Luiz Orlando Carneiro

Felipe Recondo

Há dez anos, Nelson Jobim assumia a presidência do Supremo Tribunal Federal e teria pela frente o desafio de instalar o Conselho Nacional de Justiça. Criado pela emenda constitucional 45, de 2004, o CNJ passa por uma crise de identidade, na opinião de Jobim. De órgão para pensar a administração da Justiça, como planejado inicialmente, tornou-se uma instituição correcional.
Com passagens pelos três poderes da República – foi deputado constituinte, ministro da Justiça e da Defesa e presidente do STF –, Jobim analisa a desarmonia entre os poderes. E atribui à falta de diálogo a disputa travada agora entre o Judiciário e o Executivo pelo reajuste salarial da magistratura. “Por que isso está acontecendo? Falta de diálogo. Isso aí era função do presidente do Supremo. Era possível ter diálogo com o Joaquim Barbosa? Não. Então começa a dar essa confusão infernal."
Confira a entrevista de Jobim ao JOTA:
JOTA - O Brasil vem, nos últimos anos, atravessando diversas crises institucionais. Como o país convive com isso sem rupturas? Como avalia hoje o estado da independência e da harmonia dos poderes, princípios fundamentais da Constituição que o sr ajudou a escrever? 
Nelson Jobim - A Constituição de 88 deu fôlego para o País superar crises. Nós tivemos problemas sérios. Foi o caso do impeachment do presidente Collor. Foi também o caso do processo do mensalão que, bem ou mal, concordando ou discordando do conteúdo da decisão, houve uma condenação de estruturas do partido do governo. Em nenhum lugar do mundo você encontra o partido do governo tendo personagens – como presidente do partido e o grande líder na época, que era o José Dirceu – sendo condenados. Certo ou errado, o fato é que houve a condenação e não aconteceu nada em termos das instituições. Isso mostra que temos fôlego para isso.
Mas como o sr analisa a relação entre os poderes hoje?
O que eu noto é que há uma disfuncionalidade. Há dificuldades de diálogo por uma série de circunstâncias conjunturais, inclusive de personalidades. Você está sem diálogo entre o Supremo e os demais poderes. O diálogo é através da imprensa ou por meio de atos que são praticados unilateralmente sem ajuste prévio. Há problemas no Executivo também de disfuncionalidade interna – a paralisação do processo decisório do Executivo em razão da personalidade da presidente Dilma Rousseff.
E no Congresso? 
No Poder Legislativo, há um momento que eu considero o divisor de águas, que foi a eleição do Severino Cavalcanti (para presidir a Câmara dos Deputados). Até o Severino, o baixo clero, ou seja, a massa do Parlamento, para ter um determinado tipo de acesso, dependia da liderança partidária. No momento em que o Severino assumiu a presidência, os líderes fora dispensados. Eles passaram a ir diretamente à presidência da Câmara. Logo as lideranças perderam importância, perderam a funcionalidade no que diz respeito à dependência que o parlamentar tinha do líder.
Há, portanto, uma falta de harmonia? 
Falta de harmonia no sentido do diálogo.
Mas não no sentido constitucional da palavra? 
Não. No sentido jurídico não falta (harmonia). Mas falta no sentido prático, de funcionalidade, que é o que interessa.
Por que chegamos a este ponto? 
Por questões pessoais, por idiossincrasias. Quando começa a entrar no Judiciário gente sem biografia, essas figuras acabam usando os tribunais para fazer biografia. E a melhor forma de fazer biografia é o conflito. Você não faz biografias com conciliações, com criações ou situações que possam desenvolver a instituição. Você cria biografia com a tua personalidade. Aí o sujeito valoriza isso. O conflito é muito mais relevante em termos de visibilidade do que a construção.
<blockquote><q>Quando começa a entrar no Judiciário gente sem biografia, essas figuras acabam usando os tribunais para fazer biografia. E a melhor forma de fazer biografia é o conflito.</q></blockquote>
É o caso da presidência do ministro Joaquim Barbosa? 
O Joaquim é um desses modelos. O critério que ele assumiu foi o conflito. Ele operava no conflito. Era conflito interno, era conflito externo. Às vezes conflito até mesmo sem sentido. Eu me lembro do caso do Maurício Correa. O Maurício Corrêa (como advogado, depois de deixar o STF) foi ao tribunal pedir uma preferência, e ele (Joaquim Barbosa) manifestou essa divergência no plenário. Qual é a razão disso? Por quê? Por que ele não manifestou isso no dia que foi feito o pedido? No dia que foi pedido, ele aceitou. E foi fazer aquela manifestação contra o Maurício dentro do plenário? Isso mostra que se alimenta pelo conflito. E alimentando-se pelo conflito, leva-se ao isolamento. Não só ao isolamento, como leva à falta de confiança. Ninguém começa a ter confiança. E aí a coisa degringola.
E qual a razão da disfunção do Parlamento? 
Um dos problemas é que a desqualificação conjuntural do Parlamento decorre também da desconsideração do Poder Executivo à funcionalidade do Congresso. Qual era a crítica que se fazia do governo Sarney logo após a Constituição de 1988? Que o presidente José Sarney abusava de medida provisória. Compara o conteúdo das medidas provisórias utilizadas pelo Sarney com as medidas provisórias de hoje. É um negócio maluco. Tu não tens mais projeto de lei. Como hoje há uma subserviência das lideranças parlamentares ao Executivo, eles não permitem barrar esse modelo.
Essa disfunção é uma das razões da judicialização de temas políticos? 
Às vezes a provocação do partido ocorre porque a ação no Supremo lhe dá visibilidade. Mas isso também era mais do tempo em que o STF não julgava. Hoje já não está mais tanto assim. E isso gera voluntarismo.
Como vê a chamada judicialização da política? O Brasil vive uma espécie de 'protagonismo judicial' em que o Supremo atua como 'superego' da sociedade? 
A palavra superego é perigosa, porque parece um qualificativo no sentido positivo. E não é bem assim.
E qual o perigo do voluntarismo? 
É um voluntarismo irresponsável. O ministro do Supremo não é responsável politicamente. Vão inventar coisas e não há consequências pessoais nenhumas.

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JOTA

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