Julia Barker
Advogada. Associada da equipe de Direito Público e Regulatório do Stocche Forbes Advogados. Bacharel em Direito pela UFRJ. Pós-graduada em Direito Econômico e Regulatório pela PUC-Rio

No contexto de transição energética global, é inegável que a ênfase na sustentabilidade ambiental e a implementação de princípios de governança corporativa se consolidaram como alicerces fundamentais para o desenvolvimento econômico. Nesse cenário, as concessionárias de saneamento básico não ficam à margem dessa evolução, adotando, cada vez mais, compromissos com a sustentabilidade e princípios ESG (Environmental, Social, and Governance) como parte integrante de suas estratégias de negócios.
Com efeito, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020) instituiu como condição de validade dos contratos, não só a inclusão de metas progressivas e graduais relativas à expansão dos serviços e redução de perdas, como também a eficiência e uso racional de energia e outros recursos naturais.
A urgência na adoção de práticas mais sustentáveis no setor de saneamento é evidente. Com a acentuação dos riscos climáticos, o uso eficiente dos recursos naturais tornou-se uma necessidade incontestável e uma das alternativas mais promissoras reside nos projetos de geração distribuída de energia e autoprodução nas instalações operacionais das concessionárias de saneamento básico. Essa abordagem não apenas reduz a pegada de carbono das operações, mas também contribui para a resiliência do setor em face de desafios energéticos crescentes.
Segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME) de 2021, o consumo energético das concessionárias representa, em média, 14% dos gastos, chegando a quase 30% em algumas operações de tratamento de água e esgoto. Esses números evidenciam a importância de adotar medidas eficazes de gestão energética. Na mesma linha, de acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o saneamento corresponde somente a 2% do consumo de energia no âmbito do Ambiente de Contratação Livre (ACL).
Ao se pensar em novos modelos de negócio que não o consumo de energia no mercado cativo, existem oportunidades para otimizar os gastos das concessionárias de saneamento com energia. A migração para o ACL, por exemplo, permite a negociação de volume, fornecedor, preço e prazo de fornecimento com vistas à redução de custos. Além de ganhos financeiros significativos, é possível também reduzir o impacto ambiental.
Um exemplo notável que adota um novo modelo de negócio para o suprimento de energia é o projeto da concessionária Águas do Rio, do grupo AEGEA, que, de acordo com notícias recentes, concluiu um acordo para a autoprodução de energia solar em suas operações. O projeto inclui a locação de dois lotes do parque fotovoltaico da Elera Renováveis, em Janaúba (MG), com previsão de atender a partir de 2024 cerca de 75% do consumo de energia elétrica da Águas do Rio negociado no mercado livre de energia. Além da AEGEA, outras empresas privadas (como a BRK Ambiental) e públicas (como a SABESP e a COMPESA) também buscaram desenvolver projetos nesse sentido, visando uma maior economia e previsibilidade dos custos com insumo de tamanha importância para a sua operação.
Além da possibilidade de aquisição de energia no ACL, a tendência é de que cada vez mais as concessionárias de saneamento devem também adotar estratégias envolvendo autoprodução e geração distribuída. Para além dos crescentes projetos solares, o biogás tem condições de figurar como expoente da bioenergia para o setor de saneamento, em particular pela utilização de seus subprodutos para fins de economia circular. O aproveitamento do lodo, derivado das ETEs, para a produção de biogás e biometano pode compensar grande parte dos custos com energia elétrica, apesar de ainda pouco explorado no país.
Em resumo, a integração da Agenda ESG nas operações das concessionárias de saneamento básico representa uma oportunidade para investidores e empresas, contribuindo com valiosas externalidades positivas. A gestão estratégica de energia, aliada à busca por fontes de energia limpa, é um compromisso que beneficia não apenas o setor de saneamento, mas toda a sociedade.