Felipe Recondo

Depois de sete anos, o clima se desanuviou e o Supremo Tribunal Federal (STF) pôde retomar na quinta-feira (05/03) um julgamento iniciado em setembro de 2007. A discussão travada entre os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes foi o princípio de um embate que culminaria em acusações que geraram uma crise no tribunal.
O debate técnico tratava da possibilidade de se reabrir a discussão sobre a modulação de efeitos na ação direta de inconstitucionalidade 2.949 um dia depois de proclamado o resultado de julgamento.
No mérito, os ministros declararam inconstitucional uma lei de Minas Gerais, que instituiu o estatuto dos servidores da administração pública. O ministro Eros Grau, por razões de saúde, faltou à sessão. E o julgamento da modulação terminou com placar de 7 a 3. Sem os 8 votos necessários, não foi possível modular os efeitos.
O resultado foi proclamado, mas no dia seguinte o ministro Gilmar Mendes suscitou uma questão de ordem para que o ministro Eros Grau, quando retornasse da licença médica, pudesse votar na modulação. Se votasse favoravelmente, haveria enfim os votos necessários para que os efeitos da decisão fossem prospectivos.
Estabeleceu-se então uma discussão áspera que, hoje, os ministros se recusaram a lembrar. Em razão do clima tenso em plenário, o ministro Ricardo Lewandowski pediu, em 2007, vista dos autos para deliberadamente parar o julgamento.
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Hoje, quando o assunto foi retomado, o ministro Lewandowski disse que a discussão foi áspera e que não repetiria em plenário as palavras usadas pelo ministro Joaquim Barbosa.
Em seu voto, concordou com a tese do ministro Joaquim Barbosa e afirmou que não seria possível reabrir a discussão sobre a modulação efeitos depois de proclamado o resultado do julgamento.
Após proferir seu voto, o ministro Lewandowski começou a colher as opiniões dos colegas. Primeiro a votar, o ministro Luís Roberto Barroso não sabia exatamente o que havia ocorrido na sessão de 2007. Naquela época, ele ainda era advogado e não integrava a Corte. A ata do julgamento, editada para excluir as discussões ríspidas, não trazia detalhes do que ocorrera.
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Nenhum ministros quis descrever à exatidão o que se passou. O ministro Celso de Mello restringiu-se a dizer que a discussão foi “áspera” e que a ata da sessão não refletia o nível do debate. “A vida não cabe nas atas”, ironizou o ministro Barroso.
Na falta de informações precisas sobre o caso, o ministro Luís Roberto Barroso pediu vista do caso.
A briga
Na sessão do dia 27 de março de 2007, o ministro Joaquim Barbosa iniciou o debate, protestando contra a questão de ordem feita pelo ministro Gilmar Mendes. Como relator do processo, o ministro Barbosa reclamava de não ter sido consultado previamente sobre o assunto. Presidia a sessão a ministra Ellen Gracie.
Min.Joaquim Barbosa: Senhora presidente, eu sou o relator do caso e acho que deveria até ter sido consultado sobre a questão de ordem. Me encaminho no sentido contrário. Não vejo como um ministro ausente de um julgamento, que não participou, não compôs o quorum — atingido um determinado resultado, vamos suspender para que ele participe apenas de um aspecto do julgamento exatamente para dar um sentido contrário a aquilo que foi decidido. É isso que nós estamos fazendo e eu voto contra.
Min.Gilmar Mendes: Senhora presidente, em primeiro lugar, não temos que consultar colega algum para solicitar questão de ordem.
JB: Nem que fosse por cortesia.
GM: Não me sinto obrigado a consultar vossa excelência.
JB: Eu fui o relator do caso ontem e nem fui consultado sobre absolutamente nada.
GM: Não há necessidade de consultar vossa excelência sobre questão de ordem.
JB: Eu deveria ter sido consultado, nem que fosse na sala de lanche.
GM: Em outro aspecto é comum, havendo oito ministros na Corte o tribunal delibera sobre ADI se houver cinco votos num sentido e três em outro suspender o julgamento (...).
JB: Estou há quatro anos e três meses nesta corte e jamais presenciei procedimento desta natureza. Obtido o resultado de um julgamento, acabou o julgamento. Não se suspende para se obter o voto de quem não participou.
GM: Neste caso não houve conclusão do julgamento quanto aos efeitos ex-tunc.
JB: Houve a conclusão do julgamento. Se houve quorum para o julgamento da ação houve para a modulação.
A discussão prosseguiu e explodiu quando o ministro Joaquim Barbosa afirmou: “Ministro Gilmar, me perdoe a palavra, mas isso é jeitinho. Nós temos que acabar com isso.”
Em resposta, o ministro Gilmar Mendes disse: “Eu não vou responder a vossa excelência. Vossa excelência não pode pensar que pode dar lição de moral aqui”.
JB: Eu não quero dar lição de moral.
GM: Vossa excelência não tem condições.
JB: E vossa excelência tem? O julgamento está encerrado.
GM: Não está encerrado. Está pendente a questão de ordem. O tribunal que se pronuncie.
JB: A questão de ordem é apenas um atalho para se obter um resultado inverso do que foi obtido ontem. Declarou-se a inconstitucionalidade de uma lei e agora quer tornar-se sem efeito.
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Dois anos depois desse episódio, os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes voltariam a travar nova discussão ríspida em plenário.
“Vossa excelência está destruindo a Justiça deste País e vem agora dar lição de moral em mim. Saia à rua ministro Gilmar”, criticou o ministro Joaquim Barbosa numa sessão de 2009.  "Eu estou na rua", respondeu o ministro Gilmar Mendes.
“Vossa excelência não está na rua não. Vossa excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. É isso”, disse Barbosa. “Vossa excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. O senhor respeite”, atacou o ministro Barbosa.
Em razão desta discussão, alguns ministros cogitaram publicar uma nota com críticas à postura de Joaquim Barbosa. À época, ministros contaram que o teor da manifestação poderia abrir espaço, inclusive, para medidas legais contra o ministro Joaquim Barbosa. Porém, não houve apoio dos demais integrantes da Corte. A nota nunca foi publicada.

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