Bárbara Pombo

JOTA

Duas ações recentes reforçaram o movimento de seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra os julgamentos secretos das Delegacias Regionais da Receita Federal (DRJ´s), porta de entrada de questionamentos de contribuintes contra autuações fiscais. De acordo com advogados, a decisão do Supremo Tribunal Federal favorável ao uso do habeas data para acesso a banco de dados do Fisco e as medidas tomadas pelo Ministério da Fazenda para dar transparência ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) após a Operação Zelotes fortalecem os argumentos em favor da transparência.
Pela primeira vez, dois dos cinco tribunais federais do país deverão se pronunciar sobre a polêmica dos julgamentos secretos. As decisões que podem ser tomadas nesta semana abrirão precedentes sobre o assunto, que aguarda o posicionamento de todos os tribunais regionais federais. Na primeira instância, a insurgência contra as sessões fechadas não encontrou eco entre a maioria dos juízes.
Uniformidade com o Carf
Na terça-feira (04/08), a 4ª Turma especializada do TRF da 2ª Região deverá analisar o recurso da Fazenda Nacional contra decisão da 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro – a única, até o momento, favorável ao pedido da OAB.
Na sentença, o juiz Firly Nascimento Filho determinou o acesso de contribuintes e advogados aos julgamentos, além da divulgação da data e do local das sessões. Entendeu ainda que deve haver uniformidade entre o procedimento adotado nas delegacias de julgamento e no Carf, onde a pauta de julgamentos é publicada no Diário Oficial da União e os advogados podem entregar memoriais aos julgadores e realizar defesas orais. Os efeitos imediatos da decisão, porém, estão suspensos por ordem do TRF2.
No Tribunal Regional Federal da 5ª Região, o julgamento do caso está previsto para quinta-feira (06/08). Antes de entrar no mérito, os desembargadores da 3ª turma do tribunal terão de analisar uma preliminar processual.
No recurso, a OAB potiguar questiona sentença do juiz Janilson Bezerra de Siqueira que extinguiu o processo. Na decisão, proferida em março, Siqueira considerou a Justiça Federal do Rio Grande do Norte incompetente para julgar o caso porque a Superintendência da Receita na 4ª Região – autoridade parte na ação – tem sede em Pernambuco.
Reforço
Seguindo o caminho de oito seccionais, as OABs de São Paulo e do Espírito Santo ingressaram com mandados de segurança em agosto. Capitaneada pela comissão de direito tributário da Ordem fluminense, a leva de ações visa permitir o acesso às sessões e a realização de defesas orais pelos advogados, além de possibilitar que empresas e pessoas físicas saibam onde, quando e quem julgará seus processos - informações hoje vedadas ao público pela Receita Federal.
As seccionais alegam que as sessões fechadas violam os direitos constitucionais à ampla defesa, ao contraditório, ao devido processo legal e à publicidade.
“Focaremos nossa ação no direito de o advogado fazer sustentação oral em qualquer órgão colegiado, direito previsto no Estatuto da Ordem e que deve ser garantido”, afirmou ao JOTA o presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP, Jarbas Andrade Machioni, referindo-se ao artigo 7º, inciso 8º da Lei 8906, de 1994.
O presidente da Comissão de Estudos Tributário da OAB-ES, Henrique Tavares, afirma que o regime atual não permite a ampla defesa e o contraditório, o que tiraria das empresas e pessoas físicas a possibilidade de defender-se de forma plena. “O sigilo fiscal do contribuinte deve ser equalizado com princípio da publicidade administrativa”, afirma.
Para advogados envolvidos no movimento, os argumentos levantados contra as sessões secretas ganharam força com o julgamento recente do Supremo que admitiu o uso de habeas data pelo contribuinte para acessar, em bancos de dados do Fisco, informações que lhe digam respeito. <a href="(https://www.jota.info/voto-de-luiz-fux-no-recurso-extraordinario-673-707)">A decisão foi unânime.</a>
“Apesar de a situação fática ser diferente, as premissas e as razões de decidir são as mesmas que apresentamos para que o contribuinte tenha acesso ao julgamento do seu caso”, afirma o advogado Maurício Faro, presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-RJ que tem tocado o assunto ao lado do vice, Gilberto Fraga. “É inconcebível em um país civilizado o contribuinte não saber quando e onde será seu julgamento, quem julgará e as razões de decidir”, completou Faro.
Direito constitucional à informação
De acordo com o presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-SC, Gustavo Amorim, as ações contra os julgamentos secretos e a decisão do Supremo baseiam-se em dispositivos da Constituição diferentes. Mas, para o advogado, o que a Corte reconheceu é um direito constitucional de informação que  se assemelha ao pleiteado nos mandados de segurança.
“O exercício do contraditório a que se refere o inciso LV do artigo 5º da Constituição pressupõe a informação acerca da data do julgamento, de quem irá julgar, e também a possibilidade de confrontação, no ato do julgamento, das informações nele discutidas”, afirma.
Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a decisão sobre o uso do habeas data não tem relação com as discussões travadas nos processos das seccionais da OAB, "de maneira que não se podem trasladar as suas conclusões”.
Justificativas do Fisco
O sigilo fiscal de contribuintes tem sido a justificativa da Receita Federal para manter o modelo de sessões fechadas. <a href="https://www.jota.info/quase-sempre-certa">A celeridade e a dinâmica dos julgamentos das DRJ´s também são levantadas como explicações.</a>
Desde 2013, os processos são distribuídos de forma equânime entre as 14 delegacias de julgamento de modo a evitar sobrecargas e demoras na constituição do crédito tributário. Desse modo, o recurso de um contribuinte do interior do Rio Grande do Sul pode ser analisado pela delegacia de Salvador, por exemplo. O contribuinte – e não seu advogado – é intimado da decisão que pode ser questionada no Carf, por ambas as partes.
O presidente do Carf e ex-secretário da Receita, Carlos Alberto Barreto, endossa a posição do Fisco: “Não acredito que seja uma questão de a administração não querer, é que o sigilo fiscal é uma coisa muito séria. Então se alguma norma alterasse o CTN [Código Tributário Nacional] dizendo que pode publicar com certeza eles ficariam felizes de publicar, mas hoje é [fechado] por conta do sigilo fiscal”, afirmou <a href="https://www.jota.info/carf-vai-rever-decisoes-sob-investigacao-na-zelotes-diz-presidente">em entrevista recente ao JOTA</a>.
Na Justiça, a PGFN tem defendido que os julgamentos das DRJ´s não violam os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, porque as partes têm direito de informação, de manifestação e de ver seus atos considerados. Sustenta ainda que as prerrogativas dos advogados não são violadas porque, assim como ocorre no Judiciário, a defesa na tribuna é assegurada no processo administrativo fiscal, em grau de recurso.
“Os direitos à sustentação oral, intimação de pauta e de intervenção oral em debates não são imprescindíveis a todos os julgamentos”, afirmou a procuradoria, em nota.
Zelotes e a Polícia Federal
Para advogados, a abertura das sessões de julgamentos caminha na direção de um movimento iniciado pelo Ministério da Fazenda para dar maior transparência ao Carf após a Operação Zelotes, que apura esquemas de corrupção no tribunal administrativo.
Um dos investigadores da Zelotes, o delegado Marlon Oliveira Cajado, afirmou em conversa recente com jornalistas que todo o processo administrativo fiscal deve ser revisto, inclusive os julgamentos fechados das Delegacias Regionais de Julgamento da Receita.
“O sigilo fiscal existe sobre as informações prestadas pelo contribuinte ao Fisco, mas depois que o crédito é discutido a sociedade tem interesse em saber se ele será desconstituído ou não”, afirmou o policial da Divisão de Repressão a Crimes Fazendários, acrescentando que o efeito didático da operação Zelotes poderá ser maior que a repercussão penal.
O presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Leôncio Ribeiro, arrematou: “O processo administrativo fiscal herdou os erros do processo judicial, como o excesso de recursos. Mas esqueceu de pegar os méritos, que é o julgador com atribuição única de julgador, a publicidade e transparência”.
Veja a situação de alguns dos processos em andamento:
Rio de Janeiro - MANDADO DE SEGURANÇA Nº 0000113-91.2014.4.02.5101. Sentença pela procedência do pedido proferida em novembro de 2014 e efeito suspensivo concedido no TRF2. Julgamento da apelação no TRF2 previsto para 4 de agosto.
Rio Grande do Norte – MANDADO DE SEGURANÇA nº 0805633-12.2014.4.05.8400. Sentença julgada improcedente. O parecer do Ministério Público favorável à divulgação do cronograma das 12 sessões de julgamento que serão realizadas em cada ano, a pauta de cada sessão com a indicação dos processos e relatores e a intimação do contribuinte para apresentação das alegações finais. Julgamento da apelação no TRF5 previsto para 6 de agosto.
Pernambuco - MANDADO DE SEGURANÇA Nº 0803598-88.2014.4.05.8300. Proferida em abril sentença que negou provimento ao pedido. Aguarda julgamento da apelação no TRF5.
Minas Gerais - MANDADO DE SEGURANÇA Nº 0067546-65.2014.4.01.3800 – Liminar indeferida por falta lei prevendo a abertura das sessões de julgamento.  Aguarda análise do recurso no TRF1.
Distrito Federal - MANDADO DE SEGURANÇA Nº 9018-74.2014.4.01.3400. Por questão processual, sentença extinguiu processo sem resolução de mérito. Recurso de apelação interposto no TRF1.
Santa Catarina - MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5032645-84.2014.404.7200 – Sentença negando pedido foi proferida em maio. Recurso de apelação aguardando julgamento no TRF4.
Paraná – MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5049862-61.2014.404.7000. Proferida em março sentença negando o pedido. Apelação aguardando julgamento no TRF4.

14730313127_093571ba2a_h

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

Tribunais devem definir esta semana se contribuintes podem ter acesso às sessões

Zelotes e STF reforçam tese contra julgamentos secretos da Receita

Tribunais devem definir esta semana se contribuintes podem ter acesso às sessões