Advocacia

7 noções de Análise Econômica do Direito para o advogado corporativo

AED surge com o objetivo de conferir maior cientificidade e pragmatismo ao Direito

Crédito: Pixabay

Na sequência do artigo anterior1, em que apresentamos 4 princípios econômicos para o advogado corporativo, mergulharemos um pouco mais a fundo na interseção entre Direito & Economia, que constitui um campo próprio de estudo e de pesquisas (também chamado de Análise Econômica do Direito ou “AED”). Para aqueles que não estejam familiarizados com esta corrente de pensamento com mais de 5 décadas de existência2, podemos conceituá-la sucintamente como a aplicação das ferramentas da Economia às normas e instituições jurídicas, para examinarmos a formação, estrutura, processos e impacto da legislação e dos institutos legais3.

Em suas origens, a AED surgiu com o objetivo de conferir maior cientificidade e pragmatismo ao Direito, muitas vezes preso em seus conceitos abstratos e na sua dogmática, sem atentar para os efeitos e consequências de suas regras e decisões judiciais. No Brasil, é comum a sentença: “isso pode ser verdade em teoria; mas na prática é falso”. Ora, se a teoria (jurídica, no caso) não corresponde à prática, há algo de impossível no ar, pois “o que é certo na teoria tem de sê-lo também na prática. E, se não o é, há uma falha na teoria: algo foi ignorado e não foi avaliado; por conseguinte, é falso também na teoria”4. Nesse contexto, a corrente de Direito & Economia (ou AED) é audaciosa o suficiente para se propor a tornar as teorias (jurídicas) verificáveis empiricamente, a fim de que correspondam, de fato, à prática (caso contrário, a teoria deverá ser descartada ou revista).

Feitos estes esclarecimentos preliminares, apresentaremos a seguir 7 noções5 de Análise Econômica do Direito, que esperamos contribuir minimamente para a compreensão da realidade do universo corporativo, nivelando e alinhando teoria e prática.

1. Custos de transação

Os custos de transação são a base dos estudos de Direito & Economia, e mereceriam um livro à parte6. O termo “transação” é utilizado no sentido econômico7, significando qualquer operação que promova a circulação de riqueza na sociedade. Custos de transação são, assim, aqueles incorridos na realização de uma transação (representados, ou não, por dispêndios financeiros), abrangendo o conjunto de ações e medidas adotadas antes, durante e depois de consumada a operação econômica. Imaginemos, por exemplo, uma possível aquisição de uma empresa (M&A): (a) há custos para se procurar e obter informações (due diligence); (b) custos para as partes negociarem os termos da transação, no clausulado dos contratos (muitas vezes em endless drafting sessions); e (c) após fechado o negócio, há custos para garantirmos que os contratos serão cumpridos, com monitoramento constante dos agentes econômicos.

Para o advogado corporativo, a noção de custos de transação (que é um verdadeiro “teorema”, na Economia) é importante para que seja sempre levada em consideração, antes, durante e após qualquer operação econômica. Reiteramos que os custos podem ser não apenas financeiros, mas também envolver outros aspectos também custosos, como tempo, pessoas e alocação de recursos diversos. Por isso, sempre que considerar prosseguir com um negócio (ou com um processo), leve em conta não somente a assinatura do contrato em si e sua conclusão (ou o ajuizamento da ação), mas também todos os custos de transação envolvidos, em todas as suas etapas. Esta noção facilitará o planejamento das ações a serem tomadas.

2. Contratos incompletos

Para a frustração e desespero dos advogados corporativos, em contratos de longo prazo, é muito difícil descrever, com precisão, todas as prestações a que se obrigarão as partes em todo o prazo de duração do contrato, incluindo quaisquer eventos externos8. Por mais que os advogados tentem regular e antever todos e quaisquer possíveis eventos em uma relação de longo prazo entre as partes (imaginemos um contrato de fornecimento; contrato de distribuição; global agreement; ou acordo de acionistas), a realidade é que é praticamente impossível que o clausulado abranja todas as possibilidades futuras. Por isso é que a AED ensina que há uma inerente incompletude contratual, que é do jogo.

Isso não quer dizer que não existam meios de o advogado corporativo procurar reduzir a incompletude contratual, como, por exemplo, (i) recorrer a regras supletivas, isto é, regras “modelo”, aplicáveis à relação caso o contrato não disponha em sentido contrário, (ii) adotar mecanismos e incentivos adequados em termos de governança corporativa, riscos e compliance (GRC), (iii) monitorar a atuação dos agentes econômicos, para verificar continuamente se o contrato corresponde à realidade (e vice-versa) etc. Ao se conscientizar de que é virtualmente impossível a existência de um contrato completo (exceto em relações instantâneas, como uma doação sem encargo que se aperfeiçoa no mesmo segundo), fica mais fácil ao advogado corporativo lidar com a questão. Mesmo após intensas rodadas de negociações e detalhadas revisões do clausulado, é uma doce ilusão imaginar que uma vez assinado o contrato, estará tudo resolvido.

