Luiz Orlando Carneiro

Uma pergunta se impõe ante a análise de decisões recentes do Supremo Tribunal Federal: por que associações de juízes e de desembargadores – que, espera-se, tenham conhecimento até maior do que advogados não constitucionalistas da jurisprudência do STF – insistem em propor ações contra a orientação praticamente sedimentada do tribunal?
Um exemplo datado do dia 1o de agosto. O ministro Dias Toffoli determinou o arquivamento da ação de inconstitucionalidade (ADI 4.443) ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) por falta de legitimidade. A ação – protocolada há quase quatro anos – atacava dispositivos de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça sobre o regime de plantão judiciário nas primeira e segunda instâncias.
O ministro assinalou, no seu despacho, estar reafirmando jurisprudência da Corte no sentido de que a Anamages não tem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade contra norma de interesse de toda a magistratura, mas apenas para a propositura de Adin contra norma de interesse específico dos juízes estaduais. O mesmo entendimento tem sido aplicado em ações do tipo ajuizadas pela Associação Nacional de Desembargadores (Andes) e pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Ao mandar arquivar a ADI 4.443, o ministro Toffoli enumerou algumas decisões monocráticas de igual teor, relativas à Anamages: ADI 4.840, de sua relatoria (7/5/13); ADI 4.788, relator o Ministro Ricardo Lewandowski (12/4/13); ADI 4.344, relatora a Ministra Cármen Lúcia (18/8/11); ADI 3.321, relator o ministro Sepúlveda Pertence (12/2/07).
E concluiu: “No caso ora em apreciação, a exemplo dos julgados mencionados, a Associação Nacional de Magistrados Estaduais (Anamages), cuja finalidade precípua é 'defender os direitos, garantias, prerrogativas, autonomia, interesses e reivindicações dos magistrados que integram a Justiça dos Estados da Federação e do Distrito Federal e Territórios' (art. 2º, a, do Estatuto), está impugnando normas que repercutem sobre a magistratura nacional. Nota-se, portanto, que a associação autora representa apenas parcela da categoria atingida pela norma impugnada, restando evidente a sua ilegitimidade ativa ad causam”.
Em março de 2013, em preliminar levantada no julgamento de quatro ADIs (4.356, 4.372, 4.400 e 4.425), que questionaram o novo regime de especial de pagamento de precatórios criado pela Emenda Constitucional 62/2009, o plenário do STF, por maioria, também entendeu que a Anamatra não tinha legitimidade para propor a ação (4.400), por ausência de relação direta com a área de atuação da entidade dos magistrados trabalhistas.
Agravo
A inconformidade da Anamages com o recente despacho do ministro Dias Toffoli (ADI 4.43) já se consubstanciou num recurso (agravo regimental) interposto uma semana depois, na linha de que a jurisprudência não está "fechada".
Para o advogado da entidade, Daniel Calazans, "o que deve ser exigido, em conformidade com a jurisprudência desse Egrégio Tribunal, é que a associação autora possua representatividade em âmbito nacional, e que haja pertinência temática entre a pretensão da entidade e os efeitos da norma impugnada".
Quanto ao âmbito nacional da classe representada pela Anamages, o advogado diz não haver "qualquer tipo de dúvida, já que expressamente reconhecido em outras oportunidades por esse STF (ADIs 3.321, 3.486, 4.372 e 4.580)". Quanto à pertinência temática, "afigura-se mais do que presente, uma vez que o dispositivo impugnado interfere diretamente na estrutura interna corporisdo Tribunal, haja vista a alteração no funcionamento do regime de plantão judiciário em primeiro e segundo graus de jurisdição".
Juízes X CNJ
A legitimidade da entidade nacional dos magistrados estaduais na proposição de tais ações - sobretudo tendo como alvo o Conselho Nacional de Justiça - vai ser mais uma vez discutida quando chegar ao plenário a recente ADI 5.119, protocolada em maio último, e que tem como relatora a ministra Rosa Weber.
Neste feito, a Anamages ataca dispositivo da Resolução 184/2013 do CNJ que obriga os tribunais de Justiça estaduais a encaminhar ao órgão de controle externo do Judiciário cópia de anteprojeto de lei que trate de criação de cargos de magistrados e servidores, cargos em comissão e unidades judiciárias no âmbito desses tribunais. A associação argumenta que a resolução em causa contém normas aplicáveis, indistintamente, a todos os segmentos do Judiciário, mas que norma específica (parágrafo 3º do art. 1º) é aplicável, somente, aos tribunais estaduais. “Não há dúvida de que a norma objeto desta ação interfere no funcionamento, nas prerrogativas e, principalmente, no pleno exercício da parcela do poder político atribuído aos tribunais de Justiça dos estados pela Constituição da República” - afirma na petição inicial o advogado Elpídio Donizetti.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, já se manifestou nos autos, pela “ilegitimidade ativa da requerente para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, uma vez que a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais representa apenas uma fração da categoria funcional dos magistrados, qual seja, a correspondente aos juízes que compõem a Justiça estadual”. E cita a jurisprudência a seu ver já consolidada do STF.
Mas se, neste caso específico, o plenário entender que a entidade teria legitimidade, a AGU tem a seguinte posição quanto ao mérito: “Se compete ao CNJ controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela observância do artigo 37 da Constituição Federal – podendo, para tanto, expedir atos regulamentares – revela-se válida a edição do dispositivo impugnado, que exige dos tribunais de Justiça dos estados o envio prévio dos anteprojetos de lei de sua autoria que proponham a criação de cargos, funções comissionadas e unidades judiciárias, para eventual emissão de nota técnica pelo Conselho”.
O advogado-geral da União sublinha que, ao julgar a ADI 3.367, “essa Suprema Corte afirmou que o Conselho Nacional de Justiça detém a natureza de órgão administrativo do Poder Judiciário Nacional, e diante de tal condição, possui competência para exercer o controle administrativo, financeiro e disciplinar sobre o Poder Judiciário, ressalvada a preeminência desse Supremo Tribunal Federal, órgão máximo de referido Poder da União”.
Para que a nova ADI (5.119) possa ficar preparada para julgamento falta ainda o necessário parecer do procurador-geral da República.

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JOTA

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