Felipe Recondo

O segmento da sociedade brasileira que despende R$ 61 bilhões por ano, emprega mais de 412 mil trabalhadores e cuida do destino de milhões de pessoas mereceria, em período eleitoral, as atenções dos candidatos à presidência da República. Promessas, propostas, discursos seriam proferidos com ideias para solucionar os problemas do setor. Mas se o caso diz respeito ao Judiciário, os três principais candidatos na corrida ao Palácio do Planalto trataram o assunto en passant, sem detalhar como e, em alguns casos, o que fariam para melhorar o acesso à Justiça, equipar os tribunais, acelerar o julgamento de processos entre outros desafios.
A campanha deste ano – para tratar apenas do presente – não foi fértil no debate aprofundado de temas polêmicos de forma geral. Como sempre ocorre em períodos de disputa por votos, apelou-se mais à emoção e aos ataques entre as candidaturas. Sugestões, discussões dos macro problemas, propostas, tudo isso ficou meio escondido. O Judiciário só ocupou tempo relevante das campanhas políticas quando o Tribunal Superior Eleitoral deu a resposta final sobre candidatos que violavam a Lei da Ficha Limpa – mas a Justiça eleitoral tampouco figura entre os parágrafos dos planos de governo dos principais candidatos.
O assunto chama ainda mais atenção porque este ano termina com a efeméride de uma década da Reforma do Judiciário, que se completa em dezembro. Resultados positivos são sensíveis. Os tribunais passaram a ser fiscalizados pela sociedade, por meio do Conselho Nacional de Justiça, instrumentos foram criados em prol da eficiência da Justiça, como súmulas vinculantes e repercussão geral.
Porém, o sistema demanda reformas permanentes. Apenas no âmbito federal, o forte debate sobre a interferência do Supremo em assuntos do Congresso Nacional exigiria um posicionamento dos principais postulantes à chefia do Executivo. A crise da Justiça brasileira, exposta em números e na situação que o brasileiro observa a olho nu, comprova que o tema merece mais atenção dos candidatos à Presidência da República. Todo mundo sabe disso, inclusive os candidatos a comandarem o País pelos próximos quatro anos.
É possível encontrar alguns sinais do que pensa cada candidato no pouco que resta, mas o resultado indica que ainda é preciso instruir melhor o processo. O JOTA traz abaixo o resultado do que viu nos programas de governo apresentados pelos candidatos à Justiça Eleitoral:
Nos programas de Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), é comum o tratamento da Justiça brasileira pelo viés da segurança pública. Assim, os focos passam a ser o combate às drogas, os crimes de sangue e melhoria do sistema penitenciário.
O programa de reeleição de Dilma Rousseff é o mais sucinto na discussão da Justiça. Resume-se, praticamente, a um parágrafo. A candidata se propõe a:
“Combater a impunidade de corruptores e corruptos, por meio de mudanças na nossa legislação, especialmente por meio de uma reforma de nosso processo penal, é uma meta que teremos forte empenho em cumprir. estruturar ainda mais e ampliar a eficiência dos órgãos públicos que têm por competência o enfrentamento e a investigação da improbidade e o desvio de recursos é um compromisso que continuaremos a manter permanentemente com a sociedade brasileira, independentemente dos interesses políticos e econômicos que possam vir a ser afetados”.
<a style="text-decoration: underline;" href="https://programadegoverno.dilma.com.br/wp-content/uploads/2014/07/Programa-de-Governo-Dilma-2014-RGB1.pdf" target="_blank">O programa divulgado no site da candidata</a> não faz, sequer, menção à palavra Justiça. E trata o sistema carcerário em duas frases: “o sistema prisional brasileiro está entre as prioridades na área de segurança pública. o Programa de apoio ao Sistema Prisional destinou, no governo Dilma, R$ 1,1 bilhão para que os estados possam ampliar e construir unidades prisionais, gerando 47.419 novas vagas”.
No mais, o programa de governo mostra-se mais como uma carta de intenções. De acordo com fontes ouvidas pelo JOTA, havia um detalhamento maior das propostas para o sistema de Justiça, mas a divulgação de todos os pontos não foi liberada pelo comando da campanha.
A candidata Marina Silva trata igualmente a Justiça pelo viés da segurança pública. <a style="text-decoration: underline;" href="http://marinasilva.org.br/programa/#!/" target="_blank">Em seu programa</a>, ela propõe um pacto nacional pela redução dos homicídios e a reforma do sistema prisional. Acrescenta, ainda, uma lista de propostas abertas, que mais se aproximam de uma carta de intenções, mas que sugerem a intenção de melhorar a eficiência do Judiciário e a situação do sistema carcerário. Dentre elas:
<ul>
<li>Fortalecer a ação de mutirão no Judiciário e fazer um levantamento das condições físicas das unidades prisionais, para realizar reformas tanto físicas quanto operacionais no sistema.</li>
<li>Reorientar o sistema penitenciário nacional para o cumprimento efetivo da Lei de Execução Penal.</li>
<li>Promover penas alternativas, incentivar justiça restaurativa para a superação de conflitos e estimular penas de restrição da liberdade como alternativas às penas de privação da liberdade.</li>
