O bloqueio do WhatsApp pela Justiça é inconstitucional, fere o direito à livre expressão e livre iniciativa e é vedado pelo Marco Civil da Internet. Os argumentos são da defesa do aplicativo de troca de mensagens, e foram apresentados ao Supremo Federal Tribunal (STF).
Os pontos constam em memoriais entregues pelo WhatsApp na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403, de relatoria do ministro Edson Fachin. A ação foi proposta em 2016, depois de um juiz de Lagarto (SE) determinar o bloqueio do aplicativo.
O processo discute a possibilidade de juízes determinarem o bloqueio de ferramentas como WhatsApp. Diante da polêmica, o Supremo decidiu debater a questão em audiência pública. Apesar de não ser parte no caso, o aplicativo se adiantou, e defendeu que em situação alguma a suspensão poderia ocorrer.
Quatro vezes
No Brasil, o bloqueio do aplicativo já foi determinado pela Justiça em quatro situações, apesar de apenas três terem resultado na suspensão efetiva do serviço de troca de mensagens. As medidas foram resultado de suposta recusa do WhatsApp em colaborar com investigações policiais, se negando a repassar conversas de usuários.
A última tentativa de suspensão partiu da 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias (RJ) em julho de 2016, após o aplicativo alegar que não poderia repassar conversas de investigados em uma ação criminal. A juíza Daniela Barbosa de Souza, que solicitou as informações, utilizou o Marco Civil da Internet para fundamentar o pedido de bloqueio.
“A finalidade pública da persecução criminal sempre deverá prevalecer sobre o interesse privado da empresa em preservar a intimidade e privacidade de seus usuários, assim como também deverá prevalecer sobre os interesses desses últimos, sobretudo quando são investigados por praticarem crimes”, afirmou a juíza, no na decisão em que determinou a suspensão do aplicativo.
O bloqueio foi derrubado pelo ministro Ricardo Lewandowski na ADPF 403, de autoria do Partido Popular Socialista (PPS). A ação foi ajuizada em maio de 2016, após outro juiz, de Lagarto (SE) pedir a suspensão do aplicativo de mensagens. Com a liminar, porém, o partido pediu providências sobre a demanda que partiu de Duque de Caxias.
Ao julgar o pedido, Lewandowski afirmou que a suspensão parece “violar o preceito fundamental da liberdade de expressão aqui indicado, bem como a legislação de regência sobre o tema. Ademais, a extensão do bloqueio a todo o território nacional, afigura-se, quando menos, medida desproporcional ao motivo que lhe deu causa”.
Analisado o pedido liminar do PPS, resta ao STF julgar o mérito da ADPF: a possibilidade de suspensão judicial do WhatsApp. Para a defesa do aplicativo, a prática é inconstitucional.
Marco Civil
Em seus memoriais, o WhatsApp defende que, ao contrário do que alegaram os juízes, o Marco Civil da Internet não pode ser utilizado como base para um pedido de bloqueio. “Não há nada no Marco Civil da Internet que permita a suspensão do acesso dos usuários a um aplicativo, como ocorreu nas ordens de bloqueio até agora”, afirma o documento.
De acordo com o WhatsApp, o artigo 12 da norma permite a “suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no artigo 11”. O artigo 11, por sua vez, prevê que “qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, dados pessoais ou de comunicações” deverá respeitar a legislação brasileira.
Para a defesa do aplicativo, não há prova de ilegalidades em operações de coleta ou armazenamento de registros, e por isso o dispositivo não poderia ser aplicado. Além disso, para a companhia, o artigo 7º do Marco Civil vedaria a possibilidade de bloqueio ao definir que é direito do usuário a “não suspensão da conexão à internet”.
Liberdade de expressão
Além de citar pontos do Marco Civil da Internet, a defesa do WhatsApp sustenta que os bloqueios violam o princípio constitucional da liberdade de expressão. Para a companhia, isso ocorre mesmo existindo no mercado outros aplicativos de trocas de mensagens.
“Mesmo que os usuários, após algum tempo, tenham a habilidade de identificar, acessar e usar um provedor de comunicação alternativo, isso não permite se expressem como o fariam por meio do WhatsApp”, defende a companhia. Segundo a empresa, outros aplicativos terão, por exemplo, base de usuários diferentes.
Ainda de acordo com a defesa do aplicativo, a suspensão da troca de mensagens fere o direito do WhatsApp à livre iniciativa, à livre concorrência e à igualdade, já que a companhia não poderia competir em pé de igualdade com aplicativos que não estão bloqueados.
Por fim, o WhatsApp alega que as ordens de bloqueio são ineficazes. “Elas não servirão ao objetivo de auxiliar nas investigações policiais porque os criminosos simplesmente migrarão para outras plataformas de mensagens criptografadas”, afirma a defesa.
Para a companhia, nesses casos seria mais eficaz, por exemplo, a obtenção de ordens judiciais de busca e apreensão de celulares, a realização de interrogatórios, acordos de delação, etc.
Audiência Pública
Apesar da relevância do tema, ainda deve demorar a decisão final do Supremo na ADPF 403. O processo será alvo de uma audiência pública, que ainda não tem data para ocorrer.
No despacho em que determinou a realização da audiência, o ministro Fachin salientou que o evento seria importante porque os assuntos tratados na ADPF “extrapolam os limites estritamente jurídicos e exigem conhecimento transdisciplinar a respeito do tema”. Além das partes do processo, serão ouvidos especialistas no tema e a Polícia Federal.
A audiência tratará também da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.527. De relatoria da ministra Rosa Weber, o processo discute a regularidade de artigos do Marco Civil da Internet que têm servido de fundamentação para decisões judiciais que determinam a suspensão do WhastApp.
Leia aqui o memorial entregue pelo WhatsApp ao Supremo.
