Decisões do Supremo Tribunal Federal tomadas nos últimos dois anos anteciparam medidas para o sistema prisional que, agora, o próprio tribunal e o governo federal aventam como soluções para as rebeliões sucessivas nos presídios de três estados.
O Supremo determinou, em 2016, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estruturasse um cadastro permanente e informatizado de presos. O tribunal também decidiu que o preso não pode cumprir pena num regime prisional mais grave do que aquele para o qual foi condenado. E a Corte, em decisão motivada pela negligência do Estado em relação aos presos, julgou que a administração pública deve indenizar a família do preso morto dentro do presídio.
Algumas das propostas ainda não foram colocadas em prática, a despeito de decisão judicial, e que surgem redesenhadas, por exemplo, na proposta da ministra Cármen Lúcia de fazer um censo dos presos no país.
Veja o pacote de medidas para o sistema penitenciário discutido pelo STF entre 2015 e 2016:
ADPF 347
Numa situação de “estado inconstitucional das coisas” é preciso que cada um assuma a responsabilidade que lhe cabe. O que não é possível, segundo os ministros ao julgar a ADPF 347, é que a Lei de Execução Penal continue a ser desrespeitada sistematicamente e, com ela, os direitos dos presos.
Em setembro de 2015, ao analisar a ADPF 347, proposta pelo PSOL, o plenário do Supremo julgou que a situação do sistema carcerário brasileiro configura um “estado de coisas inconstitucional” em razão das constantes violações aos direitos humanos, enquanto o Executivo, o Legislativo e o próprio Judiciário não tomam medidas adequadas para solucionar o problema.
Por isso, determinou o STF que os tribunais de todo o país realizassem audiências de custódia para viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no “prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão”.
RE 841.526
Ao julgar o Recurso Extraordinário 841.526, em março de 2016, os ministros decidiram que o Estado tem o dever objetivo de zelar pela integridade física e moral do preso sob sua custódia. Na data, o tribunal assentou que o Estado é responsável – e por isso pode ser condenado civilmente – pela morte de detento em estabelecimento penitenciário quando ficar comprovado que falhou no seu dever de proteger o preso. Relator do processo, o ministro Luiz Fux afirmou que mesmo nos casos de suicídio de presos o Estado pode ser responsabilizado.
A tese fixada ao final do julgamento – e que seria aplicada para 108 casos sobrestados à espera do pronunciamento do STF – foi: “Em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento.”
RE 641.320
O STF também enfrentou a superlotação dos presídios. Em maio de 2016, os ministros decidiram, em sede de repercussão geral, que o condenado deve cumprir pena em regime menos gravoso diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas em regime originalmente estabelecido na condenação penal.
A falta de investimentos do setor público para a abertura de novas vagas no sistema carcerário gerou a demanda ao Supremo: o que fazer quando um réu é condenado a cumprir pena no regime semiaberto mas só há vaga para ele no regime fechado?
O Supremo respondeu: a falta de estabelecimento penal compatível com a sentença não autoriza o Estado a manter a pessoa condenada no regime prisional mais gravoso. Assim, alguém condenado a cumprir pena em regime aberto não poderia ser inserido no semiaberto ou no fechado.
Neste mesmo julgado, o tribunal determinou ainda ao Conselho Nacional de Justiça que apresentasse: “(i) projeto de estruturação do Cadastro Nacional de Presos, com etapas e prazos de implementação, devendo o banco de dados conter informações suficientes para identificar os mais próximos da progressão ou extinção da pena; (ii)relatório sobre a implantação das centrais de monitoração e penas alternativas, acompanhado, se for o caso, de projeto de medidas ulteriores para desenvolvimento dessas estruturas; (iii) projeto para reduzir ou eliminar o tempo de análise de progressões de regime ou outros benefícios que possam levar à liberdade; (iv)relatório deverá avaliar (a) a adoção de estabelecimentos penais alternativos; (b) o fomento à oferta de trabalho e o estudo para os sentenciados; (c) a facilitação da tarefa das unidades da Federação na obtenção e acompanhamento dos financiamentos com recursos do FUNPEN; (d) a adoção de melhorias da administração judiciária ligada à execução penal.”
HC 118.533
O STF também decidiu, em junho de 2016, que o crime de tráfico privilegiado de drogas não tem natureza hedionda, ao contrário do previsto na Lei de Drogas.
O que caracteriza o tráfico privilegiado, conforme a lei 11.343/2006 (art. 33, §§ 1º e 4º), seria o fato de o réu ser primário, apresentar bons antecedentes e não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa. Nestes casos, as penas poderiam ser reduzidas de um sexto a dois terços. Porém, se o crime fosse enquadrado como hediondo, os benefícios não poderiam ser concedidos.
Relatora do processo, a ministra Cármen Lúcia afirmou que o tratamento penal dirigido ao delito “apresenta contornos mais benignos, menos gravosos”. “A própria etiologia do crime privilegiado é incompatível com a natureza hedionda, pois não se pode ter por repulsivo, ignóbil, pavoroso, sórdido e provocador de uma grande indignação moral um delito derivado, brando e menor, cujo cuidado penal visa beneficiar o réu e atender à política pública sobre drogas vigente”, afirmou ela em seu voto.
Ficaram vencidos neste julgamento os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello. O ministro Fux, por exemplo, argumentou que o legislador foi expresso ao tratar o tráfico, em qualquer nível, como crime hediondo.
RE 580.252
O plenário do Supremo deve retomar, este ano, o julgamento do Recurso Extraordinário 580.252, com repercussão geral, em que a Corte decidirá se o Estado deve ser responsabilizado e pagar indenização por danos morais a detentos submetidos a condições sub-humanas, degradantes ou insalubres, em presídios superlotados. Ou se, ao invés de indenizar esses prisioneiros, os danos a eles causados possam ser reparados por meio de remição de dias de pena cumpridos.
Até agora, o relator, ministro Teori Zavascki, e Gilmar Mendes entenderam que o Estado tem responsabilidade civil ao deixar de garantir as condições mínimas de cumprimento das penas nos estabelecimentos prisionais.
O ministro Roberto Barroso concordou basicamente com os votos já proferidos quanto à responsabilização civil do Estado e ao seu dever de indenizar. Contudo, ele propôs que o pagamento de indenização em espécie fosse substituído pela redução progressiva da pena, por analogia com o processo de remição previsto no artigo 126 da Lei de Execução Penal.
O julgamento será retomado com o voto-vista da ministra Rosa Weber.
RE 592.581
O Plenário do STF decidiu, em agosto de 2015, que o judiciário pode determinar ao Executivo – federal, estadual ou municipal – que promova reformas emergenciais nos presídios para garantir a integridade e dignidade dos presos.
A decisão foi tomada no julgamento do RE 592.581, com repercussão geral, interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) contra acórdão do Tribunal de Justiça local (TJRS). A corte gaúcha entendeu que não caberia ao Poder Judiciário adentrar em matéria reservada à Administração Pública.