Luciano Padua

Três anos e meio depois do início da operação Lava-Jato, 2017 entrará para a história do Direito Penal como o ano das delações do "fim do mundo". Esta era a alcunha dada informalmente entre investigadores, políticos e advogados à delação da empreiteira Odebrecht.
Em abril, vieram a público as colaborações de 77 executivos do grupo, além de seus donos Emílio e Marcelo Odebrecht. Os fatos trazidos à tona desabonavam todos os matizes partidários. Mais de 400 políticos de 26 legendas foram citados no esquema de corrupção que repassou R$ 1,6 bilhão em propinas.  
As revelações da empreiteira baiana geraram investigações de 83 políticos - entre eles, 8 ministros, 3 governadores, 24 senadores e 39 deputados federais. Entre eles, os ministros da Casa Civil Eliseu Padilha (PMDB-RS), da Secretaria-Geral da Presidência Moreira Franco (PMDB-RJ), da Ciência e Tecnologia Gilberto Kassab (PSD-SP), das Relações Exteriores Aloysio Nunes (PSDB-SP), e o ex-titular das Cidades Bruno Araújo (PSDB-PE). 
Em 2018, o instituto da colaboração premiada, que garantiu o sucesso das investigações da Lava Jato até agora, estará mais do que nunca na pauta do Judiciário. De um lado, advogados acusam que o poder discricionário do Ministério Público Federal (MPF) para celebrar acordos é demasiado alto. 
Do outro, investigadores e defensores da Lava-Jato acusam que mudanças na forma de fechar os acertos poderiam ferir de morte o combate à corrupção no Brasil. A única certeza é que a Justiça será chamada para definir quem tem razão neste impasse.
JBS
Após a delação da Odebrecht, mal a poeira baixou e, em meados de maio, outra delação parou país. Dessa vez, se tornou pública a informação de que <a href="https://www.jota.info/justica/jbs-delata-temer-apoiando-compra-de-silencio-de-cunha-17052017">os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do frigorífico JBS, haviam firmado um acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República</a>.
Além das informações, que continham dados de repasses irregulares a 1.829 políticos de 28 partidos em esferas estaduais e federais, Joesley Batista entregou aos investigadores a gravação de uma conversa nada republicana entre ele e o presidente da República Michel Temer (PMDB).  
As revelações deram subsídios para duas inéditas denúncias criminais contra um presidente. Em junho, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot enviou ao Congresso – a quem caberia aceitar a denúncia e encaminhá-la para julgamento no Supremo Tribunal Federal - <a href="http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/inq-4483-denuncia-temer-1.pdf">a primeira delas</a>.
Na peça, Janot descreve que Temer e o ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que foi flagrado recebendo uma mala de dinheiro da JBS durante as investigações, cometeram crime de corrupção ativa.
A delação de Joesley Batista e Ricardo Saud, ex-diretor da JBS, foi essencial para elaborar a denúncia, bem como suas atuações em ações controladas em conjunto com a Polícia Federal.  
A<a href="http://midia.pgr.mpf.mp.br/ascoe/inq_4327_denuncia.pdf"> segunda denúncia</a>, ajuizada em setembro, incluiu o chamado "quadrilhão do PMDB", um grupo de políticos do partido na Câmara que, segundo a PGR, cometeu crimes de corrupção contumazes e configurou uma organização criminosa. Além do presidente, foram acusados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), Rodrigo Loures, Eliseu Padilha, Moreira Franco, entre outros.  
Nesta peça, Janot utilizou fartamente os depoimentos de colaboradores da Odebrecht. São mais de 170 menções à empreiteira na denúncia. A acusação é de que os políticos envolvidos teriam recebido mais de 350 milhões de reais em propinas.  
Além desta denúncia, as informações também deram lastro para elaboração de outras três denúncias nos inquéritos do "quadrilhão da Lava-Jato" contra um grupo de senadores do PMDB, políticos do Partido dos Trabalhadores e do Partido Progressista.  
Funaro
Para que essas acusações fossem à frente, outra colaboração foi essencial. <a href="https://www.jota.info/justica/os-29-anexos-da-delacao-de-lucio-funaro-14092017">Os relatos feitos pelo doleiro e operador do PMDB Lucio Funaro</a>, ligado ao ex-deputado federal Eduardo Cunha, auxiliaram a Procuradoria a robustecer as investigações.  
Funaro relatou repasses de propinas a Cunha e ao deputado estadual Jorge Picciani (PMDB-RJ), presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.   
No estado, a força-tarefa da Lava Jato realizou 15 delações premiadas. Uma das mais importantes foi a dos irmãos Renato e Marcelo Chebar, operadores financeiros do ex-governador Sérgio Cabral.
Segundo o MPF, eles movimentaram mais de 100 milhões de dólares para Cabral e seu núcleo. Foram as informações deles que levaram à prisão do empresário Eike Batista e outras oito pessoas.
Os relatos fornecidos por eles fortaleceram as provas do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro e desencadearam a celebração de novos acordos e o andamento acelarado da operação no estado ao longo do ano.
Fora da Lava-Jato, também foram celebradas delações importantes país afora. No Mato Grosso, <a href="https://www.jota.info/justica/veja-documentos-da-delacao-de-silval-barbosa-25082017">o ex-governador Silval Barbosa fechou sua delação premiada em agosto</a>. As informações reveladas por Barbosa foram classificadas como "monstruosas" pelo ministro-relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux.
Além de narrar diversos crimes, Silval também entregou vídeos de políticos e seus emissários recolhendo propinas com seu ex-chefe de gabinete, Silvio Cezar Corrêa.   
Ponto de equilíbrio