3. Assimetria informacional

Temos assimetrias informacionais desde que o mundo é mundo, o que quer dizer que é muito difícil todos terem o mesmo nível e profundidade de informações. Em uma organização, por exemplo, é natural que a alta administração tenha informações estratégicas a respeito dos planos da empresa, o que pode não ser compartilhado com a gerência. Por outro lado, a gerência pode ter informações táticas e operacionais não compartilhadas com a alta administração, justamente por estar mais “na linha de frente”. Ou seja: é impossível que todas as pessoas, em uma organização, detenham o mesmo nível e detalhamento de informações. E, ainda que fosse, cada pessoa herda um passado e uma maneira de pensar únicos, de maneira que as informações podem ter diferentes significados e consequências para cada pessoa.

O advogado corporativo, em uma organização, precisa compreender a existência de assimetrias informacionais, e pensar estrategicamente em quem deseja atingir, interna ou externamente. Dependendo de como as informações forem transmitidas, as informações serão mais ou menos simétricas e parametrizadas (ou não), considerando os seus receptores. No curso de um processo ou de uma arbitragem, é do jogo que as partes muitas vezes se valham de assimetrias informacionais para pensar e agir de forma estratégica. E vale notar que na (nova) economia digital em que vivemos, na qual tudo pode ser acessado via smartphones, aplicativos diversos têm contribuído para a redução da assimetria informacional, ao aproximar as partes, com a desintermediação e, por tabela, redução dos custos de transação (basta pensarmos em Uber, Airbnb, Tinder e tantos outros). Capisce?

4. Conflito de agência

O conflito de agência é típico da chamada relação de agência (ou agente-principal), na qual, por um contrato, uma parte (principal) encarrega outra (agente) de desempenhar alguma atividade em favor daquela (do principal), delegando-se autoridade de tomada de decisão ao agente9. Os exemplos são diversos: (i) um acionista (principal) frente a um diretor (agente); (ii) um cliente (principal) diante do seu advogado/procurador (agente); (iii) um investidor (principal) vis-à-vis seu corretor (agente) etc.

Esta noção é importante ao advogado corporativo porque geralmente o agente possui melhores e mais informações que o principal, em relação a fatos relevantes e questões operacionais, justamente por estar à frente do negócio. Há o risco de que o agente não venha a atuar exatamente conforme o combinado com o principal. Os mecanismos para reduzir este conflito são diversos: já se disse outrora, por exemplo, que a função primordial do Direito Societário é, na realidade, reduzir os conflitos de agência. Tendo conhecimento de que delegar determinadas atividades a terceiros pode acarretar no conflito de agência, o advogado corporativo deverá se prestar a alinhar os interesses das partes da melhor maneira possível, estabelecendo os incentivos adequados para evitar que informações sejam mascaradas (já que a posse de informações pode gerar negócios e produzir renda).

5. Seleção adversa

A seleção adversa se dá quando uma das partes está mal informada acerca das características de um produto, serviço ou pessoa. Nesse caso, “vendedores” que tiverem bens de boa qualidade não conseguirão um preço justo por seus produtos e, em consequência, tenderão a sair do mercado. assim, a qualidade média dos produtos naquele mercado irá diminuir, até que restem apenas produtos de baixa qualidade10. O exemplo prático desta situação seria em relação à análise de crédito efetuada por bancos, que poderia ser um caso de seleção adversa se o risco da carteira de clientes fosse superior ao risco médio da população.

Para o advogado corporativo, a noção de seleção adversa é importante porque contribui para a adoção de adequados mecanismos de cadastros, sejam eles relativos a clientes, fornecedores, colaboradores ou prestadores de serviço. Com o objetivo de que a seleção se dê com acuracidade, pesquisas aprofundadas e due diligences podem ser recomendáveis, conferindo o conforto à organização de que o escolhido é tudo aquilo que se espera. Do contrário (caso não se invista neste processo seletivo), a dor de cabeça poderá ser grande, no futuro…

6. Risco moral (moral hazard)

Já o risco moral ou moral hazard se dá posteriormente à conclusão da negociação, quando há um incentivo para que o agente econômico, por não estar inteiramente afetado pelas consequências de suas ações, possa vir a adotar comportamentos mais “frouxos”. Explicamos com 2 exemplos ilustrativos: (i) a pessoa que, tendo seu carro coberto por seguro, toma o risco de estacionar em locais ermos, justamente por estar com a apólice de seguro em dia (quando o esperado seria que fosse mantida a mesma cautela que existiria se o carro não estivesse coberto pelo seguro); e (ii) um banco que, sabendo que a autoridade bancária o “resgatará” (bailout) em caso de quebra, vem a ser mais agressivo e a tomar mais riscos no mercado (é a ideia de “too big to fail”).

Ciente da existência de moral hazard em transações (em maior ou menor grau), o advogado corporativo deverá, para contê-lo, fiscalizar e monitorar o comportamento dos agentes, bem como alinhar os interesses das partes e seus incentivos (infelizmente, não há uma fórmula mágica: novamente, os tais incentivos…). A adoção de classificações pela experiência e métricas poderá ser um facilitador para coibir comportamentos desta natureza, uma vez que se deseja que as partes sejam diligentes, mesmo após a celebração de uma negociação (afinal, pelo Código Civil, a boa-fé também deve ser pós-contratual).

