetua os contratos que “decorram de licitações anteriores à data de promulgação desta Lei”. E, além da imperatividade do art. 9º (“não será devida contraprestação”), o art. 17 do Decreto 10.480/2020 deixa claro a inaplicabilidade da vedação contida no art. 12 da Lei de Antenas. No entanto, o Decreto 10.480/2020 destoa da lei que visa regulamentar, sendo ilegal nesta extensão.
O marco temporal adotado pela Lei 13.116/2015 é a data de sua promulgação – 20 de abril de 2015 (art. 12). Inovando, o Decreto 10.480/2020 traz como referencial a data de publicação da Lei 13.116/2015 (22 de abril de 2015). Assim, se existir alguma gratuidade para instalação de infraestrutura para as empresas de telecomunicação, não se aplicará aos contratos licitados antes da promulgação – e não publicação – da Lei de Antenas.
Antes da ocorrência do evento futuro e certo escolhido pelo legislador, é necessária a deferência ao posicionamento do STJ que considera lícita a cobrança. Assim, continua tudo como dantes no quartel d´Abrantes.