Márcio Falcão

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal garantiu nesta quinta-feira (16/3) acesso a gravações das sessões de julgamento de presos políticos realizados pelo Superior Tribunal Militar na década de 70, durante a ditadura militar.
Para os ministros do STF, a Constituição privilegia o acesso à informação e ainda garante que dados de processos judiciais são a princípio públicos.
Os ministros discutiram a reclamação 11949 apresentada por um advogado questionando que decisão anterior do STF, de 2006, liberando acesso ao material não teria sido cumprida pelo STM. Ele sustenta que a análise seria para pesquisa histórica.
O advogado argumentou que os julgamentos eram divididos em sessões públicas - onde ocorriam os relatórios e as sustentações orais dos advogados - e secretas, em que se colhiam os votos, requerendo a liberação de todas as gravações pela Corte militar. O STM teria liberado os áudios apenas das partes públicas dos julgamentos daquela época.
Relatora do caso, a presidente do STF, Cármen Lúcia, defendeu que não há justificativas legais para impedir o acesso ao material. A ministra criticou o argumento do STM de que o material seria apenas para controle interno da corte ou para manuseio dos ministros e afirmou que todo povo tem direito de conhecer a verdade de sua historia”.
“É preciso não perder de perspectiva que a Constituição não privilegia o sigilo, nem permite que esse se transforme em práxis governamental, sob pena de grave ofensa ao princípio democrático, pois, como adverte Norberto Bobbio, em lição magistral sobre o tema, não há nos modelos políticos que consagram a Democracia espaço possível reservado ao mistério”, disse Cármen.
“O novo estatuto político brasileiro que rejeita o poder que oculta e que não tolera o poder que se oculta consagrou a publicidade dos atos das atividades estatais como expressivo valor constitucional, incluindo a magnitude deste postulado no rol dos direitos, das garantias, e das liberdades fundamentais, como decidiu no plenário do STF, relatoria de Celso de Mello”, lembrou a ministra.
Segundo a presidente do STF, apenas justificativa baseada no princípio estrutural do sistema político brasileiro como a proteção ao direito público ou a defesa da intimidade legitimaria a sua restrição.
Os oito ministros presentes em plenário acompanharam o voto da ministra. O ministro Ricardo Lewandowksi afirmou que o direito de informação ou de acesso à informação é assegurado pela Constituição e que uma decisão discricionária de um magistrado não pode enfrentar dispositivo da Carta Magna. “Não há nenhum tipo de embaraço ao acesso a informação”, disse o ministro.
Decano do tribunal, Celso de Mello criticou a resistência do STM em dar publicidade aos julgamentos da ditadura. "Não se pode impor óbice a busca da verdade da memória período em que nosso país foi dominado pelo regime militar". disse.
"Não custa rememorar que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério, eis que a legitimidade político-jurídica da ordem democrática, impregnada de necessário substrato ético, somente é compatível com um regime do poder visível, definido, na lição de Bobbio, como ‘um modelo ideal do governo público em público’”, completou.
O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que "já vai longe o tempo em que civis eram julgados por crimes perante a Justiça Militar em sessões secretas". "Passados 30 anos da redemocratização, negar acesso a sessões não faz o menor sentido. A publicidade dos atos processuais prevista na Constituição o acesso dos interessados a sessões de julgamento do STM na época da ditadura, independentemente da sua classificação pretérita", disse.
Para Rosa Weber, "só pode ser construído um futuro melhor se nós conhecermos e revisitarmos o passado".
Luiz Fux disse que "o cidadão informado está em condições de formar um juízo próprio. A liberdade de falar e de escrever guarda nossas outras liberdades".

bancoImagemFotoAudiencia_AP_338446

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Decisão envolve gravações de sessões do STM na década de 70. STF diz que regra é publicidade

STF libera dados de julgamentos de presos políticos

Decisão envolve gravações de sessões do STM na década de 70. STF diz que regra é publicidade