7. Teoria da captura

Por fim, o principal insight da teoria da captura é que, considerando que o poder coercitivo do governo pode ser utilizado para fornecer benefícios valiosos a indivíduos ou grupos, a regulação econômica poderia ser direcionada em favor de um setor, ou até mesmo “capturada” por ele. Isto pois a máquina e o poder do Estado são uma potencial fonte de recursos ou de ameaças a toda a atividade econômica da sociedade, com seu poder de proibir ou compelir, de tomar ou dar dinheiro, ajudando ou prejudicando, seletivamente, um vasto número de indústrias11. Embora o Direito ensine que, via de regra, devamos presumir a boa-fé (e provar a má-fé), os economistas não são tão otimistas em relação à natureza humana, uma vez que os agentes econômicos podem adotar um comportamento oportunista, isto é, tentar obter para si vantagens em detrimento de outros. É o oposto de uma relação de confiança, e está associado a esforços para esconder, desnaturar, disfarçar ou semear a confusão nos negócios (a seu favor)12.

Nesse contexto, o advogado corporativo deve ter ciência de que uma autoridade poderá ter sido capturada por uma empresa ou setor, atuando em exclusivo benefício deste(a). Claro que se trata de uma afirmação um tanto quanto ampla, mas fato é que há estudos que demonstram empiricamente a existência desta captura13. O advogado corporativo sabe disso, ainda que intuitivamente: o Brasil está na 125ª posição no ranking Doing Business do Banco Mundial14, o que quer dizer que o comportamento oportunista é recorrente por aqui (e.g. buscas por facilidades na obtenção de licenças e alvarás etc.), o que sugeriria a teoria da captura. Um programa de compliance bem estruturado e uma adequada gestão de riscos serão elementos imprescindíveis para qualquer organização que deseje durar e prosperar no mundo dos negócios, com respeito às regras, às instituições e com ética nos negócios.

Vê-se que, de alguma forma, as 7 noções acima estão interligadas (e não poderia ser diferente, já que a realidade é complexa; somente a procuramos definir e classificar para facilitar os estudos e as análises). Referidas noções foram explicadas muito resumidamente, e não têm por objetivo esgotar o objeto de estudo da Análise Econômica do Direito, que é muito maior que o que consta acima. O propósito das breves considerações ora expostas foi apenas pincelar algumas teorias e noções que, se bem entendidas, poderão auxiliar o advogado corporativo em seus negócios e no seu dia a dia. São pílulas de conhecimento, que poderão ser amargas àqueles mais afeitos ao mindset jurídico tradicional; mas, uma vez dourada a pílula, passaremos a nos acostumar à necessidade de enxergar (e quiçá compreender) a realidade e a “vida coma ela é”, o que poderá ser um caminho sem volta…

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1 Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/4-principios-de-economia-para-o-advogado-corporativo-11082018>.

2 Para breve histórico das fases do movimento, vide: MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução de Rachel Sztajn. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 8-19.

3 Cf. SALAMA, Bruno. O que é Direito e Economia. In: Direito e Economia. TIMM, Luciano B. (org.). 2ª ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008.

4 SCHOPENHAUER, Arthur. Como vencer um debate sem precisar ter razão: 38 estratagemas. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, p. 175.

5 O número 7 foi escolhido de forma cabalística: há muito mais noçõe, conceitos, teorias e estudos de Direito & Economia do que apenas 7. Para aqueles que desejarem se aprofundar no estudo, recomendamos: COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito & economia. 5ª ed. Porto Alegre: Bookman, 2010; MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução de Rachel Sztajn. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015; TIMM, Luciano Benetti, Direito e economia no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

6 Este livro existe: COASE, Ronald H. A firma, o mercado e o direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016.

7 E não o jurídico, do artigo 840 do Código Civil.

8 Cf. SZTAJN, Rachel. Sociedades e contratos incompletos. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 101, p. 171-179, jan. 2006.

9 Cf. JENSEN, Michael; MECKLING, William. The theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, v. 3, 1976, p. 305-360.

10 Cf. Akerlof, George A. The Market for ‘Lemons’: Quality Uncertainty and the Market Mechanism. Quarterly Journal of Economics (The MIT Press), Vol. 84(3), 1970, p. 488-500.

11 Cf. STIGLER, George. The Theory of Economic Regulation. Bell Journal of Economics. Vol. 2. 1971, p. 2-31. Vide, ainda: TIMM, Luciano B.; DUFLOTH, R. A teoria da captura regulatória no mercado de capitais e as sociedades de economia mista. In: GRAU, Eros Roberto; SABOYA, Claudia Maria Martins de; ABRÃO, Carlos Henrique (org.). O direito dos negócios – homenagem a Fran Martins. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 166-180.

12 Cf. MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Ob. cit., p. 221-224.

13 Vide, por exemplo: LAZZARINI, Sérgio. Capitalismo de laços: os donos do Brasil e suas conexões. Rio de Janeiro, Elsevier, 2011.

14 Fonte: <http://portugues.doingbusiness.org/rankings>.

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