Márcio Falcão
Ex-editor do JOTA
Ministros do Supremo Tribunal Federal têm uma velha máxima: o peso da toga rompe ligação partidária e exige de quem a veste o exercício pleno da magistratura. Aprovado pelo Senado para ocupar a 11ª cadeira do tribunal e suceder a Teori Zavascki, Alexandre de Moraes tentou mostrar sintonia com a ideia.
No primeiro teste que enfrentou para chegar à mais alta Corte do país, a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado nesta terça-feira (21) (aprovado com 19 votos favoráveis e 7 contrários), ele se desdobrou para convencer senadores de que terá uma atuação com imparcialidade.
A expressão foi utilizada pelo menos 15 vezes ao longo de mais de 10h30 de perguntas – em metade frisou “absoluta imparcialidade” para reforçar a tese. Ao todo, ele foi questionado por 40 senadores. O nome do então ministro da Justiça foi aprovado pelo plenário da Casa revisora nesta quarta-feira (22), com 55 votos favoráveis e 13 contrários. Ele acertou com a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, que a posse será no dia 22 de março – prazo limite para a cerimônia.
Na tentativa de agradar seus eleitores (os senadores), Moraes abriu sua fala na CCJ com um recado direto, atacando o chamado ativismo judicial.
“A Constituição não autoriza algo aberto, uma atuação absolutamente subjetiva do Poder Judiciário em relação a todos os temas de interesse nacional – repito – em substituição às legítimas opções do Poder Legislativo. A interpretação constitucional e a moderna interpretação constitucional são possíveis, mas não uma criação de direito novo a partir do afastamento da discordância de legítimas opções feitas pelo legislador”, disse, ao que foi elogiado por senadores das mais diversas correntes ideológicas.
Ministro da Justiça e filiado ao PSDB quando foi escolhido pelo presidente Michel Temer para o STF, Moraes viu questões políticas em torno de seu nome dominarem a análise de sua indicação e negou qualquer possibilidade “favor político” por ter sido escolhido para a cadeira.
Liderada por parlamentares da oposição, a movimentação tinha como justificativa o fato de Temer e homens fortes de seu governo serem citados por delatores da Odebrecht na Lava Jato. Outro ponto é que, pelo regimento da Corte, caberá ao mais novo integrante ser revisor das eventuais ações penais da Lava Jato no plenário do Supremo, envolvendo o presidente da República e os do Senado e da Câmara.
Apesar da pressão, Moraes não revelou o que os oposicionistas gostariam de ouvir e não se distanciou da Lava Jato. Prometeu neutralidade, alegou que será da 1ª Turma do STF (que não julga a Lava Jato), mas indicou que poderá analisar possíveis casos de ex-colegas de Esplanada se necessário. Ele ainda se mostrou favorável a um tempo máximo de prisão preventiva como meio de acelerar as investigações e processos, uma “inovação que vem sendo aprovada no direito penal da Europa”.
Como já era esperado, as polêmicas acumuladas por Alexandre de Moraes, como as acusações de plágio e de ter advogado para o PCC, além da atuação de sua esposa na advocacia, sobrepuseram questões jurídicas mais importantes, como seu apoio às prisões após condenação em 2ª instância. E o indicado chegou com o discurso pronto para rebater essas questões. Com roteiro em mãos, ele deu respostas rápidas e, diante das insistências, apenas repetia as explicações.
Ele recorreu várias vezes a fala de que não poderia se manifestar sobre temas porque pode ter que enfrentá-los no Supremo, como aborto e descriminalização das drogas – apesar de falar em distinção clara entre usuário e traficante.
Na seara jurídica, Alexandre de Moraes defendeu que a presunção de inocência não impede nem as prisões preventivas nem as prisões em segundo grau.
