Na história do maior Tribunal de Justiça (TJ) do País, nunca uma mulher ocupou a cadeira de presidente. Atualmente, dos 27 TJs do Brasil, apenas cinco têm uma mulher em seu cargo mais elevado. No STJ, menos de 20% dos ministros são mulheres, e ao menos que haja alguma aposentadoria inesperada, nenhuma mulher deve entrar no tribunal pelo menos até 2020.
Essa pequena amostra de dados ajuda a demonstrar a “pirâmide” à qual o Judiciário brasileiro está submetido atualmente: na primeira instância é possível perceber um número quase igual de homens e mulheres, mas a proporção fica mais desigual à medida que a instância vai “subindo”. Por fim, chegamos a uma porcentagem de apenas 22% de mulheres nos tribunais superiores.
Os motivos são diversos. Dificuldade de conciliar trabalho e família, machismo e falta de abertura para participar de um ambiente político tipicamente masculino foram apontados por profissionais ouvidas pelo JOTA como causadoras da desigualdade. “[A promoção de magistrados] é um processo político, que está dentro de um marco de desigualdade entre homens e mulheres”, diz a professora Débora Diniz, da Universidade de Brasília (UnB).
Para a pesquisadora, a desigualdade faz com que homens fiquem responsáveis pelo julgamento de temas que atingem exclusivamente as mulheres, como aborto e violência doméstica.
Família X carreira
Os dados mais atualizados sobre a participação das mulheres no Judiciário são de 2013. De acordo com o Censo do Poder Judiciário, feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na ocasião, 64,1% dos magistrados brasileiros eram homens.
A pesquisa também demonstrou que a primeira instância, porta de entrada para os profissionais que embarcam na carreira de julgadores, possui uma menor disparidade entre homens e mulheres. No ano em que o levantamento foi divulgado, 36,6% dos juízes titulares eram mulheres.
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A atuação masculina aumenta nas instâncias superiores. Segundo a pesquisa, em 2013 o país contava com 21,5% de desembargadoras e 18,4% de ministras. De lá para cá a participação de mulheres aumentou nos tribunais superiores, e uma pesquisa feita pelo JOTA no Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST) e no Superior Tribunal Militar (STM) revelou um percentual de 22% de ministras.
Para a desembargadora Simone Schreiber, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), a disparidade maior nas instâncias superiores pode ser explicada em parte pela metodologia de promoção de magistrados. Isso porque, enquanto na primeira instância o ingresso é feito somente por concurso público, a partir da segunda é acrescentada a promoção por merecimento.
Atualmente, a “passagem” da primeira para a segunda instância é mista: é possível ser promovido por merecimento ou por antiguidade. Já a entrada nos tribunais superiores e no STF é realizada unicamente por merecimento. É preciso ter contatos nas Cortes, fazer passagem em gabinetes, etc.
“Menos juízas do que juízes são promovidos por merecimento”, afirma Simone, que passou ao TRF por antiguidade. “Eu acredito que as mulheres não têm muita disposição para se promoverem politicamente”, completa.
Para Débora, por ser um processo político inserido em um sistema desigual entre homens e mulheres, é difícil ao segundo grupo se promover. “Para [uma magistrada] fazer campanha ela tem que sair de sua cidade para o Distrito Federal, e seus filhos têm que ficar com alguém”, afirma.
A questão da maternidade também foi apontada pela ministra Regina Helena Costa, do STJ, como um dos motivos pelos quais mulheres formadas em direito optam por outras carreiras que não a de julgador.
Professora universitária há mais de 30 anos, Regina diz que o número de alunas vem crescendo nas faculdades de direito, mas poucas almejam a carreira de juíza. “A mulher ainda vê a magistratura como algo que talvez não lhe permita manter uma vida familiar adequada, ou que vai lhe absorver imensamente”, afirma.
Um mar de exemplos
Não faltam exemplos que demonstrem a disparidade entre homens e mulheres no Judiciário. Na primeira instância da justiça federal e estadual de São Paulo, por exemplo, a proporção de mulheres juízas é em torno de 33%. Já na segunda instância, apenas 3,7% são desembargadoras.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, Corte mais antiga do país, a presidência e o órgão especial são compostos apenas por homens, e apesar de se aproximarem as eleições presidenciais, não há chances de o tribunal ser comandado por uma mulher pelos próximos dois anos.
Na Corte a ausência de mulheres nos postos mais importantes pode ser atribuída também à estrutura do tribunal. Isso porque só os desembargadores mais antigos podem ocupar a presidência ou a Corte Especial. A primeira juíza que assumiu uma cadeira de desembargadora no TJSP foi Maria Cristina Zucchi, na década de 80. Hoje, ela está na 79ª posição na lista de antiguidade do tribunal.
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A desembargadora Lígia Araújo Bisogni, que atua na 14ª Câmara de Direito Privado da Corte paulista, afirma que há uma evolução da participação feminina em todos os segmentos, incluindo o Judiciário. “A capacitação do homem e da mulher é igual, mas é preciso cavar a oportunidade e não perder o foco”, afirma.
A vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), desembargadora Cecília Marcondes, também acredita que pouco a pouco a situação está mudando. “Os cargos de gestão impõem uma postura mais política e a facilidade da oratória. Muitas vezes, por causa disso, a mulher se retrai e não se apresenta com tanta agressividade, como o homem. Mas, devagar, ela também está tomando essa posição. Isso não é algo que vá acontecer de uma hora para outra”, diz.
O STJ também está repleto de exemplos sobre a dificuldade de acesso das mulheres. No tribunal, todas as turmas são compostas por cinco ministros, e nenhuma tem maioria feminina. A 2ª Turma – de direito público – possui maior presença de pessoas do sexo feminino, com duas mulheres. Integram o colegiado a ministra Assusete Magalhães (presidente) e a desembargadora convocada Diva Malerbi.
A última mulher a ser empossada no tribunal foi a ministra Regina Helena, em 2013, e apesar de existirem duas vagas a serem preenchidas na Corte, nenhuma pessoa do sexo feminino será chamada. Isso porque já foram formadas as listas tríplices para preenchimento dos postos, com o nome de seis desembargadores. A próxima vaga será aberta em 2020, com a aposentadoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
Sensibilidade própria
Para Débora Diniz, da mesma forma que a baixa presença de negros influencia o olhar do Judiciário sobre determinados temas, o número proporcionalmente menor de mulheres na Justiça impossibilita que elas imprimam uma “sensibilidade própria de suas existências” aos casos.
Para ela a configuração atual do Judiciário impacta nos julgamento envolvendo, por exemplo, maternidade, aborto, infância e Lei Maria da Penha.
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Frente ao cenário de desigualdade, a professora da FGV Luciana Ramos propõem algumas alterações. Ela aponta que ainda existe preconceito em concursos públicos quando há exame oral, e afirma que a ideia da avaliação cega tem um impacto “muito grande” na maior inserção das mulheres.
Ela sugere a presença de pelo menos uma mulher na banca dos concursos, “até para evitar perguntas constrangedoras”, e a obrigatoriedade de inserir pelo menos uma mulher nas listas tríplices encaminhadas ao segundo grau.

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JOTA

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