Felipe Seligman

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu na última quinta-feira (16) a transmissão ao vivo dos julgamentos do tribunal pela TV Justiça,  afirmou que o aumento da discricionariedade judicial é consequência de um mundo cada vez mais complexo e argumentou que todo juiz é influenciado por três fatores: o arcabouço legal objetivo, sua visão de mundo subjetiva e questões institucionais, como a relação entre os poderes e pressão social.
Barroso participou de um evento na Faculdade de Direito de Harvard, em Cambridge (EUA), onde dialogou com Mark Tushnet, professor de direito constitucional e história do direito, sobre o papel das Supremas Cortes em democracias contemporâneas.
O assunto é muito atual no Brasil, que a todo momento vê o STF (Supremo Tribunal Federal) tomar as rédeas das grandes discussões nacionais, sejam elas econômicas, políticas ou de costumes, mas também aflige o resto do mundo, que também vê grandes questões chegarem e serem resolvidas por suas respectivas Supremas Cortes. Todos tentam responder a algumas perguntas comuns: por quê isso ocorre? Quais são os limites e, já que é assim, o que influencia a atuação de um magistrado ou uma magistrada?
Barroso apresentou seus argumentos e reflexões que, em tese, se aplicam a todos os países. Antes de entrar nelas, vale observar o quanto uma questão bem específica à realidade brasileira chamou tanta atenção dos americanos: a TV Justiça.
Quem estuda Direito comparado nos Estados Unidos sente um misto de encantamento, surpresa e choque ao saber que as deliberações do Supremo brasileiro não só acontecem publicamente, mas são transmitidas ao vivo pela TV e pela internet. Nos Estados Unidos, apenas a fase de sustentação oral é pública, e mesmo assim com fortes restrições à elaboração de imagens e gravações.
Não à toa, Mark Tushnet iniciou sua participação fazendo exatamente essa pergunta. Com uma realidade tão diferente, ele queria saber, afinal, como isso afeta as decisões da Corte e o comportamento do ministro.
Barroso começou com uma brincadeira: “É esquisito, mas é bom, pois você fala para sua mulher que está indo trabalhar e ela pode verificar na televisão se de fato vocês está lá”, disse, provocando risos aos alunos de Harvard. Mas passou logo a defender a existência  da TV Justiça para um país como o nosso.
“Na imaginação social Brasileira, coisas horríveis acontecem quando as portas estão fechadas, e isso muitas vezes é verdade”, afirmou. “Então, é muito bom que as discussões ocorram publicamente em países em que existe uma tradição das elites de conspirarem contra a população”. Para Barroso, a TV Justiça permite que a sociedade civil brasileira possa controlar e tirar sua própria conclusão, sem o intermédio de terceiros, como a própria imprensa.
Barroso, no entanto, diz que é preciso cuidado para não se apaixonar pelo reconhecimento popular e acabar se alinhando com o pensamento majoritário e afirma que já existem estudos acadêmicos mostrando que os votos dos ministros se tornaram muito mais longos após a inauguração da TV Justiça. “O que é um erro, pois qualquer diretor de TV recomendaria o oposto, diria que menos é mais”.
Mundo complexo
Para Luís Roberto Barroso, a judicialização da vida é um fenômeno global. Não só no Brasil - que acabou por ter a última palavra sobre temas tão diversos como o rito processual do impeachment da presidente da República, o afastamento do presidente da Câmara ou o casamento de pessoas do mesmo sexto - mas em tantos outros países.
“Nos Estados Unidos, foi a Suprema Corte que decidiu as eleições de 2000, recentemente validou uma drástica interferência no sistema prisional da Califórnia ou também garantiu o casamento de pessoas do mesmo sexo”, disse o ministro. “Em Israel, foi a Suprema Corte que deu a última palavra sobre a construção de um muro na fronteira com a Palestina. Na Coréia do Sul, foi a Suprema Corte que derrubou  decisão sobre impeachment do presidente da República. No México, foi a Suprema Corte  que facilitou a legalização da maconha. Na África do Sul, foi a Corte Constitucional que declarou inconstitucional a pena de morte.”
Barroso diz que todas essas questões criam pressões e tensões entre a política e a justiça, mas que são fruto de uma complexidade cada vez maior da vida moderna, o que acaba exigindo dos tribunais “soluções criativas” para lidar com esse mundo complexo.
“Em sociedades complexas, não existe uma maneira de antecipar e resolver os problemas somente com a letra fria da lei. Em muitas situações da vida, não existe solução pré-pronta numa lei ou em um precedente”, afirmou, citando alguns exemplos:
