Felipe Recondo

A proximidade das Olimpíadas e a ocupação de morros no Rio de Janeiro levam os militares a defender que a Justiça Castrense seja competente também para julgar os crimes praticados quando houver operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), inclusive os crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis.
Na visão do Ministério da Defesa, GLO “é uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem”.
Seria o caso das ocupações em áreas controladas pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro e das operações de segurança que serão montadas durante os jogos olímpicos de 2016.
Atualmente, crimes dolosos contra a vida são julgados por um tribunal do júri. Em conversas reservadas com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), militares demonstraram preocupação com o tema e defenderam a mudança na legislação.
Desconforto
Hoje, a norma e a jurisprudência estabelecem a competência da justiça comum para casos como estes. E isso, de acordo com um ministro de Estado, gera desconforto entre os militares e ressalvas sobre a participação das Forças Armadas em operações futuras de ocupação no Rio de Janeiro, por exemplo.
Já tramitam no Congresso projetos de lei nesse sentido. Todas as propostas estão apensadas ao Projeto de Lei 2014/2003, cujo autor foi o então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O PL está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara desde março.
Neste projeto, o Ministério da Defesa informou ter se manifestado oficialmente em favor da competência da Justiça Militar para o julgamento de militares em crimes dolosos contra a vida.
A discussão agora está sendo travada no grupo de trabalho criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para analisar possíveis alterações legislativas sobre, por exemplo, as competências da Justiça Militar.
O grupo é presidido pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Maria Thereza de Assis Moura. E este tema específico deverá ser debatido na próxima reunião, marcada para o dia 26.
Mudança legislativa
Nas conversas com integrantes do grupo e com ministros do STF, militares também defendem a competência da Justiça Militar para julgar civis em circunstâncias específicas, como nos casos de desacato nas comunidades em que militares foram acionados para fazer a ocupação.
Hoje, a competência é da Justiça Militar. E alguns ministros se mostram sensíveis aos argumentos expostos pelos militares em prol da permanência desses casos na Justiça Castrense.
Mas o tema não é pacífico.
Pelo contrário. O tribunal terá de julgar duas ações que contestam, em resumo, a competência da Justiça Militar para julgar civis em tempos de paz.
Em sessão administrativa no Supremo Tribunal Federal, no início do mês, os ministros discutiam e aprovavam trechos da proposta de novo Estatuto da Magistratura. Quando chegaram ao artigo referente à Justiça Militar e suas competências, os ministros decidiram adiar a discussão.
O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, relatou aos colegas que fora procurado por militares, preocupados com a possível mudança na legislação e com a transferência para a Justiça Comum de casos hoje julgados pela Justiça Militar.
O ministro Celso de Mello, que já se manifestou em diversos julgamentos contra a competência da Justiça Militar para processar civis em tempo de paz, disse que o tribunal deveria, o quanto antes, julgar as duas ações que tramitam na Corte sobre o tema antes de debater o enquadramento da Justiça Militar no novo Estatuto da Magistratura.
Ações pendentes
São duas as ações que tramitam no Supremo e contestam a competência da Justiça Militar: ADI 5.032, relatada pelo ministro Marco Aurélio Mello, e a ADPF 289, relatada pelo ministro Gilmar Mendes. Ambas foram ajuizadas pela Procuradoria Geral da República.
A ADI 5.032 e contesta a constitucionalidade da Lei Complementar 97, de 1999. Mais especificamente o § 7o do artigo 15, que estabeleceu:
Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:
§ 7o A atuação do militar nos casos previstos nos arts. 13, 14, 15, 16-A, nos incisos IV e V do art. 17, no inciso III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do art. 18, nas atividades de defesa civil a que se refere o art. 16 desta Lei Complementar e no <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4737.htm#art23xiv">inciso XIV do art. 23 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965</a> (Código Eleitoral), é considerada atividade militar para os fins do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art124">art. 124 da Constituição Federal.</a> <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp136.htm#art1">(Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010).</a>
E o artigo 124 da Constituição estabelece a competência da Justiça Militar para “julgar os crimes militares definidos em lei”.
A ADPF 289 questiona a constitucionalidade do art. 9º, I e III, do Decreto-Lei nº 1.001/69 (Código Penal Militar), que confere competência à Justiça Militar para julgar civis em tempo de paz.
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
O Grupo Tortura Nunca Mais pediu ingresso na causa para contestar a competência da Justiça Militar para processar civis. A organização Meu Rio, o Instituto de Defensores de Direitos Humanos e o Grupo Tortura Nunca Mais criaram um site para mobilizar a sociedade em torno do assunto. <a href="http://desmilitarizacaodajustica.meurio.org.br/">Veja o site da campanha</a>.
Posição oficial
Em nota, o Ministério da Defesa defendeu a constitucionalidade da lei complementar e do decreto-lei. Argumentos também apresentados ao Supremo Tribunal Federal nas ações em curso:
O Ministério da Defesa defende a constitucionalidade do §7º do art. 15 da Lei Complementar nº 97, que estabelece que o emprego das forças militares em GLO deve ser considerado como atividade militar para fins de atrair a competência da Justiça castrense para processar e julgar os crimes cometidos nesse contexto.
O referido dispositivo legal, combinado com o artigo 9º inciso III do Código Penal Militar, considera como ‘crime militar’, portanto, de alçada da Justiça Militar, qualquer crime praticado por um militar (ou contra ele) “no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública”, como são os casos de atuação em missões de Garantia da Lei da Ordem (GLO).
Cabe destacar que operações de GLO são realizadas somente por ordem expressa da <a href="http://www2.planalto.gov.br/">Presidência da República</a>, nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública, em área restrita e por tempo limitado.
Mais informações sobre GLO:
<a href="http://www.defesa.gov.br/index.php/exercicios-e-operacoes/garantia-da-lei-e-da-ordem">http://www.defesa.gov.br/index.php/exercicios-e-operacoes/garantia-da-lei-e-da-ordem</a>

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JOTA

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