Felipe Recondo

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode retomar hoje o julgamento da constitucionalidade do Estatuto da Criança e do Adolescente que classifica como infração administrativa a transmissão de programa de televisão em horário diverso do autorizado pelo governo. Até o momento, quatro ministros votaram pela inconstitucionalidade do artigo 254 da lei 8.069, de 1990.
Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o jornalista e advogado uruguaio Edison Lanza, afirma que é preciso compatibilizar a liberdade de expressão com o que previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos.
“No meu julgamento, a existência de uma classificação indicativa para que os pais possam controlar o acesso das crianças a conteúdos potencialmente complicados para sua idade e um horário para excluir determinados conteúdos vinculados à pornografia ou à violência extrema cumpre estritamente os artigos 13.1 e 13.4 da Convenção, ao mesmo tempo em que se complementa com o cumprimento das obrigações que tem o Estado ao ratificar a Convenção sobre os Direitos da Criança”, afirmou em entrevista ao JOTA.
O texto da convenção estabelece: “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha”.
E acrescenta: “A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência (...)”.
Abaixo, a íntegra da entrevista.
Qual a posição da CIDH sobre a classificação indicativa?
Até o momento, a CIDH não se pronunciou de modo específico sobre o tema da classificação indicativa. Neste momento, a Relatoria para a Liberdade de Expressão e a Relatoria sobre os Direitos da Infância estão começando a trabalhar em um informe temático sobre Infância, Liberdade de Expressão e Meios de Comunicação. Não obstante, o artigo 13 da Convenção Americana, que estabelece o conteúdo e o alcance dessa liberdade, estabelece o princípio geral em virtude do qual a liberdade de expressão não possa estar sujeita à prévia censura, mas a responsabilidades ulteriores fixadas sob condições estritas (legalidade, objetivos legítimos e autorizados pela Convenção e necessidade). É importante destacar que a única hipótese de censura prévia está estabelecida no artigo 13.4 da Convenção e se refere à possibilidade de regular o acesso aos espetáculos públicos para a proteção da infância e da adolescência.
Uma pergunta que o ministro Toffoli fez em seu voto: "Como compatibilizar a defesa da criança e do adolescente contra a exposição a conteúdos inapropriados veiculados em diversões públicas e programas de rádio e de televisão com a garantia constitucional da liberdade de expressão?"
Sem dúvidas a liberdade de expressão é a pedra angular do sistema democrático e tem uma dimensão individual e coletiva que alcança os meios de comunicação televisivos, em tantos veículos para o exercício dessa liberdade. No entanto, a liberdade de expressão não é um direito absoluto, e como vimos na pergunta anterior, a regulação do acesso de crianças e adolescente a espetáculos públicos supõe a necessidade de compatibilizar a liberdade de expressão e a proteção dos direitos das crianças e adolescentes. No meu julgamento, a existência de uma classificação indicativa para que os pais possam controlar o acesso das crianças a conteúdos potencialmente complicados para sua idade e um horário para excluir determinados conteúdos vinculados à pornografia ou à violência extrema cumpre estritamente os artigos 13.1 e 13.4 da Convenção, ao mesmo tempo em que se complementa com o cumprimento das obrigações que tem o Estado ao ratificar a Convenção sobre os Direitos da Criança. É uma limitação que abarca apenas alguns conteúdos e não os exclui da televisão, mas apenas de determinado horário. Podem ser exibidos perfeitamente em horas que se entenda que as crianças não estarão diante da televisão.
Por outro lado, por que impor às emissoras de TV uma limitação como esta?
As emissoras de televisão exploram um patrimônio público e o Estado pode regular certos aspectos dessa exploração e pode impor certas cargas sempre que estas cumprirem com o teste que vimos na primeira pergunta. Ao fazê-lo, têm de respeitar as exigências da liberdade de expressão. Mas não entendo como o fato de advertir os espectadores das características dos conteúdos que a televisão emite, os efeitos de indicar a pais e crianças as implicações desses conteúdos, pode limitar a liberdade de expressão das empresas.
Delegar ao Ministério da Justiça esta definição classificação indicativa é uma boa solução ou a CIDH sugere aperfeiçoamentos ou alterações?
A lei deveria conter todos os elementos necessários para estabelecer com clareza quais são as limitações mínimas e necessárias à liberdade das empresas emissoras. Dentro desses limites, aspectos secundários poderiam ser objeto de uma regulamentação ministerial, cumprindo, claro, com os princípios de hierarquia da lei.
Que outros preceitos fundamentais seriam descumpridos caso o Supremo declare a inconstitucionalidade da classificação indicativa?
Creio que o Supremo tem de fazer um controle da convencionalidade ao decidir sobre os direitos fundamentais. Nesse caso, acredito que estará em jogo a própria aplicação dos standards do sistema interamericano de direitos humanos em relação à aplicação de distintos componentes, tanto do artigo 13 da Convenção como da Convenção sobre os Direitos da Criança.
Como podemos comparar a legislação brasileira com o que há em outros países?
As democracias mais longevas e sólidas como as de alguns países europeus e dos Estados Unidos são muito mais exigentes que a lei brasileira em relação à regulação desses temas. Para começar, contemplam um horário de proteção à infância dentro da qual se limitam alguns conteúdos obscenos ou o uso de vocabulário adequado. Também existe nesses países fortes marcas para anunciar o que vamos ver. Na América Latina, as legislações mais modernas, da Argentina e do Uruguai, por exemplo, contemplam temas vinculados ao horário de proteção à proteção da intimidade e outros aspectos da dignidade das crianças – e fizeram isso buscando cumprir com o teste do artigo 13.2 da Convenção Americana.
Não caberia somente aos pais e responsáveis controlar o que as crianças e adolescente assistem na TV?
Não é esse o raciocínio que segue o Direito Internacional dos Direitos Humanos. A Convenção sobre os Direitos da Criança foi ratificada por 193 países e você pode imaginar que é fonte de obrigações internacionais para os Estados. Essa convenção estabelece obrigações de promover e proteger os direitos das crianças para a família, mas também para o Estado e para as empresas de comunicação. Nesse sentido, busca-se uma auto-regulação sempre que possível referida aos conteúdos nos meios e uma co-regulação em aspectos de proteção mínimos. Inclusive, há vários modelos vinculados à proteção da infância em temas informativos, mas também de publicidade. Para colocar dos exemplos, na Dinamarca se optou pela co-regulação sobre a publicidade dirigida às crianças e na Suécia foi proibida diretamente a publicidade dirigida a crianças menores do que nove anos porque eles pensam que, nessa idade, as crianças não podem discernir se o brinquedo de seu desenho favorito o incita a comer determinada guloseima. E isso digo sem intenção de me inclinar por nenhum dos modelos, mas sim para expor que as democracias modernas envolvem o Estado nesses temas.

Edison_Lanza

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JOTA

Advertir os espectadores do conteúdo de programas não limita a liberdade de expressão, diz jornalista Edison Lanza.

Classificação indicativa combina liberdade de expressão e proteção à criança, diz representante da CIDH

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