André Zanatta Fernandes de Castro

Marjorie Pardini

<p>A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), para muito além de fiscal, foi criada para regulamentar o sistema de proteção de dados pessoais no Brasil no marco da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018 – LGPD).</p>
<p>Disso decorrem diversas atribuições, como (i) ouvir os agentes de tratamento e a sociedade em matérias relevantes, (ii) celebrar compromissos com esses agentes para eliminar irregularidades, situações de incerteza jurídica ou conflitos em processos administrativos, bem como (iii) editar regulamentos e procedimentos sobre proteção de dados pessoais.</p>
<p><a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Quanto a essa última competência, a própria LGPD traz, expressamente, diversos pontos que deverão ser objeto de regulamentação pela ANPD, a exemplo da matéria de transferência internacional de dados. Nessa linha, a própria Autoridade já publicou a Portaria nº 11/2021, que definiu sua agenda regulatória para os anos de 2021 e 2022. Assim, embora a LGPD tenha entrado em pleno vigor em 1º de agosto, muitos dos pontos tratados por ela ainda não foram regulamentados pela ANPD.</p>
<p>Não obstante, como era esperado, o Poder Judiciário já passou a ser demandado para dirimir ações individuais e coletivas fundamentadas na LGPD. Muitas vezes, essas ações são ajuizadas por associações sem representatividade adequada, criadas exclusivamente com o fim de testar e fomentar esse novo mercado que se desponta, apresentando demandas genéricas e infundadas. Essas ações chegam ao Judiciário, repita-se, em um momento em que ainda se faz indispensável o desenvolvimento da atuação regulatória da ANPD.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>As normas da LGPD carecem de lapidação – a própria lei o reconhece ao permitir e, em certos casos, determinar a atuação normativa da ANPD.</p></blockquote>
<p>E parece absolutamente razoável que o legislador tenha incumbido a esse órgão a regulamentação e o detalhamento das normas trazidas pela referida lei, por vezes em termos muito amplos e genéricos. Afinal, não só a ANPD foi concebida para ser composta por membros especializados no tema (LGPD, art. 55-D, §2º) mas também porque sua atuação, pelo que se extrai de suas competências, lhe permitirá uma análise global do ecossistema de proteção de dados.</p>
<p>Espera-se, nesse sentido, que a Autoridade busque alcançar um equilíbrio entre os direitos das partes envolvidas e os objetivos de interesse público pertinentes, considerando que ela dispõe das competências e dos meios adequados para tanto, sendo esse justamente seu papel.</p>
<p>Ademais, a regulamentação atua no sentido de reduzir a insegurança jurídica e promover a isonomia, na medida em que fixa uma interpretação da lei, dentre várias possíveis, e confere maior precisão aos direitos e deveres de todos os envolvidos. Isso tende a evitar conflitos e garantir que todos se submetam à mesma compreensão das normas pertinentes.</p>
<p>Naturalmente, por um lado, o juiz não pode se eximir de decidir um conflito sob a alegação de lacuna ou obscuridade na lei (art. 140, CPC). Por outro, como se viu, a legislação de proteção de dados deixou uma série de temas em aberto, aguardando regulamentação pela ANPD.</p>
<p>É a ANPD que, inclusive com a necessária participação da sociedade civil, formulará interpretações aprofundadas da lei, que poderão se aplicar erga omnes. Assim, a atuação do Judiciário no contexto da LGPD, neste momento, deve ser pautada pela técnica e pela prudência, sob pena de se contribuir para a formação de um cenário de insegurança jurídica em torno de um tema de grande relevância e impacto.</p>
<p>Um exemplo ajuda a ilustrar o ponto: como decisões judiciais, em geral, só afetam as partes (CPC, art. 506), a imposição de uma obrigação individualizada a determinado agente de tratamento pode culminar em violação aos princípios constitucionais da isonomia (art. 5o, caput, CF) e livre concorrência (art. 170, V, CF) – afinal, apesar de atuarem no mesmo segmento daquele agente, outras empresas, não participando do processo judicial, não se sujeitarão às mesmas exigências, gerando consequências nefastas para o mercado.</p>
<p>Ademais, a prudência esperada também é no sentido de que o Judiciário esteja atento e sensível a ações judiciais que estejam se aventurando juridicamente na tentativa de fomentar o novo mercado de contencioso envolvendo a LGPD que começa a se expandir, o que exige cautela.</p>
<p>Em suma, não é o caso de propor soluções simplistas para a questão, uma vez que não se pode impedir que uma lide seja levada à apreciação do Judiciário. O que se pode esperar, contudo, é que o Judiciário compreenda a complexidade da matéria, o estágio inicial das discussões sobre o tema e, diante da possibilidade de suas decisões gerarem impactos não previstos, aja com cautela na aplicação da LGPD e na análise da representatividade adequada de associações autoras de ações coletivas, em especial enquanto ainda se aguarda a regulamentação de diversos dispositivos pela ANPD. A discussão sobre proteção de dados perante o Poder Judiciário não pode e não deve se dar de forma acelerada e prematura.</p>
<hr />
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proteção de dados

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JOTA

Discussão sobre proteção de dados perante Judiciário não pode e não deve se dar de forma acelerada e prematura

A atuação do Judiciário no contexto da LGPD

Discussão sobre proteção de dados perante Judiciário não pode e não deve se dar de forma acelerada e prematura