Luiz Orlando Carneiro

Neste ano  que chega ao fim, e no qual muito se discute a atuação do Supremo Tribunal Federal no desenrolar da grave crise político-institucional ainda em curso, a polêmica chegou ao ápice com o recente julgamento da liminar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 402. Neste caso,  o tribunal negou, por 6 votos a 3, referendo à decisão do ministro-relator Marco Aurélio que determinara o afastamento imediato dos substitutos eventuais do presidente da República que passassem à condição de réus. No caso, o atual presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Foi também o ano no qual alguns ministros (entre eles o próprio Marco Aurélio) insurgiram-se, em decisões monocráticas, contra a crescente “banalização” das ADPFs – feitos que têm a mesma hierarquia das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e declaratórias de constitucionalidade (ADCs)- é o que revela levantamento feito pelo JOTA.
Em 2014, foram ajuizadas, no STF, apenas 14 ADPFs. O número subiu para 49 em 2015. Entre 15 de janeiro deste ano e o dia 20 de dezembro último deram entrada na Corte 58 ações constitucionais desse tipo, das quais 17 foram arquivadas ou rejeitadas como incabíveis por seus relatores. Ou seja, um índice de rejeição de quase 30%.
A reação dos ministros do STF ao uso indiscriminado de ADPFs com objetivos políticos, neste tumultuado ano de 2016, começou em março com ações (390 e 391) do PSB e pelo PSDB que contestavam a nomeação “preventiva” do ex-presidente Lula para a chefia da Casa Civil do Governo Dilma Rousseff .
Ao negar seguimento àquelas ações, em abril, o ministro-relator Teori Zavascki destacou o dispositivo da Lei 9.882/99 segundo o qual “não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”. Ele enumerou, então, “outras vias processuais possíveis para questionar o ato atacado, como a ação popular, a ação civil pública proposta via Ministério Público ou outros legitimados previstos em lei, ou mesmo o mandado de segurança coletivo”.
Ainda em abril, ao arquivar a ADPF 397 – apresentada pelo PDT contra o recebimento pelo presidente da Câmara dos Deputados da denúncia contra Dilma Rousseff por crime de responsabilidade – o ministro Marco Aurélio também tratou do uso indevido desse tipo de ação: “Considero a arguição de descumprimento de preceito fundamental instrumento nobre de controle de constitucionalidade objetivo, destinado à preservação de preceito nuclear da Carta Federal. Descabe utilizá-la para dirimir controvérsia atinente a sujeito determinado. Se isso fosse possível, surgiria situação incompatível com o texto constitucional, transmudando a natureza da ação, de objetiva para subjetiva”.
Mas o crescente apelo indevido às ADPFs não parte somente dos partidos políticos. Os demais legitimados para a propositura dessas ações - destinadas a “evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultantes de ato do Poder Público” - são os mesmos que podem ajuizar ações de inconstitucionalidade. E esse rol, constante do artigo 103 da Constituição Federal, inclui também confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional que constantemente procuram “constitucionalizar” os seus pleitos.
Uma das mais recentes ações desse tipo rejeitadas como incabíveis – e que bem exemplificam o uso indevido do instituto – foi a ADPF 430, na qual a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos) contestou a constitucionalidade da lei municipal de Belo Horizonte que instituiu o “vagão feminino” nas composições da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).
Em despacho do último dia 14/12, o ministro-relator Dias Toffoli afirmou: “No caso em apreço, não foi atendido o requisito de subsidiariedade, visto que existem outros meios processuais aptos a sanar a controvérsia posta nos autos pela ANPTrilhos, com a abrangência e prontidão exigidas pela jurisprudência desta Corte. Dentre eles, destaca-se o cabimento de ação direta de inconstitucionalidade estadual, o qual afasta a admissibilidade de arguição de preceito fundamental perante este Supremo Tribunal Federal”.
Nesta decisão individual, Dias Toffoli deu destaque ao seguinte comentário do agora ministro Luís Roberto Barroso, colhido em obra doutrinária do jurista de 2009 (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, Ed, Saraiva):
“O sistema brasileiro de controle concentrado de constitucionalidade não se destina a absorver toda e qualquer discussão subjetiva envolvendo questões constitucionais. Por tal razão, os jurisdicionados não detêm a expectativa legítima de verem todas as suas disputas apreciadas pelo STF em sede de uma ação abstrata. Para conhecer as lides e dar-lhes solução, existe um complexo sistema orgânico e processual que, eventualmente, poderá até mesmo chegar ao STF – pelas vias recursais próprias de natureza subjetiva.
Nesse contexto, portanto, a ADPF não é uma ação abstrata subsidiária, no sentido de que seria cabível sempre que a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ou a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) não o fossem. Como explicado acima, a subsidiariedade significa apenas que não caberá ADPF se outro meio idôneo capaz de sanar a lesividade estiver disponível, não podendo ser extraída da regra da subsidiariedade a conclusão de que seria possível o ajuizamento de APDF sempre que não coubesse ADI e ADC”.
Por sua vez, ao negar seguimento à ADPF 393, ajuizada pela União Geral dos Trabalhadores do Estado do Rio de Janeiro contra duas leis complementares municipais cariocas referentes à Guarda Municipal, o ministro-relator Gilmar Mendes assim concluiu o seu despacho:
“Nesses termos, nego seguimento à presente arguição de descumprimento de preceito fundamental, por entender que a arguente é parte ilegítima para ajuizar ação que tenha por objeto o controle abstrato de constitucionalidade, bem como por não vislumbrar controvérsia constitucional relevante que tenha por objeto lesão a preceito fundamental, nos termos do art. 4º da Lei 9.882/99 e do art. 21, parágrafo 1º, do RI/STF. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos”.
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Supremo Tribunal Federal

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JOTA

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