Silvana Batini

Na semana passada, o Supremo suspendeu dispositivo da mais recente reforma eleitoral, que previa as chamadas “doações ocultas”. Este dispositivo permitia que o candidato, em sua prestação de contas, declarasse os aportes recebidos dos partidos sem declinar a fonte da doação. O Supremo invocou o princípio da transparência e ainda a necessidade de preservar o exercício adequado das funções da Justiça Eleitoral. Quis dizer com isto que o dispositivo impedia a fiscalização, o que é verdade.
O que não se disse ainda de forma clara é que, com essa decisão, o Supremo desmonta uma estratégia legal deliberada, montada na última reforma, para tornar opaca a fonte de financiamento de um candidato e, mais ainda, inviabilizar a responsabilização de quem transgride as regras.
A ideia era engenhosa - e perigosa.
Imaginemos um candidato financiado por uma fonte vedada (um sindicato, uma igreja, uma concessionária, ou qualquer pessoa jurídica). O dinheiro entra para o partido, que o repassa para o candidato na campanha. Quando prestasse contas, este candidato mencionaria apenas o partido como doador, sem que qualquer irregularidade pudesse ser questionada, já que invisível. Suas contas seriam julgadas e, caso eleito, seria diplomado e empossado.
O partido político, por sua vez, prestaria suas contas apenas no ano seguinte à eleição, em abril. Caso se constatasse, nesta prestação de contas partidária, a fonte ilícita que irrigou a eleição do ano anterior, nada mais poderia ser feito contra o candidato, já que os prazos para impugnação de candidaturas se esgotam 15 dias após a diplomação.
Restaria, então, buscar a punição do partido e dos seus responsáveis. Mas aí entra em cena outro aspecto da nova reforma: segundo o novo parágrafo 5º do artigo art. 32 da Lei 9096 (a lei dos partidos), a desaprovação da prestação de contas do partido não o impede de participar do pleito eleitoral.
Outros três dispositivos da nova reforma preveem agora que a única sanção cabível neste cenário é a devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento). A sanção deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, poderá ser parcelada em até doze meses e não vinculará jamais os dirigentes partidários responsáveis por estas contas (presidentes, tesoureiros etc). Tudo isso após esgotados todos os recursos judiciais cabíveis.
Esse sistema criaria uma blindagem incontornável. Na prática, permitiria que o candidato se financiasse de forma ilícita sem comprometer sua eleição, repassando o ônus para o partido que, por sua vez, pode rolar esta dívida por muitos anos valendo-se de meios processuais. Sopa no mel.
Tudo ficaria ainda mais intangível, se as doações empresariais não tivessem sido proibidas também pelo Supremo, em outra decisão. De qualquer forma, com o financiamento restrito a doações de pessoas físicas, a identificação dos doadores é ainda relevante para se evitarem fraudes como o emprego de "laranjas".
As duas decisões do Supremo atrapalharam a estratégia, mas não a anularam por completo. Os novos dispositivos que tratam da responsabilização dos partidos não foram objeto da ADI e continuam valendo. Os partidos políticos, únicos avalistas de candidaturas, saem desta reforma ainda mais blindados.

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JOTA

A ideia engenhosa e perigosa gestada no Congresso.

A blindagem eleitoral por trás das doações ocultas

A ideia engenhosa e perigosa gestada no Congresso.