Redação JOTA

Como a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre tráfico privilegiado e crimes hediondos altera a política de combate às drogas no Brasil? E como explicar a mudança de jurisprudência no julgamento do Habeas Corpus 118.533, impetrado pela Defensoria Pública da União?
Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos, afirma que a decisão do Supremo foi sensível com a situação das “vítimas da política de guerra às drogas no Brasil”.
“O Supremo acertadamente reconheceu que a sistemática constitucional dos crimes hediondos deve ser sempre interpretada da maneira mais restrita possível, por sua destinação declarada às condutas mais repulsivas humanamente possíveis”, afirmou em entrevista ao JOTA.
Como a decisão do Supremo impactará a política antidrogas que vinha sendo aplicada?
O STF está de parabéns. A maioria dos ministros soube harmonizar dois elementos importantes para o debate: sensibilidade com as vítimas da política de guerra às drogas no Brasil e a melhor interpretação da lei e da Constituição Federal. Hoje o mundo todo rediscute os parâmetros da política de guerra às drogas, que se mostrou ineficiente, ineficaz e violenta. O Judiciário não pode se alienar deste debate, e os ministros e ministras demonstraram hoje estarem atentos às mazelas que esta guerra tem gerado no país. É um passo importante para novas questões, como a descriminalização do uso de drogas, também sob análise no Supremo.
A Constituição é expressa em proibir a concessão de graça ou benefício para quem for condenado por tráfico. Por que o Supremo pôde entender de forma distinta?
O que se discutiu é se  o(a) condenado(a) por tráfico privilegiado - ou o chamado pequeno tráfico - deve ter um tratamento excepcional no regime de cumprimento de penas como o previsto na lei dos crimes hediondos ou se submete ao regime de cumprimento de pena comum. O Supremo acertadamente reconheceu que a sistemática constitucional dos crimes hediondos deve ser sempre interpretada da maneira mais restrita possível, por sua destinação declarada às condutas mais repulsivas humanamente possíveis. Se o direito penal é a "ultima ratio" do sistema jurídico, as condutas hediondas são ainda mais raras e exceções a qualquer regra. Se o legislador entendeu que o tráfico privilegiado não é uma conduta tão abjeta assim - tanto que nestes casos há forte redução da pena - não faria sentido que na hora de se decidir qual o regime de cumprimento da pena se optasse pelo mais gravoso, o hediondo.
Como a decisão impacta, especialmente, a situação de mulheres presas?
O efeito das políticas de drogas sobre as mulheres é um dos maiores problemas no Brasil. Desde a exploração de seu trabalho por organizações criminosas até o consequente super-encarceramento dessa população. O perfil padrão da mulher detida por tráfico de drogas é aquela carregando pequenas quantidades de drogas e sem passagem anterior pela polícia, em atividade de complementação de renda. Não exercem controle sobre o mercado, repartindo seus lucros e controlando a distribuição, por exemplo, mas apenas papel acessório, secundário. É exatamente a configuração do tráfico privilegiado. Logo, ao entender que essas mulheres se submetem ao regime de cumprimento de pena comum, o impacto é grande - e, diga-se, que ótimo que seja assim.
Uma alteração como esta poderia muito bem ter sido feita pelo Congresso Nacional. Por que o Supremo se viu compelido a tal?
O mundo caminha em sentido oposto à lógica de guerra às drogas. Seria lamentável ver o Supremo na contramão da história. Acredito sinceramente que os ministros e ministras exerceram hoje  o papel que se espera de uma Corte Constitucional, reafirmando os princípios da dignidade e da individualização da pena e garantindo que ninguém será submetido a práticas de tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
E como analisa o fato de o Supremo ter dado uma guinada em meio ao julgamento? 
De duas formas: acho que mostrou a importância da participação da sociedade civil que, atenta ao debate e às mazelas da política de drogas brasileira, soube incidir no processo através de dados, estatísticas, estudos comparados, etc, para que os ministros e ministras se sensibilizassem sobre o impacto de uma decisão mais conservadora. O segundo elemento é reconhecer que os ministros e ministras foram corajosos ao exporem mudanças de entendimento diante deste elementos. Deram abertura para outros olhares, não se agarrando em preconceitos.

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JOTA

Uma entrevista com o coordenador do programa de Justiça da Conectas.

Como a decisão do STF impacta a política antidrogas?

Uma entrevista com o coordenador do programa de Justiça da Conectas.