A dimensão das delações realizadas no ano passado levou o MPF a conceder benefícios inovadores aos colaboradores. No caso da Odebrecht, os procuradores da República estabeleceram a fixação imediata de uma pena específica como resultado da colaboração - e previram que ela seria cumprida independentemente do processo. 
Na homologação da delação de Emílio Odebrecht, a ministra Carmen Lucia, presidente do STF, destacou que apesar de uma das cláusulas permitir imediato cumprimento do acordado, "o cumprimento antecipado do acordo, conquanto possa se mostrar mais conveniente ao colaborador, evidentemente não vincula o juiz sentenciante, nem obstará o exame judicial no devido tempo".
Para Gustavo Badaró, advogado e professor da Universidade de São Paulo, as celebrações de acordos colaborações premiadas entraram em desequilíbrio em 2017.
Segundo ele, o MPF tem usado a delação mais como mecanismo para acelerar as investigações do que como um instrumento que deveria ser utilizado com parcimônia para descobrir a atuação de alguns membros internos da organização criminoso e encontrar  o "caminho das pedras" sobre os delitos. "A delação deixou de ser instrumento probatório para ser um fast track para se chegar à punição sem processo", critica o professor.  
Outro capítulo polêmico das delações em 2017 foram os benefícios concedidos pela PGR aos delatores da JBS, como o perdão judicial. Parte expressiva da população passou a criticar com veemência a atitude do órgão.
Depois que a PF descobriu áudios que não haviam sido entregues no acordo, a JBS entregou à PGR um arquivo em que o Joesley conversa com Saud sobre uma suposta influência do ex-procurador Marcelo Miller para beneficiar a JBS, Janot anulou os benefícios e mandou prender os delatores.
Nesse caso, lembra o professor Ivar Hartmann, da FGV Direito Rio, a grande discussão foi se o acordo celebrado tinha sido bom para o país ou para os delatores. "Na minha visão, o acordo foi perfeitamente equilibrado. Havia uma prova íntegra que trazia a fala gravada de um presidente da República sobre suborno de juízes e compra de depoimentos. A gravidade da conduta era extrema. Em qualquer país sério, teria causado a renúncia do presidente", afirma Hartmann.  
Para ele, a história da delação premiada no país se confunde muito com a Lava-Jato, o que prejudica qualquer avaliação do instituto em si.
STF e 2018
Em novembro, uma decisão do ministro do STF Ricardo Lewandowski animou os críticos aos métodos de colaboração utilizados na Lava-Jato. Lewandowski <a href="https://www.jota.info/justica/lewandowski-nao-e-licito-pgr-fixar-pena-de-colaborador-14112017">rejeitou o acordo de delação premiada do publicitário Renato Pereira</a>, da Prole, que cuidou das campanhas do PMDB do Rio de Janeiro dos últimos anos.
Na ocasião, o ministro fez duras críticas às cláusulas estabelecidas entre o MPF e o delator. O magistrado apontou diversas inconstitucionalidades no acordo e afirmou que, caso o chancelasse, o negociado passaria a valer mais do que o legislado na esfera penal.
“Observo que não é lícito às partes contratantes fixar, em substituição ao Poder Judiciário, e de forma antecipada, a pena privativa de liberdade e o perdão de crimes ao colaborador”, escreveu.
Semanas depois, em evento em São Paulo, <a href="https://www.jota.info/justica/moraes-diz-que-tambem-devolveu-acordo-de-delacao-para-pgr-04122017">o ministro Alexandre de Moraes afirmou - sem revelar o nome dos envolvidos - que tomou decisão semelhante e não homologou</a>, no final de outubro, um acordo de delação premiada firmado pela Procuradoria-Geral da República.
Procuradores reagiram à decisão de Lewandowski. Em entrevista ao jornal O Globo, o ex-procurador Rodrigo Janot afirmou que a deliberação do ministro parte de uma premissa equivocada e pode “matar” a delação premiada no país. A opinião parece uníssona entre membros do Ministério Público.
"Sem a existência do instituto da colaboração premiada, as investigações não avançariam. As colaborações foram imprescindíveis. A diferença desta investigação para outras que acabaram não dando em nada foram as delações”, afirmou ao JOTA o procurador da República Sérgio Luiz Pinel, integrante da força-tarefa da Lava-Jato no Rio de Janeiro. “Às vezes se critica os órgãos por um certa inércia, mas seria impossível se chegar nesses crimes sem as colaborações premiadas”.
Além disso, o<a href="https://www.jota.info/justica/stf-adia-julgamento-que-deve-limitar-delacao-pela-pf-14122017"> STF também já começou a votar a a ação direta de inconstitucionalidade 5508</a>, apresentada pela PGR contra dispositivos da Lei 12.850/2013, que atribuem a delegados de polícia o poder de realizar acordos de colaboração premiada. A maioria dos ministros defende que as polícias podem fechar acordos de colaboração premiada, mas divergem sobre o limite de atuação dos delegados de polícia nas delações. A votação foi suspensa em dezembro porque os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes não estavam no plenário. Assim, a decisão sobre o caso foi adiada para 2018
O cenário de incertezas fez com que alguns advogados deixassem de fechar delações – ao menos momentaneamente. "Há um ano e meio que não realizo acordos. Acho que é um momento de insegurança para o colaborador", diz o advogado Marlus Arns, que fechou a colaboração de ex-executivos da empreiteira Camargo Corrêa. "Temos que aguardar uma posição firme do STF quanto a essas discussões que estão lá colocadas.  Tenho orientado meus clientes que aguardem mais um pouco para o STF resolvê-las."

Delação_Joesley

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JOTA

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