Diego Pereira

A palavra cômpito carrega em seu significado a complexidade da escolha a partir de muitos caminhos que se impõem à humanidade. Não à toa afirma Guimarães Rosa em "Grande Sertão: Veredas": “Tudo o que já foi, é o começo do que vai vir, toda a hora a gente está num cômpito”.
Na proteção ambiental, esses caminhos foram abertos em Estocolmo, quando se declarou pela primeira vez o meio ambiente como um direito fundamental humano, em 1972. Esta é a razão, inclusive, de se comemorar o Dia Mundial do Meio Ambiente em 5 de junho. Nascia a relevância da temática ambiental em caráter internacional, estabelecendo-se o debate sobre questões como desenvolvimento humano-econômico, bens da natureza, poluição e finitude de recursos.
Cinquenta anos depois, as questões que envolvem o meio ambiente se tornaram tão complexas quanto a própria modernidade. Se antes a pergunta se voltava ao modo de fazer economia, preservando/conservando a natureza, agora o questionamento é como sobreviver em um planeta que se mostra mais desigual, violento e desumano em relação aos impactos da mudança do clima.
Foi também na década de 1970, nos Estados Unidos, que se iniciou o questionamento em relação à incidência maior de resíduos tóxicos em bairros afroamericanos. Era o nascimento da justiça ambiental, estabelecendo uma relação direta entre raça, pobreza e condições ambientais. Contudo, só em 2015 a <a href="https://brasil.un.org/">ONU</a> pautou a justiça climática (filha da justiça ambiental) no âmbito de uma conferência.
Os desafios de hoje exigem muito mais do que frear o crescimento econômico e reduzir a temperatura em 1,5ºC.
A pergunta que se impõe é como frear a pobreza que atravessa a sociedade de forma mais acentuada entre negros, pobres, indígenas, moradores de encostas e favelas e entre mulheres. A redução dessas vulnerabilidades, objeto de estudo da justiça climática, é a grande questão que não estava presente em Estocolmo.
Segundo o ultimo relatório do IPCC, os extremos climáticos se tornarão cada vez mais frequentes e imprevisíveis, acentuando as vulnerabilidades (físicas, sociais, ambientais, econômicas) de mais de 50% da população mundial.
Os dados científicos revelam que mais de 90% das mortes em desastres ambientais ocorrem em países em desenvolvimento, vide o episódio de Petrópolis (RJ) e a morte de Lucimar com seus sete filhos em Paraty (RJ).
<blockquote class="jota-article__eye">A questão ambiental que foi para a mesa de discussão em 1972 se apresenta como meio para um debate que é mais abrangente atualmente: a violação de direitos humanos em decorrência da questão ambiental.</blockquote>
Se Estocolmo-72, como ponto inicial, mostrou-se necessário, hoje é preciso pensar o meio ambiente a partir da condição humana em que estão os desfavorecidos que suportam, em situação iníqua, os impactos da mudança do clima.
Vinte anos depois, com a participação ampliada dos países, ocorreu a Eco-92. Nesse mesmo ano nascia a União Europeia e findava a guerra civil em Moçambique. Enquanto era enviado o primeiro SMS, no Reino Unido, Bill Clinton vencia as eleições presidenciais nos EUA e o papa reconhecia a inocência de Galileu.
No Brasil, assistíamos ao massacre do Carandiru em meio ao impeachment de Fernando Collor. Mas o que marca mesmo o ano de 1992 na perspectiva ambiental, no pós-Guerra Gria, é a realização da Eco-92, ou Conferência do Rio ou Rio-92.
Com abertura em 3 de junho, no Rio de Janeiro, a conferência produziu diversos documentos na consolidação da política ambiental em nível global, a exemplo da Carta da Terra e a Convenção das Mudanças Climáticas (a certidão de nascimento para as futuras COPs).
A importância do legado da Eco-92 é uma unanimidade, seja porque concretiza a maior reunião de chefes de Estado em torno da questão ambiental, seja porque resulta em medidas concretas incorporadas pelas mais diversas nações signatárias dos acordos ali propostos. A novíssima Constituição do Brasil contava com apenas quatro anos de vigência e a conferência serviria como guia de inspiração às normas infraconstitucionais editadas na sequência.
A Rio-92 nasce como a conferência necessária ao futuro do planeta ao refletir a Terra como coletivo. “Pensar globalmente, agir localmente” sintetizava a ideia de responsabilidade comum entre as nações. No entanto, o conceito de justiça climática ainda não existia na instância oficial, o que aconteceria mais de 20 anos depois em Paris.
O debate sobre justiça climática, que consiste no diálogo entre direitos humanos e justiça ambiental em busca de equidade, é a chave de releitura da Rio-92 nos dias de hoje.
O slogan Nosso Futuro Comum, pensado na Eco-92, absorvia em suas sublinhas a ideia de igualdade como meta, o que não difere dos <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ods">Objetivos do Desenvolvimento Sustentável</a> a serem atingidos até 2030 ao buscar não deixar ninguém para trás.
Os pleitos atuais se concentram em apontar as desigualdades nas consequências deixadas por desastres e danos advindos das mudanças climáticas, em vez do discurso formal da unicidade conservacionista.
O caminho perseguido é a insistente diminuição do fosso que separa ricos de pobres; desenvolvidos de miseráveis; responsáveis de atingidos; degradadores de afetados.
A redução da desigualdade entre os povos deve ser reinterpretada com a ideia de que agora é preciso pensar localmente e agir globalmente.
Os 50 anos da Conferência de Estocolmo e os 30 anos da Conferência da Terra impõe novos desafios na seara ambiental e isso deve ocorrer com o auxílio da ciência.
O conhecimento científico se torna hoje a chave para soluções locais envolvendo mudança climática, desastres ambientais e justiça climática.
Ao fazê-lo, será possível mirar nas diferenças e nas injustiças que marcam a sociedade global que tem cor, gênero, idade e local social demarcados em suas vulnerabilidades ambientais.
Nas encruzilhadas que as escolhas se apresentam, no entanto, não pode a humanidade optar pelo caminho da injustiça já que esta sempre leva aos destinatários certos: os mais vulneráveis.

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JOTA

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