Iuri Dantas

A aprovação de requerimentos de Termo de Compromisso de Cessação (TCC), que usualmente não provocam grandes debates no plenário do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) fugiram da rotina na sessão desta quarta-feira (22/6).
Os conselheiros deram aval a um dos acordos, mas com ressalvas na redação de seus votos. A situação indica claramente que o movimento de aumento nos valores das punições impostas pelo Cade - iniciado com a chegada dos conselheiros João Paulo Resende e Cristiane Alkmin ao colegiado no ano passado - continua a ganhar força.
Ao analisar o requerimento de TCC em um processo que investiga cartel na venda de sistemas térmicos automotivos, João Paulo Resende disse considerar que os termos propostos pela Superintendência Geral, responsável pela apuração do cartel, "não guardam proporcionalidade com a vantagem auferida".
A empresa admitiu a prática de cartel e aceitou pagar uma contribuição de R$ 24 milhões para evitar uma multa maior, caso condenada, além de se comprometer a não praticar mais a conduta.
"A tradição de mesmo nos casos mais lesivos evitarmos punições mais duras deve ser enfrentada", afirmou. "Meu sentimento é que cartéis de longa duração devem ser condenados com o máximo rigor."
No caso específico, a SG propôs como referência para cálculo da contribuição pecuniária das empresas no acordo uma alíquota de 13% do faturamento da empresa no ano anterior ao início da conduta anticompetitiva.
Citando os agravantes de que a empresa participou de um cartel hardcore, por mais de 11 anos, Resende afirmou que "seria razoável uma alíquota de 20%".
A título de ilustração, ele afirmou que um adicional de 1 ponto percentual por ano de funcionamento do cartel, a partir da alíquota mínima de 15% - o que resultaria em um percentagem de 26%, acima do máximo previsto em lei de 20%. Mas deixando claro que se tratava de um exercício teórico para ilustrar seu argumento.
Sinalização para futuros TCCs
Resende ressaltou que não votaria contra a proposta de TCC, sob análise do plenário naquele momento, por não ter sinalizado anteriormente sua postura mais rígida em relação aos termos propostos pela SG, mas ressaltou que passaria a exigir novos parâmetros em acordos futuros para que pudesse votar a favor.
Em seguida, a conselheira Cristiane Alkmin afirmou que também votaria a favor da homologação do TCC, mas acompanharia João Paulo Resende nas ressalvas sobre o valor negociado com a empresa.
"Acho importante a gente entender melhor esses valores e colocá-los sempre em função do dano", afirmou. "Em um cartel dessa magnitude, talvez a contribuição pecuniária tenha ficado aquém."
Os dois conselheiros, economistas de formação, insistem desde o início de seus mandatos que é preciso evoluir na punição de cartéis, de modo a levar em conta o dano causado à sociedade ou a vantagem obtida pelas empresas com a conduta anticompetitiva - vista como a mais grave do ordenamento jurídico antitruste.
O debate não é novo e contamina autoridades concorrenciais em praticamente todos os países. Em locais como os Estados Unidos e a União Européia há o cálculo do dano causado, a partir de critérios definidos em manuais públicos e conhecidos.
Por outro lado, muitos dos que atuam na área reconhecem a complexidade deste tipo de cálculo e advogados reclamam nos bastidores que isso não está expressamente previsto na Lei do Cade (Lei 12.529), o que abriria margem para maior judicialização das decisões do Cade.
Tradição e jurisprudência do conselho
Depois dos comentários de Resende e Alkmin, seguiu-se forte debate no Plenário. O conselheiro Gilvandro Vasconcelos de Araújo reagiu ao comentário de que a proposta de TCC teria ficado "aquém" do necessário.
"Estamos adstritos a alguns parâmetros que não podemos ultrapassar por vontade ou desejo de alguém, além dos parâmetros da lei", afirmou.
O conselheiro Alexandre Cordeiro disse entender a posição de João Paulo Resende. "E até gosto da idéia".
Mas insistiu que é preciso fazer uma interpretação "sistêmica" e não "gramatical" da norma que prevê que o Cade levará em conta o dano causado pelo cartel.
"Daí ponderar e aplicar sanção com efeito dissuasório, se penalidade ultrapassa esse efeito é ilegal", disse. "Não conheço caso [no Cade] em que é feito de forma desproporcional, nem aquém, nem além."
O conselheiro Paulo Burnier argumentou que o programa de TCC do Cade é reconhecido por diversos países e vem amadurecendo. Segundo ele, trata-se de "ongoing process", "o que não significa que não possa e não mereça ser aprimorado".
"O programa, como foi desenhado e pensado de maneira muito consciente, foi debatido de maneira muito profunda", disse. "Aquilo que foi apresentado representa amadurecimento da politica de acordo, para trazer transparência e previsibilidade."
Presidente-interino do Cade, Márcio de Oliveira Junior avaliou que é possível avançar no sentido proposto por João Paulo Resende. Mas sugeriu que qualquer mudança deveria começar por punições e somente depois evoluir para exigências em negociações de TCC.
"Se o Plenário sinalizar que a alíquota é inaceitável, a SG negociará uma alíquota mais alta", ponderou. "A relação de causalidade é inversa. Acho que não podemos começar a usar ideia de multa esperada por dano em TCC, temos que usar quando possível em caso de condenação. depois da consolidação dessa ideia aí sim o uso disso para os TCCs."

Cade

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Cade aprova acordos em cartel, mas sinaliza endurecimento em multas

Análise gerou debate no Plenário