Luiz Orlando Carneiro
Foi repórter e colunista do JOTA
Indicado pelo presidente Michel Temer para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes é considerado um autor dos mais bem sucedidos da área jurídica.
O JOTA selecionou o que Moraes já afirmou sobre três temas que estão na ordem do dia no Supremo Tribunal Federal, retirados da sua obra mais importante, “Direito Constitucional”, 30ª edição, revista e atualizada até a EC nº 76/2013:
Relatividade dos direitos e garantias individuais e coletivos
Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.
Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas).
Desta forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do principio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.
Apontando a relatividade dos direitos fundamentais, Quiroga Lavié afirma que os direitos fundamentais nascem para reduzir a ação do Estado aos limites impostos pela Constituição, sem contudo desconhecerem a subordinação do indivíduo ao Estado, como garantia de que eles operem dentro dos limites impostos pelo direito.
A própria Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, expressamente, em seu art. 29 afirma que “toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela pode-se desenvolver livre e plenamente sua personalidade. No exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. Estes direitos e liberdades não podem, em nenhum caso, serem exercidos em oposição com os propósitos e princípios das Nações Unidas. Nada na presente Declaração poderá ser interpretado no sentido de conferir direito algum ao Estado, a um grupo ou uma pessoa, para empreender e desenvolver atividades ou realizar atos tendentes a supressão de qualquer dos direitos e liberdades proclamados nessa Declaração”.
Direito à vida
A Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.
A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência.
O início da mais preciosa garantia individual deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao jurista, tão somente, dar-lhe o enquadramento legal, pois do ponto de vista biológico a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando um ovo ou zigoto.
Assim a vida viável, portanto, começa com a nidação, quando se inicia a gravidez. Conforme adverte o biólogo Botella Lluziá, o embrião ou feto representa um ser individualizado, com uma carga genética própria, que não se confunde nem com a do pai, nem com a da mãe, sendo inexato afirmar que a vida do embrião ou do feto está englobada pela vida da mãe.
A Constituição, é importante ressaltar, protege a vida de forma geral, inclusive uterina, porém, como os demais Direitos Fundamentais, de maneira não absoluta, pois como destacado pelo Supremo Tribunal Federal, “reputou inquestionável o caráter não absoluto do direito à vida ante o texto constitucional, cujo art. 5º, XLVII, admitiria a pena de morte no caso de guerra declarada na forma do seu artigo 84, XIX. No mesmo sentido, citou previsão de aborto ético ou humanitário como causa excludente de ilicitude ou antijuridicidade no Código Penal, situação em que o legislador teria priorizado os direitos da mulher em detrimento dos do feto. Recordou que a proteção ao direito à vida comportaria diferentes gradações, consoante o que estabelecido na ADI 3510/DF”.
Excepcionalidade na utilização dos dados obtidos mediante interceptação telefônica fora das hipóteses restritas de sua decretação: limitação subjetiva (descoberta de novos partícipes), limitações objetivas (“crime- achado” e investigações diversas) e prova emprestada
Não raras vezes, são decretadas interceptações telefônicas pela autoridade judicial competente para a investigação de fato certo, tipificado pela lei penal como crime apena- do com reclusão, e, no curso de sua efetivação, outras infrações penais são descobertas (“crime-achado”), inclusive em relação a outros autores e partícipes, ou mesmo, acabam sendo produzidas provas em relação a outras investigações já em andamento.
A interpretação das limitações subjetivas e objetivas na obtenção de provas mediante a autorização judicial para interceptações telefônicas deve visar garantir a efetividade da proteção aos direitos fundamentais consagrados no texto constitucional, em especial à intimidade, vida privada, sigilo das comunicações telefônicas; além da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos.
Enquanto, entendo inexistir obstáculos à possibilidade de utilização das provas obtidas em relação às pessoas diversas dos investigados, porém que participaram da ação criminosa, mesmo que, em face dessa participação haja deslocamento de competência (como, por exemplo, na hipótese da descoberta de participação criminosa de detentor de foro especial em razão da função).
Em relação ao denominado “crime-achado”, ou seja, àquela infração penal desconhecida e, portanto, até aquele momento não investigada, entendo que deva existir maiores cuidados na aceitação da prova obtida, sob pena de excessiva relativização do inciso XII do artigo 5º da Constituição.