Mônica Thaís Souza Ribeiro

Das ondas feministas aos dias atuais, as mulheres protestam e paulatinamente alcançaram direitos e garantias. Os tempos ainda não são de igualdade e ainda hoje, os números no campo do trabalho não remunerado e no direito à vida deixam rastros de que ainda estamos longe de reduzir a desigualdade.
Um exemplo foi a mudança de paradigma sobre o trabalho. Considerado antes aquilo que era feito em troca de remuneração, as atividades domésticas não remuneradas realizadas pelas mulheres passaram a ser reconhecidas como trabalho, tanto que os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelos técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já calculam essas horas trabalhadas nos resultados das pesquisas publicadas, sendo, portanto, parte de uma política de produção de dados.
<a href="https://www.dieese.org.br/infografico/2022/trabalhoDomestico.html">Números recentes</a> apresentados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revelam que, entre 2019 e 2021, a soma de pessoas ocupadas no Brasil aumentou em 200 mil, enquanto o trabalho doméstico diminuiu 500 mil. Os dados revelam que o rendimento mensal médio caiu R$ 86, além do aumento da proporção de trabalhadoras domésticas chefes de família.
No caso do trabalho doméstico não remunerado, as brasileiras dedicam, em média, 10,4 horas a mais por semana aos afazeres domésticos em relação aos homens. Os números podem até ser novidade para algumas pessoas, mas o dado tem fundação sólida nas famílias, na memória coletiva e na construção social que reserva às mulheres o espaço doméstico e a desvalorização dos trabalhos relacionados. Desde a infância as brincadeiras e incentivos direcionam os caminhos traçados socialmente para o desempenho de determinadas funções para meninas e outras, para meninos.
Em um giro monetário, se é preciso mão de obra para gerar capital, os dados indicam que, entre 2005 e 2015, o trabalho doméstico correspondeu a 11% do PIB, o que não é pouco. Neste caso, há uma precarização do trabalho realizado quase que exclusivamente por mulheres, com significativo valor econômico e ainda, feito a partir de um grupo de pessoas – as mulheres – sem as quais a vida humana não existe. De acordo com <a href="https://www.uff.br/?q=noticias/09-05-2018/pesquisa-da-uff-destaca-impacto-do-trabalho-domestico-na-economia-nacional">estudos</a> realizados pela professora Hildete Pereira de Melo Hermes de Araújo (UFF), mensurar os afazeres domésticos significaria acrescentar R$ 235,4 bilhões ao PIB
Essa separação e hierarquização nas relações de trabalho, para além do campo epistemológico, estão espalhadas na produção do conhecimento científico, no acesso à educação, aos parlamentos, nos domínios das narrativas e de quem e como a história é contada, sendo estes eixos de distribuição do poder nas relações sociais, econômicas, políticas e até de ocupações de espaços demográficos a partir das oportunidades ou necessidades migratórias determinantes para a conquista de espaços em uma sociedade polarizada por questões de gênero.
Ao lado das questões trabalhistas, o direito à vida das mulheres se mantém no rol dos principais desafios contemporâneos da sociedade brasileira. O 8 de março, em celebração ao Dia Internacional da Mulher, ainda é uma data de luta pelo direito de as mulheres não serem mortas por serem mulheres, já que a cada 4 horas uma mulher morre no Brasil vítima de feminicídio.
Apesar da Lei Maria da Penha ser uma referência internacional no enfrentamento à violência contra a mulher, o Brasil está em 5º lugar no ranking de países que mais cometem esse tipo de crime. Dentre os motivos para essa incongruência estaria a baixa adesão das vítimas em realizar denúncias, já que 72% das mulheres alegaram medo de vingança do agressor e ausência segurança no amparo oferecido pelo Estado, especialmente após a denúncia. Além da necessária qualificação de agentes que atuam na temática e da desconstrução de preconceitos e estigmas sociais, é necessária dotação orçamentária para que os serviços ofertados garantam segurança e proteção às vítimas.
A reificação, o controle e a posse dos corpos das mulheres devem ser enfrentadas desde a criação de leis que garantam autonomia dos corpos – como no caso da Lei 14.443/22, que dispensa consentimento do cônjuge para laqueadura – e na criminalização de crimes de ódio que incentivam e estruturam as bases sociais para o cometimento de condutas que incitem o ódio. Tramita no Senado o <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/156025">PL 896/2023</a> para criminalizar a misoginia, uma vez que as violências se forjam a partir dos discursos de ódio e preconceito contra as mulheres.
Apesar de inafiançável e com elevado número da pena, as punições do Estado não demonstram reduzir os números de crimes, o que a estatística revela é exatamente o contrário. Sabemos que há uma subnotificação, que muitas mulheres vivem de 9 a 10 anos de violência até denunciar, e ainda assim, os números não param de crescer, o que nos revela a urgência de investigar e compreender o que leva os agressores a repetirem esses atos a ponto de adotarem aspectos de aparente ausência de telencéfalo.
O minucioso <a href="https://www.ssp.df.gov.br/violencia-contra-a-mulher/">relatório de análise de crimes</a> realizado pela Câmara Técnica do Monitoramento de Homicídios e Feminicídios da Secretária de Segurança Pública do Distrito Federal trouxe dados detalhados sobre as vítimas e agressores, revelando que, diferente do que se supôs no passado, o recorte dos crimes aponta similaridades entre vítimas e autores, com aproximação na faixa etária, grau de escolaridade e raça, além da identificação de tratarem-se de crimes cometidos dentro das relações familiares.
Parte do fracasso no combate a esse tipo de violência pode encontrar solução na ocupação de espaços decisórios por mulheres: desde as cadeiras da Suprema Corte por um grupo feminino e negro até a justa ocupação do Congresso, ainda majoritariamente masculino, branco e distante das demandas de uma sociedade plural e complexa dos cumprimento dos direitos das mulheres.
Um país heterogêneo, colorido e diversificado como o Brasil deve ter representação daquilo que é real, a partir da equidade de gênero, igualdade salarial e remuneração do trabalho doméstico. A prioridade – por ser caso de vida ou morte – deve ser o enfrentamento às causas que elevam os crimes contra as mulheres. Para o dia da mulher ser realmente feliz, queremos em 2024 bombons recheados de direitos e flores com garantias fundamentais previstas na Constituição Federal.
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Garcia, B. C., &amp; Marcondes, G. dos S. (2022). As desigualdades da reprodução: homens e mulheres no trabalho doméstico não remunerado. Revista Brasileira De Estudos De População, 39, 1–23. <a href="https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0204">https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0204</a>
HIRATA, H.; KERGOAT, D. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, SP, v. 37, n. 132, p. 595-609, 2007. DOI: 10.1590/S010015742007000300005.
MELO, Hildete Pereira de; THOMÉ, Débora. Mulheres e poder: histórias, ideias e indicadores. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Rio de Janeiro, RJ: IBGE, 2019. Disponível em: <a href="https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?edicao=27762%5C&amp;t=downloads">https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?edicao=27762%5C&amp;t=downloads</a>

Mulheres

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JOTA

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