Luiz Orlando Carneiro

Márcio Falcão

Os acordos de delação premiada poderão ser revisados pelo plenário ou turma caso fique provado que o delator não cumpriu suas obrigações acertadas com o Ministério Público Federal. Se novos fatos indicarem ilegalidades na negociação a colaboração poderá ainda ser anulada. Esses entendimentos foram definidos pelo Supremo Tribunal Federal após quatro longas sessões.
Os ministros fixaram ainda outras duas questões: 1) Cabe ao ministro-relator homologar as colaborações em decisão monocrática. Nesse momento, o ministro vai analisar questões formais como voluntariedade, regularidade e legalidade. 2) O ministro Edson Fachin é o relator da delação e dos casos da JBS.
O plenário do STF discutiu duas questões de ordem apresentadas por Fachin após críticas públicas de colegas sobre a homologação da colaboração da JBS, que permitiu a investigação do presidente Michel Temer por crimes como corrupção e obstrução à Justiça.  Sob pressão, Fachin buscava o aval dos colegas.
O primeiro debate proposto pelo ministro era sobre a prevenção, ou seja, preferência para relatar o caso. Por unanimidade, foi assentado que Fachin era mesmo o relator do caso, uma vez que a colaboração tinha conexão com outros processos de seu gabinete, como os que apuram irregularidades no FI-FGTS. Com isso, os ministros confirmaram a validade da delação da JBS.
Outro ponto lançado por Fachin envolvia o papel do relator nas colaborações. Por 9 votos a 2, os ministros entenderam que cabe ao ministro relator, de forma monocrática, verificar se o acordo fechado entre delator e o MP é legal, voluntário e regular.
Essas questões estão previstas na Lei 12.850, de 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal. "Art. 4o  O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
Parágrafo 11º.  A sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia"
A questão central que trouxe preocupações para Fachin e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, era o alcance do juiz natural (plenário ou turma) para avaliar os acordos de colaboração no momento da sentença.
O entendimento fixado foi: "Acordo homologado como regular, voluntário e legal, deverá em regra produzir seus efeitos em face ao cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração, possibilitando ao órgão colegiado a análise do parágrafo 4º do artigo 966 do novo Código de Processo Civil."
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O tema provocou votos com nuances diferentes até uma saída que foi apontada como consenso. Por 8 votos a 3, os ministros entenderam que os benefícios podem ser revistos ao fim do processo originado da delação em caso de não cumprimento dos deveres ou da descoberta de vícios.
Inicialmente, o ministro Edson Fachin, seguindo sugestão de Celso de Mello, propôs que houvesse a vinculação do acordo após a homologação. A ideia era evitar que os termos do acordo fossem revisados a qualquer momento ou na sentença, o que enfraqueceria o instituto da delação. A tese chegou a ganhar aval de Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Por esse entendimento, os benefícios poderiam ser revisados se algum fato novo indicasse ilegalidade.
Em outra frente, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio já defenderam que não há vinculação à homologação e que é possível rever independente do descumprimento.
A proposta de Fachin gerou polêmica e foi alvo de ataques de Gilmar e Marco Aurélio. Alexandre de Moraes, que vinha ensaiando ajuste em seu voto, também criticou a chamada vinculação. "O controle dessa legalidade, regularidade e voluntariedade deve ser feito pelo relator na homologação. Ele vai homologar, mas isso não impede que, no momento do julgamento, o colegiado, seja turma, seja o plenário, analise os fatos supervenientes ou os fatos de conhecimento posterior", disse.
A sugestão de Moraes tem como base o artigo do Código de Processo Civil que permite rescindir decisões quando verificadas algumas hipóteses de ilegalidades e acabou surtindo efeito. Fachin, diante do risco de perder seu primeiro grande teste no plenário do STF, acolheu a ideia de retirar a vinculação. Depois, seguiram o mesmo entendimento os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Celso de Mello e Cármen Lúcia.  Gilmar e Marco Aurélio insistiram que cabe ao plenário dar validade às colaborações.
Decano do STF, Celso de Mello se destacou no julgamento numa articulação com Fachin. O ministro saiu em defesa do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e da atuação do MP.
"Para que o agente colaborador tenha acesso aos benefícios é preciso algo mais do que homologação. O acordo de delação premiada não tem vida própria. Ele depende para ser efetivo de homologação. Mas não pode o STF impor ao MP formular denúncia, em troca da delação", disse o ministro defendendo que, uma vez homologado o acordo pelo relator impõe-se ao Judiciário observar o conteúdo do ajuste .
Para o decano, "o Estado não pode deixar de cumprir o acordo de delação cujas cláusulas tenham sido cumpridas pelo delator."
Presidente do STF, Cármen Lúcia, fez uma defesa do instituto da delação premiada. "Este instituto tem de ser fortalecido, e estamos ainda numa fase de construção. Não foi posta em questão a delação premiada, mas formas de aplicação. No STF já foram homologadas mais de 150 delações nos últimos três anos. Não se trata de manter ou não a delação. Mas que o estado de direito se realize segundo o direito no combate ao crime."
A ministra afirmou ainda que o julgamento não terá efeito para delatores da JBS Joesley e Wesley Batista que acordaram imunidade penal com o MP e não serão denunciados. "Não haja dúvida de que o debate e a decisão não dizem respeito à delação de Weesley Batista em si. O MP acordou que não denunciaria, e o STF não pode mudar a decisão do MP de não abrir ação penal, em troca da delação."
Cármen Lúcia ainda aproveitou para defender a homologação que fez das 77 colaborações da Odebrecht, em janeiro, após a morte do ministro Teori Zavascki, antigo relator do caso no STF.
“Eu analisei a legalidade com a equipe do ministro Teori e da presidência, no período de 40 dias. A morte dele não fez com eu parasse. Foi tudo feito nos termos da legislação, com regularidade. Foi para honrar a função do meu cargo, nos termos rigorosamente da lei e em consonância”, afirmou.

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JOTA

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