Felipe Recondo

Diego Werneck Arguelhes

A presidente Dilma Rousseff terminará seu segundo mandato com o maior número de indicações para o Supremo Tribunal Federal desde a redemocratização. Serão dez indicações em oito anos de governo. Ao final de 2018, apenas um integrante da Corte – o ministro Gilmar Mendes – terá chegado ao tribunal por indicação de outra legenda (PSDB).
Para esta próxima indicação, uma inovação legislativa (a Resolução 41/2013 do Senado) tornará o processo mais transparente e chamará a sociedade a conhecer e discutir o perfil do escolhido pela presidente para ocupar a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa. A resolução estipula um prazo mínimo para a aprovação do nome e prevê a publicação do currículo completo do candidato para que a sociedade encaminhe informações adicionais ao Senado ou encaminhe perguntas a serem feitas durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). <iframe style="border: none;" src="//e.infogr.am/o-que-diz-a-resolucao-41-de-2013-do-senado" width="550" height="1713" frameborder="0" scrolling="no"></iframe>As dez escolhas de Dilma Rousseff superarão em duas as indicações feitas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e em sete as nomeações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também em oito anos de mandato. Na história da República, apenas três presidentes fizeram mais indicações que Dilma Rousseff: Getúlio Vargas (25), Deodoro da Fonseca (15), Floriano Peixoto (15).
+ JOTA: Um novo processo de indicação de ministros do STF
Uma combinação de dois fatores principais garantiu à presidente este número elevado de nomeações. A sorte de estar no cargo nas datas de aposentadoria de cinco integrantes da Corte, sendo dois dos mais longevos – Celso de Mello e Marco Aurélio Mello – e a nomeação por ela de dois ministros já com idade avançada – Teori Zavascki e Rosa Weber, que se aposentam aos 70 anos em 2018. <iframe style="border: none;" src="//e.infogr.am/presidentes-e-ministros" width="550" height="705" frameborder="0" scrolling="no"></iframe>
A escolha de 10 dos 11 ministros da Suprema Corte por um partido político específico poderia definir o perfil ideológico do tribunal. De fato, esse tem sido o cenário nos EUA, de cuja constituição o Brasil importou seu sistema de indicações para a Suprema Corte. As vagas para a Suprema Corte e o judiciário federal em geral são feitas por indicação do Presidente e aprovação do Senado. Nos mais de 200 anos em que esse sistema vem sendo implementando, observa-se uma tendência geral a um alinhamento de visões de mundo entre o Ministro indicado e quem o Presidente que o indicou. Sobretudo nas últimas décadas, e usando categorias que fazem sentido nos EUA, isso significa que presidentes mais liberais tendem a indicar Ministros com crenças mais progressistas em questões morais e mais simpáticos à regulação estatal, enquanto Presidentes mais à direita tendem a indicar Ministros do outro lado do espectro nessas questões. Quando o Senado é controlado por uma maioria, ainda que tênue, do partido da oposição, o Presidente fica mais limitado nessa escolha. Quando, porém, o mesmo partido controla a Presidência e o Senado, a tendência ao alinhamento ideológico entre Ministros da Suprema Corte, Partido e Presidente se intensifica.
No entanto, não basta transpor o sistema de indicação dos EUA para que se produzam automaticamente os mesmos efeitos no caso do Brasil. Esse sistema transplantado interage tanto com especificidades do nosso sistema partidário, quanto com as formas pelas quais valores políticos e morais se organizam na sociedade. Nos EUA, os rótulos de “liberal” e “conservador” fazem sentido para explicar comportamento judicial porque, antes de mais nada, eles fazem sentido para explicar o comportamento político na sociedade em geral. Por exemplo, há uma tendência geral nos EUA:  quem for contra políticas de ação afirmativa tende a ser contra o reconhecimento de um direito das mulheres a praticarem aborto – e tende a defender o poder punitivo do Estado no processo penal e o direito individual a carregar armas. Nesse caso, teremos um típico “conservador”. De outro lado, encontramos no liberal típico posições opostas sobre esse mesmo conjunto de temas. Mais ainda, o sistema bipartidário dos EUA costuma explorar essas mesmas dicotomias para fins de competição eleitoral, o que tornaria ainda mais conveniente o uso dos rótulos “liberal” e “conservador” para explicar comportamentos.
