Felipe Recondo

Luiz Orlando Carneiro

A decisão do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, suspendendo a ação penal contra militares acusados de envolvimento no desaparecimento do deputado Rubens Paiva durante a ditadura militar, forçará o tribunal a dar uma resposta definitiva sobre o alcance da Lei de Anistia.
O julgamento de 2010, quando o STF declarou ser constitucional a Lei de Anistia, não encerrou a questão. Um ponto fulcral passou ao largo do acórdão da ADPF 153: os crimes de desaparecimento forçado, cujas vítimas e seus corpos permanecem ocultos, foram também anistiados? Ou esses crimes seriam permanentes e, portanto, não poderiam ser perdoados?
Essa pergunta, central para a solução do caso Rubens Paiva, até hoje não foi respondida pelo Supremo. E não foi por falta de provocação. Os embargos de declaração na ADPF 153, ainda não julgados, questionam exatamente isso. Outra ação, a ADPF 320, foi movida para também questionar este vácuo e segue ainda sem julgamento.
Agora, com a decisão do ministro Teori Zavascki, a resposta terá de ser dada pelo tribunal. E o Supremo pode ter aberto precedente importante em 2011. Ao julgar o pedido de extradição do major argentino Norberto Raul Tozzo, acusado pela tortura e morte de 22 presos políticos na Argentina em 1976, os ministros classificaram como crimes continuados e permanentes os sequestros praticados na época. As vítimas do militar argentino até hoje não foram encontradas.
A decisão do ministro Teori Zavascki respeita o cerne do julgamento da Lei de Anistia, quando a legislação foi julgada constitucional. Mas a decisão liminar do ministro não trata, ainda, do desaparecimento forçado e seu contorno em relação à Lei de Anistia.
O ministro restringiu-se, na liminar, a trancar o andamento da ação penal em trâmite na 4ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro contra José Antônio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Raymundo Ronaldo Campo, Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza. A decisão suspende, inclusive, as audiências marcadas para os próximos dias 7, 8 e 9.
Paiva foi morto nas dependências do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército, na Tijuca, Rio de Janeiro. Além de homicídio doloso e ocultação de cadáver, José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos respondem pelos crimes de associação criminosa armada e fraude processual.
Na reclamação 18.686, protocolada no STF no último dia 23, os réus da ação penal sustentam que os crimes a eles imputados foram anistiados. Tendo o STF julgado constitucional a Lei de Anistia, a decisão da Justiça do Rio de Janeiro de dar andamento à ação penal estaria em confronto com o entendimento do STF.
"São relevantes os fundamentos deduzidos na presente reclamação. Em juízo de verossimilhança, não há como negar que a decisão reclamada é incompatível com o que decidiu esta Suprema Corte no julgamento da ADPF 153, em que foi afirmada a constitucionalidade da Lei 6.683/79 (Lei de Anistia) e definido o âmbito da sua incidência (crimes políticos e conexos no período de 02/09/1961 a 15/08/1979, entre outros)”, decidiu o ministro Teori Zavascki.
Concedida a liminar, o ministro solicitou informações ao Juiz Federal da 4a Vara Federal Criminal da Seção Judiciário do Rio de Janeiro. Depois, os autos serão encaminhados para parecer da Procuradoria-Geral da República. Ao final do trâmite, o ministro poderá levar a julgamento o mérito da reclamação.
Com as mudanças regimentais promovidas pelo STF, a competência para o julgamento de reclamação passou para as Turmas. Nada impede, porém, que o processo seja levado ao plenário dada a importância do tema.
A composição do Supremo que voltará a analisar o assunto é distinta daquela que, em 2010, julgou constitucional a Lei de Anistia. Deixaram a Corte os ministros Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie, que votaram pela constitucionalidade da lei. O ministro Ayres Britto, que votou pela inconstitucionalidade, também saiu do tribunal (Joaquim Barbosa não participou do julgamento e Dias Toffoli estava impedido). Desde então, chegaram ao tribunal os ministros Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber.
De lá pra cá, outros dois fatores interferem no cenário deste novo julgamento. O primeiro é a criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), com depoimentos e novas descobertas sobre os acontecimentos daquela época. O mais importante é a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que julgou não poder ser a Lei de Anistia empecilho para processar e punir torturadores.
“As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil”, julgou a Corte Interamericana em novembro de 2010.
Parte dos ministros diverge sobre a obrigação de o Judiciário brasileiro alterar o entendimento do Supremo e passar a processar e condenar agentes públicos acusados de envolvimento em mortes e torturas. Agora, com a decisão do ministro Teori Zavascki, o Supremo antecipou seu encontro marcado com a Lei de Anistia.

article50

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Decisão de ministro Teori Zavascki forçará uma resposta final do tribunal

STF escreverá capítulo definitivo da Lei de Anistia

Decisão de ministro Teori Zavascki forçará uma resposta final do tribunal