<li>Estabelecer mecanismos que permitam à sociedade civil fiscalizar a execução das penas.</li>
<li> Aumentar a eficiência dos mecanismos de persecução com foco nos crimes mais graves, reduzindo a demanda de encarceramento massivo.</li>
<li>Desenvolver programa nacional de apoio aos egressos para favorecer sua reinserção social firmando um pacto com empresários para que ofereçam oportunidades reais de retorno produtivo à sociedade.</li>
<li> Rediscutir as carreiras dos servidores penitenciários, fixando parâmetros nacionais obrigatórios para o serviço em prisões e definindo um programa que humanize seu trabalho.</li>
</ul>
O programa trata ainda do acesso à Justiça e da defesa dos direitos humanos, mas, mas novamente sem detalhar como isso seria implementado:
<ul>
<li> Criar uma inspetoria nacional para monitorar violações aos direitos humanos no Brasil e assegurar o cumprimento das garantias constitucionais em todo o País.</li>
<li> Criar e implementar políticas públicas voltadas aos extratos mais vulneráveis da população nos quais se observa um aumento dos índices de violência.</li>
<li>Apoiar estados e municípios na criação de estruturas de atendimento específico para idosos que são vítimas de violência.</li>
<li>Implementar programas de integração social que estimulem o conhecimento da diversidade sociocultural brasileira, combatendo a discriminação racial, de gênero, de orientação sexual, religiosa, social e intergeracional.</li>
</ul>
Uma proposta específica chama a atenção e deixa dúvidas sobre como seria implementada. O programa de Marina Silva defende o fortalecimento dos sindicatos, preponderância das negociações coletivas e decorrente redução da Justiça do Trabalho a árbitro.
“A elevada rotatividade da mão-de-obra e a negociação de direitos individuais na Justiça tornam muito precárias as relações de trabalho. Por isso, o empregador não é levado a investir e qualificar um trabalhador que logo deixará a empresa. A produtividade, num quadro assim perverso, perde poderoso incentivo”, argumenta a campanha de Marina Silva no documento. E acrescenta: “O novo modelo diminuiria o papel do Estado na solução dos conflitos trabalhistas coletivos, e Justiça do Trabalho se limitaria à nova função de arbitragem pública”.
O tema é polêmico porque envolveria uma mudança no status quo. Uma vez que é a Constituição que define as competências da Justiça trabalhista (artigo 144).
Em seu programa, o candidato Aécio Neves, divide o capítulo “Segurança Pública e Justiça” em quatro proposições principais: prevenção a delitos criminais, combate à impunidade no país, melhoria da eficiência da polícia e solução para o problema prisional.
Dentre os candidatos, Aécio Neves é o único a <a style="text-decoration: underline;" href="http://aecioneves.com.br/downloads/plano-de-governo/cidadania.pdf" target="_blank">reservar alguns parágrafos para tratar exclusivamente do Poder Judiciário</a>. “Entendemos que a Justiça deve ser rápida. Justiça lenta contribui para a impunidade e para a insegurança jurídica, assim é preciso buscar mais e novos mecanismos de celeridade, não podendo faltar recursos orçamentários para a informatização do Poder Judiciário, em todo e qualquer estado brasileiro”, argumenta o candidato no programa.
Para solucionar os gargalos atuais, que o candidato aponta existirem nas primeira e segunda instâncias do Judiciário, Aécio Neves afirma se comprometer a:
a) buscar dar estrutura para videoconferências;
b) proporcionar mecanismos modernos de vigilância do preso (pulseiras eletrônicas, mais simples e baratas que celas e que evitam jogar condena- dos de menor periculosidade em penitenciá- rias desnecessariamente);
c) aumentar a competência dos juizados especiais (os antigos e bem-sucedidos juizados de pequenas causas);
d) ampliar o número de Juizados Especiais Fe- derais e dar condições materiais para instalar os Juizados Estaduais da Fazenda Pública;
e) aprimorar o sistema prisional, tornando-o mais seguro e capaz de reinserir o condenado na sociedade;
f) compromisso de não contingen- ciar verbas da área penitenciária (como é feito sistematicamente hoje);
g) criar mecanismos para tornar menos atrativos os recursos a partir do segundo grau e valorizar as penas alternativas, sobretudo a prestação de serviços à comu- nidade, com fiscalização efetiva e não meramente virtual;
h) incentivar meios alternativos de solução de conflitos, pois a experiência prática mostra que os meios tradicionais não têm atendido à demanda crescente.
O eleitor irá às urnas sem saber o que os candidatos proporão sobre o Judiciário. Dilma Rousseff, Marina Silva e Aécio Neves têm sua parcela de responsabilidade por isso. Para não colidir com interesses do setor A, B ou C, são evasivos nas suas propostas. Resta então perguntar por que os setores interessados, como as associações de classe da magistratura ou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não cobraram dos candidatos compromissos com bandeiras para o Judiciário. Agora, é esperar 2018.

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JOTA

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