“Pode um casal surto-mudo, a partir de uma engenharia genética, escolher pela geração de uma criança surdo-muda, para que ela herde o mesmo universo existencial dos pais? Ou então pode uma mulher engravidar usando um  esperma de seu marido morto que estava congelado em um banco de esperma? Ou ainda, citando agora um caso de São Paulo, onde uma mulher chegou ao topo de uma fila para receber um transplante de fígado e passou por cirurgia, assim quem um fígado estava disponível. A fila andou e um homem se tornou o próximo a receber. Quando um novo fígado ficou disponível, aquela mulher teve complicações, pois seu corpo rejeitou o novo órgão e entrou com um pedido de um novo. Quem tem direito ao fígado recém disponibilizado nessas circunstâncias? Percebam que nesse caso, o juiz está atuando praticamente como Deus, decidindo quem vive e quem morre?”
Todos casos reais, segundo o ministro, são exemplos de um mundo cada vez mais complexo, que provoca o aumento da discricionariedade judicial.
O que influencia a decisão judicial? 
A partir do momento em que se reconhece a discricionariedade do magistrado ou magistrada no processo decisório, torna-se necessário compreender os fatores que definem essas decisões. Há, segundo Barroso, dois extremos: o formalismo, de um lado, e o realismo legal, de outro. Para o ministro, no entanto, no meio desses extremos existem três fatores que influenciam a decisão de uma corte.
1) O “modelo legalista” - ou simplesmente o arcabouço legal, doutrinas, conceitos fundamentais e precedentes.
2) O “modelo de atitude ou ideológico” - “juízes e juízas são inevitavelmente influenciados por suas visões de mundo, suas crenças pessoais, seus pontos de vista específicos. Claro que um juiz não pode ser partidário, mas como qualquer outra pessoa, ele tem uma concepção do que é bom e justo, que será apresentando, conscientemente ou inconscientemente, em suas decisões”, explica o ministro.
E 3) O “modelo institucional”. Para Barroso, são os fatores externos ao processo, às leis e à própria subjetividade do magistrados. “Tais fatores incluem a relação entre os poderes de governo; as influências da sociedade organizada, da mídia e da opinião pública; e o entendimento de que as decisões serão cumpridas.”
Foro Privilegiado 
Mas, mesmo com tanto espaço para deliberação judicial, Barroso defende limites claros para uma Suprema Corte. Em Harvard ele voltou a defender o fim do foro por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado. Para o ministro, não existe lado bom em julgar políticos em um Suprema Corte. “Se os trabalhos vão bem e a gente consegue julgar todos os casos, cria-se uma tensão grande entre a Corte e os políticos. Se os trabalhos não vão bem e os casos não são julgados, cria-se uma tensão com a sociedade”, afirmou Barroso.
Elogio público
Ao fim, o ministro recebeu um elogio do professor Mark Tushnet. Dirigindo-se a seus alunos americanos, ele disse: “aproveitem essa oportunidade pois o ministro Luís Roberto Barroso é um grande constitucionalista, é como se vocês tivessem frente a frente com William Brennan”. Brennan foi um ministro da Suprema Corte americana entre 1956 e 1990. Ele teve um papel de liderança importante durante o período chamado de Warren Court, quando as decisões da Suprema Corte foram guiadas por uma maioria liberal, sob o comando de Earl Warren, promovendo uma série de decisões que promoviam direitos civis e individuais, como o fim da segregação racial nas escolas americanas (Brown v. Board of Education) ou o casamento interracial (Loving v. Virginia).
Luís Roberto Barroso, respondeu com uma frase de José Ortega y Gasset, já usada por ele anteriormente em <a href="http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/06/1301377-luis-roberto-barroso-bem-justica-e-tolerancia.shtml?loggedpaywall">artigo</a> publicado na Folha de S. Paulo no dia de sua posse como ministro do Supremo Tribunal Federal: “Entre o querer ser e o crer que já se é, vai a distância entre o sublime e o ridículo”.
No fim, o ministro também apresentou sua visão sobre a busca por equilíbrio constante: “Viver é como se equilibrar em uma corda bamba, fazendo escolhas a cada passo. Algumas vezes, as pessoas na audiência pensam que o acrobata está voando. Eu não vejo problema nisso, afinal de contas a vida é feita de certa ilusão. No entanto, o acrobata precisa saber o tempo todo que ele está se equilibrando, pois no segundo em que ele pensar que está voando, ele cairá. E na vida real, não existe rede de proteção”.

Langdell Hall, Harvard Law School, Cambridge, MA

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JOTA

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