Felipe Recondo

Advogado do PC do B que assina o processo contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, Cláudio Pereira de Souza Neto elenca as razões técnicas e jurídicas para o partido pedir a interferência do Supremo Tribunal Federal (STF).
O PC do B é autor da Arguição de Descumprimento de Preceito de Fundamental 378, cujo julgamento pode levar a Corte a estabelecer um roteiro para o processo de impeachment.
"Havia (...) desde o começo, um ambiente de grave incerteza quanto às regras incidentes sobre o processo de impeachment. A incerteza daí decorrente agravava ainda mais o contexto atual de instabilidade política. Era fundamental que o STF definisse o procedimento aplicável", afirma o advogado na entrevista abaixo.
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1 – O PC do B argumenta, de início, que a falta de regras claras pode comprometer a legitimidade do processo de impeachment. Por quê?
Qualquer decisão só é legítima quando tomada de acordo com regras procedimentais previamente estabelecidas.  O processo de impeachment, como qualquer processo, deve se desenvolver de acordo com um procedimento previamente definido. É como uma disputa esportiva: como competir se não temos regras e árbitros imparciais? Trata-se da conhecida "legitimação pelo procedimento". Fora das regras constitucionais, nada de bom e construtivo pode resultar de um processo de impeachment. Sem respeito ao procedimento fixado na Constituição Federal, não há impeachment válido, mas golpe de Estado.
2 – Os senhores defendem também a tese de que Eduardo Cunha estaria comprometido e não poderia comandar o processo. Mesmo que o presidente da Câmara esteja interessado politicamente no resultado do processo, é ele que preside a Câmara. Tentar afastá-lo por essa via não seria levar o impeachment para o tapetão? 
É fundamental que o árbitro do processo seja imparcial. É imperioso que não incidam sobre sua atuação as regras de impedimento e suspeição em vigor no ordenamento jurídico. Se o Judiciário entender que a condução do processo de impeachment não tem se realizado de modo impessoal, deverá afastar a autoridade que o conduz. Isso não é tapetão. Pelo contrário, é garantia do devido processo legal.
3 – Por que pedir ao STF que preencha lacunas da lei 1.079/50? Por que não deixar essa tarefa a cargo da Câmara e do Senado? 
O Supremo Tribunal Federal é intérprete da Constituição Federal, e os elementos centrais do processo de impeachment têm sede constitucional. O Supremo exerce hoje no Brasil uma importante função moderadora: ao aplicar a Constituição,  coíbe a atuação eventualmente arbitrária das autoridades públicas. Se o procedimento já não está sendo respeitado na Câmara, é natural que a Corte fosse chamada a resgatá-lo para o caminho da legalidade constitucional. Oberve-se que não se trata de "matéria interna corporis" às casas parlamentares. Pelo contrário, como escreveu,  há pouco tempo, o ministro Carlos Ayres, é dificil conceber matéria mais "externa corporis" que essa. O impeachment consubstancia, de longe, a interferência mais grave do legislativo sobre o Executivo. Se a Constituição dispõe sobre a matéria, é necessário que o STF artitre as divergências interpretativas a seu respeito.
Um aspecto importante a se perceber é que a lei 1.079 entrou em vigor em 1950.  Há mais de 65 anos. Era inevitável que a lei tivesse perdido, em alguma medida, sua compatibilidade com a atual Constituição. O que se requer ao STF é que realize a "filtragem constitucional" da lei, com o que poderá legitimamente disciplinar o julgamento de presidentes da República pela prática de crimes de responsabilidade.
4 – No processo contra o presidente Fernando Collor, o então presidente da Câmara estabeleceu procedimentos e a defesa então acionou o STF. Por que antecipar a intervenção do Supremo?
Porque a condução do processo pelo presidente da Câmara, desde o seu início,  tem violado a Constituição Federal. A começar pela aplicação de normas regimentais, quando a constituição estabelece expressamente que a hipótese eh de reserva de lei. É a lei que deve fixar as regras para o processamento do impeachment, não o regimento, e muito menos respostas do presidente a questões de ordem.
Havia, portanto, desde o começo, um ambiente de grave incerteza quanto às regras incidentes sobre o processo de impeachment. A incerteza daí decorrente agravava ainda mais o contexto atual de instabilidade política. Era fundamental que o STF definisse o procedimento aplicável.
5 – O regramento do processo do impeachment do presidente Collor, feito pelo Supremo, não é suficiente para regulamentar o impedimento da presidente Dilma Rousseff?
O procedimento elaborado anteriormente possui muitas virtudes e, na sua quase totalidade, converge com o procedimento que propusemos na inicial. Um dos principais pontos de convergência é esclarecer que o eventual afastamento da presidente so ocorreria após decisão preliminar do Senado Federal. Em alguma medida, o procedimento criado no caso Collor é ate mais garantista que o proposto na inicial. Há, por exemplo, a previsão de tres decisões do plenário do Senado. O procedimento proposto na inicial da ADPF só prevê duas fases. Por outro lado, sustentamos a necessidade de observancia da maioria qualificada de 2/3 em todas as duas decisoes do plenário. Na decisão que admite o processo, o plenário do Senado se manifesta sobre a tipicidade abstrata da conduta imputada a presidente, verificando se, em tese, a conduta viola a ordem jurídica,  além de determinar o seu afastamento do cargo. Tal decisão só pode ser tomada por 2/3 dos membros do Senado Federal.
6 – Alguns ministros argumentam que não cabe ao STF exercer essa função de legislador positivo. Ainda mais num caso como este. Por que os senhores defendem a intervenção Supremo nestes moldes?
O STF não atuará como legislador positivo. O máximo que fará é aplicar analogicamente alguns preceitos legais quando houver lacuna. Não há qualquer novidade nisso. Mesmo a antiga Lei de Introdução ao Código Civil já previa que, no caso de lacuna, o magistrado resolveria a controvérsia por meio da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito. Se, por exemplo, não há na lei a previsão de defesa prévia à decisão do presidente da Câmara,  há a possibilidade de aplicação analógica do Código de Processo Penal ou da Lei de improbidade.  Em ambas, há a previsão de defesa prévia.  O que ocorre é mera aplicação analógica,  não qualquer edição de sentença aditiva ou atuação da Corte como legislador positivo.
7 – Quais as principais diferenças os senhores vêem entre o processo de impeachment do presidente Collor e da presidente Dilma?
As diferenças são muitas. No caso do presidente Collor, o processo foi precedido de CPMI instalada no Congresso Nacional. As atenções da nação se voltaram para as provas ali produzidas. Agora, não houve qualquer apuração prévia por parte do legislativo. No caso anterior, havia amplo consenso na sociedade civil e no meio político e produtivo. As entidades de representação da sociedade civil se manifestaram em uníssono a favor do impeachment. A UNE, que antes liderou as manifestações dos caras-pintadas, hoje defende a legalidade democrática,  manifestando-se contra o impeachment. Antes havia consenso entre partidos das mais variadas colorações ideológicas, entre empresários e trabalhadores, entre brasileiros do campo e brasileiros da cidade. O que hoje se verifica eh a divergência entre nossos concidadãos, que cada vez mais se afastam e se estranham. Nada eh igual. Tudo eh diferente. Impossível não lembrar de um antigo filósofo alemão, para o qual a história só se repete como farsa.

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JOTA

Para o partido, deputado Eduardo Cunha viola a Constituição ao definir rito próprio para o processo.

Se impeachment não é impessoal, STF deve afastar quem o conduz, diz advogado do PC do B

Para o partido, deputado Eduardo Cunha viola a Constituição ao definir rito próprio para o processo.