Carolina Araujo

Em palestra na prestigiosa Universidade Harvard, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu que não cabe ao Supremo Tribunal Federal "protagonismo" na esfera política e que a judicialização de alguns temas pode servir apenas para "remediar" problemas.
“O Supremo não tem como fazer reforma política. O papel do STF é a defesa dos direitos fundamentais, mas decisões políticas devem ser tomadas pelo Congresso. Ninguém deve esperar que o STF seja protagonista político no país. Não é para ser assim. A judicialização pode remediar algum problema, mas o que precisa melhorar é a política, e não ampliar o Judiciário”, disse Barroso.
O ministro participou da Brazil Conference, evento que debateu o legado dos 30 anos de democracia no país nos dias 17 e 18 de abril. Em um dos painéis do encontro, Barroso debateu reforma política com o diretor da FGV Direito Rio, Joaquim Falcão, e com o professor Filipe Campante, da Harvard Kennedy School. Na plateia, havia cerca de 250 pessoas, a maioria estudantes brasileiros.
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Dentre os problemas do atual sistema eleitoral e partidário, o ministro destacou a eleição proporcional com lista aberta, que personaliza a eleição para o Legislativo e faz com que menos de 10% dos candidatos sejam eleitos por seus próprios votos. Também criticou o financiamento privado de campanha, que permite que empresas doem para candidatos rivais na mesma eleição e possam firmar contratos com o Poder Público após o pleito.
Barroso citou três objetivos que a reforma política no Brasil deve almejar: 1) aumentar a legitimidade do sistema político, aproximando eleitores e seus representantes; 2) reduzir os custos das eleições; 3) permitir que o presidente construa maioria no Congresso sem que sejam necessárias negociações em torno de interesses políticos individuais dos parlamentares.
O ministro disse que, como “cidadão e eleitor”, sua proposta de reforma política incluiria o sistema distrital misto, com voto em lista preordenada, o veto a coligações partidárias, o estabelecimento de cláusula de desempenho aos partidos e o financiamento eleitoral misto, com financiamento público e privado limitado a pessoas físicas.
“Com a proliferação de partidos políticos e um sistema em que qualquer pequeno partido tem acesso ao fundo partidário e a tempo de campanha na televisão, a política se afasta do interesse público e vira um negócio privado”, declarou Barroso, que chamou de “infeliz” a decisão do STF de derrubar a cláusula de barreira em 2006. “O atual modelo político afasta a classe política da sociedade civil, que trata a política com indiferença ou com estresse”, afirmou.
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Joaquim Falcão, diretor da FGV Direito Rio, também destacou os limites que a democracia representativa brasileira enfrenta. “A identidade do brasileiro hoje é o cartão de crédito, o cidadão hoje é consumidor. Não é por menos que o tipo de ação que mais cresce no STF é ação de consumidor. E hoje a identidade do cidadão é também o telefone celular, que dá voz ao cidadão para além do dia do voto”, afirmou.
Segundo Falcão, a universalização dos direitos políticos, garantida pela Constituição de 1988, e o acesso dos cidadãos à economia pela ascensão da classe média trouxeram uma insatisfação quanto à qualidade do sistema político brasileiro. “A democracia representativa pode estar impedindo a ampliação da democracia.”
A solução, para o diretor da FGV Direito Rio, é uma reforma política que permita a “democracia simultânea”, combinando elementos da democracia representativa e da democracia direta. “O cidadão já está livre para se manifestar e o que o libertou foi a tecnologia, e não a urna eletrônica”, disse. Falcão citou instrumentos como a iniciativa popular, presente na Constituição, que permite a apresentação de projetos de lei ao Congresso que tenham a adesão de 1% dos eleitores por meio de assinaturas. Hoje, mobilizações por iniciativas populares já acontecem na internet, em sites como o Avaaz.
Legados da democracia
Em outro evento da Brazil Conference, o ministro Barroso apresentou os principais legados dos 30 anos de democracia no Brasil. Segundo ele, as três maiores conquistas são o respeito à ordem constitucional, a estabilidade monetária e a inclusão social.
O ministro também citou duas dificuldades da democracia brasileira. A primeira é a grande quantidade de temas tratados na Constituição e o excessivo número de emendas, o que leva à instabilidade do texto constitucional. A segunda se refere aos defeitos do sistema político, especialmente quanto ao seu financiamento. “Nós temos um sistema político que induz à criminalidade. Se não atacarmos as causas da corrupção, estaremos sempre processando políticos”, afirmou.
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Segundo Barroso, a atual crise não é apenas de governo, mas também da sociedade. “A crise de hoje é uma boa crise, a crise de um país que está ficando mais maduro. Os cidadãos têm mais demandas, por mais qualidade dos serviços, mais transparência, mais accountability. Mas nós não podemos olhar só para o governo, é preciso também uma autotransformação”, disse o ministro.
A Brazil Conference também teve palestras do senador José Serra (PSDB-SP), que destacou o papel do Plano Real na consolidação da democracia brasileira e criticou o atual ajuste fiscal do governo Dilma, a que chamou de “desajustado”, e do ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa Celso Amorim, que discutiu eventos da política externa brasileira em sua gestão.
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* Carolina Araújo é jornalista e faz mestrado em Relações Internacionais na School of International and Public Affairs na Universidade Columbia. Formada em Relações Internacionais pela USP, tem MBA em Gestão de Projetos pela FGV-SP. Trabalhou na Folha de S.Paulo.

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JOTA

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