Cristine Prestes

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que alterou a jurisprudência firmada na Corte em 2009 e passou a entender que a execução da pena imposta a condenados por crimes pode começar a ser cumprida após a condenação em segunda instância, vai mudar a forma como os advogados atuam nas ações criminais. Ainda surpresos com a nova posição do STF, criminalistas já avaliam as mudanças que a decisão deve gerar no trâmite dos processos penais na Justiça, mas são quase unânimes em afirmar que o número de habeas corpus impetrados para garantir que o réu condenado aguarde o trânsito em julgado até o julgamento dos recursos aos tribunais superiores deve aumentar. E a maior vítima deste movimento deve ser o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que está na iminência de receber uma avalanche de habeas corpus.
Desde 2009, quando o STF definiu que o réu deve aguardar o julgamento final dos recursos aos tribunais superiores em liberdade, os advogados criminalistas, diante de decisões condenatórias nos tribunais de Justiça e nos tribunais regionais federais (TRFs), recorriam ao Supremo e ao STJ com recursos extraordinários e recursos especiais com efeito suspensivo, na tentativa de evitar a execução imediata das penas. Embora a jurisprudência do STF fosse pelo aguardo do trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena, algumas turmas julgadoras já determinavam a execução após julgarem as apelações – daí porque o efeito suspensivo para evitar eventuais prisões.
Agora, com o novo entendimento do Supremo, os réus condenados terão, como última alternativa à prisão imediata, o habeas corpus para evitá-la. “Vai haver uma enxurrada de habeas corpus”, afirma Pierpaolo Cruz Bottini, advogado criminalista e professor livre docente da Faculdade de Direito da USP. “E a primeira vítima vai ser o STJ”, acredita. Segundo Bottini, todos que tiverem uma sentença com apelação confirmando a condenação entrarão com habeas corpus, caso os tribunais de segunda instância determinem a execução imediata da pena.
“Se houver uma onda de prisões após o julgamento das apelações, a saída será o ingresso de habeas corpus nos tribunais superiores para que o réu recorra em liberdade”, diz o criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira. Segundo ele, ao decidir pela possibilidade de execução da pena após a condenação em segunda instância, o STF não pensou no habeas corpus. “Essa decisão vai atravancar ainda mais o sistema”, diz.
Hoje, segundo informações do STJ, há 188.086 habeas corpus em tramitação no tribunal. De acordo com o relatório Justiça em Números, divulgado anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os habeas corpus já eram, em 2014, o segundo recurso com o maior número de processos no STJ. Os HCs representavam 19,54% do total de recursos impetrados na Corte naquele ano, número menor apenas do que os recursos especiais. Foram 27.294 HCs novos em 2014. “Se a moda pegar, para cada decisão condenatória de segundo grau, em que houver um mandado de prisão, haverá um habeas corpus”, diz Mariz. Além, é claro, do recurso para contestar a decisão no STJ e STF.
Outra mudança, segundo advogados, é um aumento nos pedidos de nulidade ainda nas instâncias inferiores – temor que alguns juízes já manifestaram em conversas privadas logo após a decisão do STF. “Agora, se o réu for condenado a defesa já estrará com um pedido de nulidade o mais rápido possível”, diz um advogado ouvido pelo JOTA. O criminalista José Luís de Oliveira Lima não acredita em um aumento dos pedidos de nulidade, mas concorda que a atuação da defesa na fase inicial do processo ganhará mais peso. “Haverá uma avaliação mais precoce do caso”, diz. Com isso, nos casos em que houver culpa, a tendência é de os réus fazerem acordos ou confessarem o crime para serem beneficiado com uma redução de pena.
De acordo com advogados, a segunda instância também não passará incólume pela recente decisão do Supremo. As decisões dos tribunais ganham importância no contexto do processo penal, e com isso devem aumentar também as sustentações orais e a distribuição de memoriais pela defesa dos réus.
Apesar de já estarem analisando os possíveis cenários decorrentes da mudança de entendimento do STF, os advogados afirmam que a decisão não é vinculativa – ou seja, não obriga as turmas julgadoras da segunda instância a determinar a execução imediata das penas dos condenados. Eles acreditam que, em relação às condenações posteriores à decisão do STF, os tribunais decidirão pela execução da pena caso a caso. Já para os casos antigos em que os réus aguardam em liberdade o julgamento dos recursos aos tribunais superiores, a crença é a de que qualquer mudança de rumo no processo dependerá da atuação do Ministério Público, já que dificilmente haverá decisão de ofício dos magistrados para determinar o cumprimento da pena – caso isso ocorra, o sistema carcerário entraria em colapso de forma quase imediata.
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