Luiz Orlando Carneiro

Já considerado pecado-crime e ”cousa indigna de se exprimir com palavras”, conforme lembrou Celso de Mello no julgamento desta quarta-feira, o sexo homossexual será retirado do artigo contra “Pederastia ou outro ato de libidinagem” do Código Penal Militar. Por maioria o Supremo Tribunal Federal decidiu que continuará crime praticar sexo de qualquer tipo em instalações militares, mas determinou que sejam excluídas as referências que destacam a homossexualidade.
O artigo 235 do Código Penal Militar - um decreto-lei de 1969 - tipificou como crime o seguinte: “Praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar”. A pena cominada é de detenção de seis meses a um ano.
Mas com decisão tomada na sessão plenária desta quarta-feira, por 8 votos a 2, a palavra “pederastia” foi retirada do título, assim como a expressão “homossexual ou não”. As referências expressas à homossexualidade e à pederastia foram consideradas, por todos os ministros, inconstitucionais, em face dos preceitos fundamentais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e do seu direito a opção sexual que lhe convier.
Assim, o STF decidiu – no julgamento de ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 291) proposta pela Procuradoria-Geral da República, em setembro de 2013 – que o crime militar, para o qual se prevê pena de detenção de seis meses a um ano, só será configurado quando o ato libidinoso consentido for praticado durante uma atividade militar específica. Evidentemente, como esclareceu o ministro Ricardo Lewandowski, os locais sujeitos à administração militar não incluem as residências em que vivem situadas em bases das Forças Armadas.
Ficaram vencidos, parcialmente, os ministros Rosa Weber e Celso de Mello. Eles acompanharam a primeira opção do voto do relator, Roberto Barroso, para quem o artigo 235 do Código Penal Militar deveria ser simplesmente extirpado.
Segundo Barroso, no início do seu voto, as sanções referentes a práticas libidinosas em lugares sujeitos à administração militar já existem nos estatutos militares e, simplesmente, não deveriam ser “criminalizadas”.
Contudo, o relator acabou por reajustar o seu voto, para aderir à divergência aberta pelos ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, na linha de que – em se tratando de normas militares, e se levando em conta os princípios disciplinares e hierárquicos das carreiras militares – bastaria que o STF retirasse do texto do artigo 235 da lei militar os termos que deveriam mesmo ser tidos como discriminatórios. Até porque o decreto-lei data de 1969 - dos tempos da Junta Militar que governava o país, em plena ditadura – quando era comum e disseminado o preconceito contra os homossexuais, e quando não havia ainda mulheres nas Forças Armadas. 
A ADPF foi ajuizada, em 2013, pela procuradora-geral da República interina Helenita Acióli, segundo a qual o artigo 235 do Código Penal Militar não teria sido recepcionado pela Constituição Federal, em face dos princípios da liberdade, da dignidade da pessoa humana, da pluralidade e do direito à privacidade, e que não haveria razão para a criminalização de atos sexuais consensuais que ocorram quando os militares não estejam em serviço.
No entanto, o parecer final do Ministério Público, de autoria do atual procurador-geral Rodrigo Janot, apensado aos autos um ano depois, foi pela improcedência da ADPF. Ele destacou a “referência desnecessária do preceito a pederastia e a ato libidinoso homossexual”, entendendo que o fato “não afeta o conteúdo jurídico da norma, a qual pune tais atos independentemente de orientação sexual”.
No início do seu extenso voto, pela procedência da ADPF, e pela total descriminalização do previsto no artigo 235, o ministro Barroso deu razão à petição inicial do MPF, afirmando que o julgamento era “um capítulo importante na luta ancestral contra o preconceito em matéria de opção sexual”. Segundo ele, o STF deveria levar em conta o fato de que estava em questão o princípio da “razoabilidade”, ou seja, a discussão da “natureza e do grau” da sanção prevista do código militar. Ele frisou que atos libidinosos em locais impróprios já tinham sanções graves constantes do Estatuto dos Militares e do Regulamento Disciplinar do Exército, que preveem sanções como advertência, repreensão, detenção e prisão disciplinar. Não havendo, assim, necessidade de serem tais atos “criminalizados”, sobretudo quando se trata de opção sexual. A seu ver, o dispositivo questionado tinha caráter “discriminatório” e “homofóbico”.
A ministra Rosa Weber e o decano Celso de Mello acompanharam, no todo, a posição de Barroso que, no entanto, deixou em aberto a possibilidade de aceitar o entendimento da maioria, caso houvesse uma clara opção pelo entendimento de que o artigo 235 poderia ser “recepcionado” pela Constituição vigente, desde que extirpados os termos “pederastia” e “homossexual”.
Como a maioria dos ministros – Marco Aurélio, Fachin, Teori Zavascki, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski – votou no sentido deste último entendimento, Barroso preferiu “reajustar” o voto, não se considerando vencido.
O ajuste do voto de Barroso à posição da maioria permite que ele continue sendo o autor do acórdão sobre a decisão dos ministros. Se ficasse vencido, o redator seria o autor da divergência vencedora, ministro Fachin. A iniciativa de Barroso de passar de relator vencido a vencedor foi alvo de discordância do ministro Marco Aurélio Mello, que pediu ao colega que não colocasse em seu relatório a parte do voto em que estava vencido.
Com a mudança de Barroso, Celso e Rosa acabaram como os únicos vencidos. O decano fez um longo voto lembrando as restrições à homossexualidade desde os tempos coloniais, quando havia condenação até mesmo à morte e uma forte ligação das práticas homossexuais ao pecado.

Bandeira arco-iris LGBT militar

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STF veta termos "homossexual" e "pederastia" no Código Penal Militar

Sexo em quartel permanece como crime