*Texto atualizado para correção de informação.
O crime de tráfico privilegiado de drogas tem natureza hedionda, em qualquer caso, mesmo que o agente seja primário e não integre organização criminosa? É essa pergunta que os ministros do Supremo Tribunal Federal precisam responder. Até agora, o placar é cinco para considerar o crime hediondo e três no sentido contrário. Mas tudo pode mudar. Isso porque o ministro Edson Fachin, que já tinha votado pela hediondez, decidiu suspender o seu voto para melhor analisar a matéria. 
A discussão gira em torno do Habeas Corpus 118.533, impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de Ricardo Vieira de Souza e de Robinson Ortega, com quem foram apreendidos 772 quilos de maconha. O crime foi descoberto em abril de 2009. Mesmo que o caso analisado não seja o ideal, na voz dos ministros, a tese fala mais alto.
O caso é importante porque, se o crime de tráfico for considerado hediondo, mesmo se privilegiado, seguem as regras: os crimes são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos e o livramento condicional ocorre após o cumprimento de dois terços da pena. Além disso, a progressão de regime ocorrerá depois de cumpridos dois quintos da pena se o condenado for primário.
Nesta quarta-feira (1/6), o ministro Gilmar Mendes, que havia pedido vista, decidiu acompanhar a relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, a favor da defesa do réu na linha de que se tratava do chamado tráfico privilegiado. Para a ministra, em tais casos, os réus devem ter tratamento distinto daqueles que comandam a organização criminosa. E, nesse caso, poderiam ser beneficiados por dispositivo da Lei das Drogas que prevê a redução de pena, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, e não integre organização criminosa. Ela foi acompanhada por Roberto Barroso.
O ministro Edson Fachin foi quem abriu a divergência e votou pela natureza hedionda do crime. Até então, para Fachin,  além da grande quantidade de drogas estocada, a razão está com o STJ, que se mostrou “atento” à cláusula pétrea do artigo 5º da Constituição e à antiga jurisprudência do STF. Isto é, mesmo havendo causa de diminuição de pena – com base na própria Lei das Drogas (Lei 11.343/2011) – deve ser tido como hediondo o crime de tráfico de entorpecentes conforme previsão explícita da Constituição (artigo 5º, inciso 43).
Ainda que sem uma decisão final, a discussão foi longa e a ministra Cármen Lúcia e o ministro Ricardo Lewandowski citaram dados alarmantes sobre a situação do sistema prisional do Brasil.
Cármen Lúcia afirmou que a nova lei de tóxicos impulsionou crescimento da população carcerária feminina.  No período de 2005 a 2014, a quantidade de pessoas presas condenadas por tráfico de drogas (homens ou mulheres) cresceu 340%. Quando se faz o recorte de gênero, percebe-se que, no mesmo período, o número de mulheres presas condenadas por tráfico de drogas aumentou em aproximadamente 600%.
Além disso, os dados mais recentes apontam que atualmente, 68% das mulheres encarceradas no Brasil estão detidas por delitos de drogas, número proporcionalmente três vezes maior que o de homens detidos pelos mesmos delitos.
Os dados são do memorial elaborado pelo Conectas Direitos Humanos, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). <a href="/wp-content/uploads/2016/06/Memoriais-HC-Privilegiado-118533-jpg.pdf" target="_blank">Clique para ler os memoriais. </a>
Já o ministro Ricardo Lewandowski apontou que a população de condenados por crime de tráfico ou associação ao tráfico é algo em torno de 80 mil pessoas - “em grande maioria mulheres que tenham experimentado uma sentença com reconhecimento explícito do privilegio”, afirmou. “É uma questão dramática. É uma questão de política criminal”.
O ministro explicou que a maioria das mulheres condenada por tráfico de drogas foram induzidas ao crime por motivos íntimos, familiares e sentimentais, muitas em razão da crise econômica, depois de ficar desempregadas.
Lewandowski explicou ainda que, segundo dados no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), se a decisão do Supremo for no sentido de concessão da ordem, isso é, negar a natureza hedionda do crime e conceder o HC aos réus, a consequência será a libertação imediata de 45% das mulheres presas atualmente.
O ministro Dias Toffoli afirmou que teme que, se afastada a natureza hedionda, as organizações criminosas vão começar a atrair pessoas com bons antecedentes para correr o risco de estar “se aventurar no ilícito”.
Marco Aurélio concordou: “Recuso-me a entender que um crime pode ser privilegiado. É um apelido dado pela jurisprudência”, disse.
Após ouvir a discussão no plenário, principalmente as considerações da ministra Cármen Lúcia, o ministro Edson Fachin pediu vista dos autos e que o seu voto seja suspenso para analisar a matéria novamente. Ele foi quem abriu a divergência alegando que o crime de tráfico de drogas privilegiado deve sim ser considerado hediondo.
Fachin considerou que “o tema tem repercussão imensa e o um impacto inegavelmente imenso sobre o sistema carcerário”.  Com isso, o julgamento foi adiado até que o ministro traga seu voto ao plenário.
Após essa manifestação de Fachin, os ministro Marco Aurélio Mello, Rosa Weber  e Gilmar Mendes gostaram da ideia e aguardam a próxima discussão.
Por enquanto, o placar está 5 x 3 a favor da natureza hedionda do crime de tráfico de drogas. A relatora Cármen Lúcia, e os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes  votaram pela concessão da ordem, ou seja, para conceder o HC aos réus e entenderam que o crime de tráfico, quando privilegiado, não é hediondo.
Do outro lado, os ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli votaram pela não concessão do HC e, portanto, pela natureza hedionda do crime.

Prisoner behind jail bars

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Se resposta for "não", 45% das mulheres presas podem ser soltas

Tráfico privilegiado de drogas é hediondo em quaisquer circunstâncias?

Se resposta for "não", 45% das mulheres presas podem ser soltas