Luciano Barros

Anna Luísa Guimarães

O Novo Marco Legal do Saneamento Básico (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14026.htm">Lei 14.026/2020</a>) entrou em vigor com a proposição, já antiga, de universalização dos serviços em escala nacional. As metas são de que, até 2033, 99% dos brasileiros possam contar com água potável e 90% com tratamento e coleta de esgoto. Para tanto, são necessários grandes investimentos em um setor ainda constituído principalmente por Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs).
As CESBs são empresas públicas ou de economia mista que atuam, principalmente, por meio de contratos de programa. Historicamente, esses acordos são firmados por entes que integram a Administração Pública, em especial os municípios, e criam vínculos obrigacionais entre os titulares dos serviços públicos e os agentes responsáveis por executá-los, ou seja, as próprias Companhias Estaduais de Saneamento Básico.
A partir da década de 70, grande parte dos municípios vinculou-se a esse sistema, de forma que o Brasil passou a contar <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/unidades-regionais-de-saneamento-meio-compulsorio-ou-voluntario-de-prestacao-20042022">com serviços de saneamento básico regionalizados</a>, interligados ao ponto de se constituir uma cobrança de tarifa única no âmbito de cada Estado da federação. O modelo parecia eficiente para fomentar o desenvolvimento do setor. Na prática, porém, houve significativo déficit de investimento, em razão de problemas como uma fragmentação de competências internas, a ausência de uma política regulatória clara e específica, bem como a elevada participação da Administração Pública<a href="#_ftn1">[1]</a>.
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) divulgados em 2021, as redes de esgoto brasileiras abrangiam apenas 55% da população total e 63,2% da população urbana. Além disso, apenas 50,8% da população total têm acesso a algum tipo de tratamento do esgoto. Na região Norte, esse índice alcança apenas 21,4% da população. Não é difícil perceber que, em mais de 40 anos, o modelo de saneamento básico brasileiro <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/fugindo-da-ilusao-saneamento-basico-e-essencial-12042022">não alcançou o devido desenvolvimento</a>.
Um ponto de extrema relevância é a dificuldade de arrecadação de recursos pelas CESBs, por dependerem de repasses públicos. De acordo com estimativas do Ministério do Desenvolvimento Regional, são necessários investimentos de R$ 70 bilhões por ano para que até 2033 tenhamos índices satisfatórios de acesso aos serviços de água e esgoto<a href="#_ftn2">[2]</a>. Desse modo, o Novo Marco do Saneamento pretende facilitar a privatização das CESBs, com a extinção do modelo de contratos de programa até o prazo final de vigência dos contratos atuais.
Não é difícil imaginar que, com a possibilidade prevista em lei de recebimento de novos recursos para os <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/leilao-saneamento-basico-cedae-rio-de-janeiro-27112021">casos de concessões e desestatizações</a>, os municípios já iniciaram uma verdadeira corrida para se tornarem aptos a aderir à modelagem proposta pelo Novo Marco Legal. Ainda há, porém, significativas incertezas quanto ao efetivo objeto dos ativos que irão integrar os programas de desestatização atrelados à nova legislação.
Controvérsia relevante está instaurada nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 7067 e 7100, ajuizadas no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">Supremo Tribunal Federal</a> para questionar dispositivos da Lei Estadual 15.708 do Rio Grande do Sul, ambas de relatoria do Ministro Nunes Marques.
Em agosto de 2021, a Assembleia Legislativa do Estado aprovou projeto de lei que prevê a autorização de privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN). No mês seguinte, foi publicada a Lei Estadual 15.708, em que são previstos mecanismos para alienação ou transferência, total ou parcial, da sociedade, dos ativos e/ou da participação societária.
Segundo informações no site da própria Companhia, o objetivo da legislação é preparar a empresa para o cumprimento das novas exigências apresentadas pelo Novo Marco Legal do Saneamento, por meio da ampliação da capacidade de investimentos e melhoria da saúde financeira.<a href="#_ftn3">[3]</a>
No entanto, as ADIs mencionadas questionam tais objetivos. Na ADI 7067, o PDT contesta diversos dispositivos legais que possibilitariam a prorrogação dos contratos de programas firmados entre a CORSAN e os municípios do Estado.
Segundo o PDT, a Lei Estadual nº 15.708/2021 definiria, sob a camuflagem do termo rerratificação, a possibilidade de ampliação do prazo de duração dos contratos de programa firmados pela CORSAN com os municípios do Estado por até 40 anos, o que ocasionaria a perpetuação do sistema atual de regulação de saneamento básico na região, em contrariedade ao Novo Marco do Saneamento.