“Em sendo condenado em segunda instância, inverte-se a presunção de inocência, mesmo cabendo recurso para tribunais superiores, mas esses não poderiam julgar o mérito, somente algum ferimento à legislação federal, no caso do STJ, ou à Constituição, no caso do STF. E, obviamente, a qualquer momento, o habeas corpus. O meu posicionamento desde 1998, que não mudaria agora, é que não há nenhuma inconstitucionalidade nas prisões em segunda instância”, disse.
Moraes também defendeu a delação premiada (“um instrumento importantíssimo que permite que nós não fiquemos só na investigação da base de eventuais cadeias criminosas, que possamos chegar ao topo”) e uma discussão mais ampla sobre o fim do foro privilegiado.
“Não tenho dúvida de que essa criação do foro privilegiado, independentemente de primeira instância ou tribunais que tenham foro, independentemente de quem possa julgar melhor ou não, essa ampliação trouxe dificuldades operacionais aos tribunais, que precisam ser sanadas”, criticou.
Ele negou o desmantelamento da Lava Jato e disse que reforçou o orçamento da PF e também a equipe de investigação. Questionado sobre o elevado número de decisões monocráticas do STF, ele evitou polemizar.
O sabatinado também afirmou que as audiências de custódia como uma evolução do Direito Processual Penal, classificando a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça como um “habeas corpus social”. Ele acrescentou, no entanto, que elas poderiam ser ainda mais proveitosas se alguns dos processos pudessem ser encerrados logo ali, especialmente quando envolvem o princípio da insignificância.
“Eu sempre digo que não há passe de mágica para solucionar as questões, mas isso, como num passe de mágica, iria solucionar o excessivo número de processos que existem no campo penal. E nós poderíamos, imediatamente, mostrar o resultado. Seria uma Justiça rápida, uma Justiça proporcional, que aplicaria uma pena restritiva ou uma sanção de prestação de serviços à comunidade, afastando a pena privativa de liberdade, que, como nós dizemos no mundo jurídico, é a ultima ratio, utilizada somente em casos realmente graves”, afirmou.
Em relação ao pacote anticorrupção, ele se colocou contra três pontos da proposta: com o teste de integridade, no qual um agente público disfarçado poderá oferecer propina para uma autoridade suspeita; se ela aceitar, poderá ser punida na esfera administrativa, penal e cível.
O sabatinado também criticou a possibilidade de restringir o acesso de presos ao habeas corpus e a flexibilização do uso de provas ilícitas em processos.
“Não preocupa o Poder Judiciário e o Ministério Público a regulamentação sobre abuso de autoridade. O que preocupa é uma regulamentação que entre exatamente no crime de posicionamento, de interpretação”, afirmou.
“Defendo que o Congresso jamais vai criminalizar a autonomia e a liberdade do Judiciário e do membro do MP”. Moraes também foi questionado se não haveria incoerência em aceitar o cargo de ministro do STF e sua tese de doutorado, na qual apresenta alterações na forma de indicação de ministros a tribunais superiores. Ele destacou que as alterações nos requisitos capacitórios, vedações e o fim da vitaliciedade são apenas propostas que devem ser vistas no conjunto.
“Não vejo nenhuma incoerência, nenhuma incompatibilidade em defender uma alteração e aceitar a indicação. Porque eu defendi, na tese, que o mandato deve ser entre 10 e 12 anos, em sendo aproveitado, eu não posso ser vitalício? São discussões acadêmicas sempre no sentido de um aprimoramento e sempre no sentido de troca de ideias”, refletiu.
O indicado derrapou em um diálogo com a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP). A peemedebista citou a pouca presença de mulheres nos tribunais superiores e questionou se ele seria a favor de uma lista tríplice na qual constasse sempre um nome feminino.
“Senadora, nunca pensei na hipótese. Precisaria pensar”, declarou. A resposta não agradou.
“Nunca se pensa em relação à mulher. Por isso a gente não vai em canto algum”.
Em relação a punição de adolescentes que cometerem atos infracionais hediondos, ele propõe que sejam punidos com internações maiores de três para dez anos.