No Brasil, embora sem dúvida seja possível identificar posições mais conservadoras ou mais progressistas sobre cada controvérsia política ou moral, elas não costumam expressar um alinhamento “em bloco”. Ao contrário, é bastante comum encontrar atores políticos – e cidadãos em geral – que, nos termos dos EUA, seriam “progressistas” quanto ao tema A (p.ex, ações afirmativas), mas “conservadores” quanto ao tema B (p.ex., poderes de investigação das autoridades policiais).
Além disso, no sistema politico brasileiro, como se sabe, o presidente precisa montar uma ampla coalizão para governar. Se, nos EUA, no difícil cenário de um governo dividido, o presidente deve levar em conta as preferências do partido da oposição na hora de fazer suas indicações, no caso do Brasil o cálculo é muito mais complexo. As coalizões são formadas por partidos e atores com compromissos e ideologias bastante díspares, tornando ainda maior o desafio de indicar alguém que atenda plenamente ao que exigem todos os envolvidos.
Não é surpresa, portanto, que, no caso do Brasil, a análise dos nomes indicados nos últimos 12 anos pelo PT evidencie um perfil heterogêneo do ponto de vista ideológico. São ministros com currículos distintos, personalidades próprias, temperamentos diferentes e opiniões nem sempre coincidentes. O mesmo presidente (Lula) que indicou o ministro Cezar Peluso foi aquele que indicou o ministro Joaquim Barbosa. A mesma presidente (Dilma Rousseff) que escolheu o advogado Luís Roberto Barroso foi aquela que nomeou a juíza Rosa Weber.
E mais: muitas vezes a indicação é feita considerando finalidades políticas externas ao funcionamento do STF. Por exemplo, Fernando Henrique Cardoso procurou indicar a primeira mulher para o tribunal, a ministra Ellen Gracie, como sinalização para a sociedade civil da sua posição sobre essa questão de gênero.  O mesmo tipo de preocupação pode estar em jogo quando vários presidentes indicam ministros pensando em fortalecer o apoio ou sinalizar compromisso com certos setores da profissão jurídica, como magistrados ou lideranças da OAB. Nesses casos, é menos importante saber como o indicado pensa do que quem o apoia ou o que ele representa.
Mas dizer que há outros fins políticos em jogo não é dizer que a posição ideológica e a visão constitucional dos indicados não sejam importantes. Elas são. No caso das indicações de Dilma, já se pode antecipar uma série de questões jurídicas importantes para o governo e que podem ser decisivas na definição dos próximos indicados. Em especial, um ponto em comum será o pagamento aos poupadores das perdas que alegam ter sofrido em razão da aplicação de novos índices de correção das cadernetas de poupança definidos nos planos econômicos das décadas de 80 e 90.
Este é o assunto mais delicado para o governo em tramitação no Supremo e poderá ser julgado num cenário de crise econômica. Quando Barroso foi escolhido ministro do STF, a preocupação demonstrada pelo governo ao sabatiná-lo era o destino deste processo. O ministro acabou declarando-se suspeito para julgar o caso.
Como os processos relativos aos planos econômicos serão julgados por uma composição desfalcada – três ministros não participarão (Barroso, Cármen Lúcia e Luiz Fux) – cada voto será essencial para os interesses do governo. É mais um motivo para que a sociedade deixe a condição de mera espectadora para participar criticamente deste processo. <iframe style="border: none;" src="//e.infogr.am/etapas-do-processo" width="550" height="1440" frameborder="0" scrolling="no"></iframe>

Audiência Supremo

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Ela só perderá de Vargas, Deodoro e Floriano Peixoto

Por que Dilma fará nomeação recorde de ministros desde pós-guerra

Ela só perderá de Vargas, Deodoro e Floriano Peixoto