A ADI também alega que a Legislação Estadual seria uma manobra governamental para aumentar os preços das ações da CORSAN, já que ampliaria o prazo de atuação da empresa pública. Dessa forma, teria uma melhora na imagem institucional da companhia e mais facilidade de liquidação das ações no procedimento de desestatização.
Já a ADI 7100 foi ajuizada pelo PT contra a suposta autorização genérica concedida ao Poder Executivo para escolha do procedimento e modalidade da desestatização da CORSAN. A petição inicial argumenta que a competência para tais ações seria do Poder Legislativo.
Novamente, o STF é colocado em papel relevante na definição dos propósitos do Novo Marco Legal do Saneamento. Convém rememorar que, em 2021, o STF julgou improcedentes todos os pedidos de declaração de inconstitucionalidade de artigos da lei manejados nas ADIs 6.492, 6.536, 6.583 e 6.882. O julgamento levou em consideração duas premissas básicas: a ausência de capacidade institucional do Poder Judiciário para validação de objetivos e políticas públicas definidas pelo Legislativo; e a necessidade de investimentos no sistema de saneamento básico brasileiro, que se encontra defasado e insuficiente.
No voto vencedor do ministro relator, Luiz Fux, para além de uma análise constitucional, <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/fux-vota-a-favor-da-validade-do-marco-regulatorio-do-saneamento-basico-25112021">há uma delimitação do que seria devido ao STF</a> examinar em relação ao novo diploma legal. Cita-se como exemplo o seguinte trecho: “De tal modo que a exclusão do contrato de programa representa uma afetação proporcional à autonomia negocial dos Municípios, em prol da realização de objetivos setoriais igualmente legítimos. Essa proibição ocorre pari passu a opção legislativa pela delegação sob o modelo de concessão”.<a href="#_ftn4">[4]</a>
Partindo dessas premissas, o julgamento das ADIs 7067 e 7100 tende a se pautar também na necessidade de se incentivar investimentos privados no setor, priorizando a operação de licitações e a adoção de um modelo de concessões.
Nota-se que a perpetuação dos contratos de programa, objeto da ADI 7067, seria um desincentivo para investidores, ante a imprevisibilidade de quais serão os ativos disponíveis para que se tenha efetividade no propósito de universalização dos serviços de água e esgoto. A prorrogação da atuação das CESBs e a instituição de mecanismos que dificultem a privatização dessas companhias dificultam que novos agentes privados passem a atuar no setor, favorecendo a defasagem de infraestrutura.
Portanto, ao julgar as ADIs 7067 e 7100, o Supremo Tribunal Federal estará, mais uma vez, se debruçando sobre questões de extrema relevância para <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-regionalizacao-do-saneamento-basico-e-sua-titularidade-07072021">o setor de saneamento</a>, tendo em vista os potenciais impactos nos incentivos que tendem a nortear a maior participação de investidores privados, além de lançar luz sobre aspectos de segurança jurídica que interessam às empresas que já integram o setor.
Para além da aplicação do direito constitucional, o STF dará o tom sobre a relevância de se angariar recursos privados que, segundo a ótica do Congresso<a href="#_ftn5">[5]</a>, são indispensáveis para o desenvolvimento e a universalização dos serviços de água e esgoto no país.
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<a href="#_ftnref1">[1]</a><a href="https://www.ipea.gov.br/ipeacaixa/premio2006/docs/trabpremiados/IpeaCaixa2006_Profissional_MH02_tema01.pdf">https://www.ipea.gov.br/ipeacaixa/premio2006/docs/trabpremiados/IpeaCaixa2006_Profissional_MH02_tema01.pdf</a>
<a href="#_ftnref2">[2]</a> <a href="https://www.gov.br/pt-br/noticias/transito-e-transportes/2022/03/investimentos-em-tratamento-de-agua-e-esgoto-crescem-quase-1-000-em-um-ano#:~:text=Para%20cumprir%20essa%20meta%2C%20%C3%A9,servi%C3%A7os%20de%20saneamento%20no%20pa%C3%ADs.">https://www.gov.br/pt-br/noticias/transito-e-transportes/2022/03/investimentos-em-tratamento-de-agua-e-esgoto-crescem-quase-1-000-em-um-ano#:~:text=Para%20cumprir%20essa%20meta%2C%20%C3%A9,servi%C3%A7os%20de%20saneamento%20no%20pa%C3%ADs.</a>
<a href="#_ftnref3">[3]</a> <a href="https://www.corsan.com.br/assembleia-legislativa-aprova-projeto-que-autoriza-privatizacao-da-corsan">https://www.corsan.com.br/assembleia-legislativa-aprova-projeto-que-autoriza-privatizacao-da-corsan</a>
<a href="#_ftnref4">[4]</a> Voto do Ministro Luiz Fux proferido durante julgamento da ADI 6.492 proferido durante sessão do dia 02/12/2021 – Acórdão ainda pendente de publicação
<a href="#_ftnref5">[5]</a> <a href="https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8122700&amp;ts=1594035605685&amp;disposition=inline">https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8122700&amp;ts=1594035605685&amp;disposition=inline</a>

saneamento

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JOTA

Até 2033, 99% dos brasileiros devem contar com água potável e 90% com tratamento e coleta de esgoto

A atuação do STF e o Novo Marco Legal do Saneamento

Novo marco propõe, que até 2033, 99% dos brasileiros possam contar com água potável e 90% com tratamento e coleta de esgoto