Felipe Recondo

Morreu hoje o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Paulo Brossard, aos 90 anos. Nascido em Bagé (RS), em 23 de outubro de 1924, foi deputado estadual, deputado federal e senador pelo MDB, consultor-geral da República e ministro da Justiça antes de ser nomeado pelo então presidente José Sarney ao Supremo em fevereiro de 1989.
Como político, foi favorável ao golpe de 64. Dizia: “o movimento de 31 de março de 1964 teve inspiração declaradamente democrática. Objetivava ‘restaurara democracia’ e ‘garantir os poderes constitucionais’”, repetindo as palavras do presidente Castello Branco.
Depois, com a ditadura instaurada, notabilizou-se pela oposição ao arbítrio, como definia. Em discursos longos e contundentes, muitas vezes contraditados pelo adversário governista Jarbas Passarinho, atacou os desmandos do governo militar e pediu o fim do regime. Discursos que ele recitava de memória sempre que o questionavam sobre o assunto.
Indicado pelo presidente Sarney para o STF, o ministro Paulo Brossard sempre recordava que foi ele o primeiro candidato à Corte a ser sabatinado pelo Senado antes de ter o nome aprovado. Afirmava que a longa experiência como político ajudou-o a vencer a etapa no Congresso.
Foi empossado no STF pelo seu aluno de faculdade e amigo pessoal, o presidente do STF na época, ministro Néri da Silveira. Passou cinco anos na Corte e aposentou-se aos 70 anos. Permaneceu na Corte por cinco anos, até completar os 70 anos de idade.
Antes de despedir-se do tribunal, enviou uma carta ao também amigo, o presidente da República Itamar Franco, pedindo que escolhesse para a vaga que deixava no STF alguém melhor do que ele.
“Ita, querido amigo”, começava Brossard na carta de 30 de dezembro de 1992. “Com a liberdade nascida do afeto, quero fazer-te um pedido, impessoal e em benefício do país”, continuava.
“Uma das mais altas atribuições confiadas ao chefe do Estado, ao seu critério, sabedoria e patriotismo, reside na escolha dos magistrados superiores da República, precipuamente do mais alto deles. No teu governo haverá pelo menos uma vaga no Supremo Tribunal Federal. A partir de 5 de abril de 94 eu poderei aposentar-me; chegando o dia 23 de outubro, querendo ou não, serei aposentado. De modo que, se outros não forem os decretos da Providência, uma vaga ocorrerá no Supremo e a ti caberá provê-la. Tens bem mais de ano, por conseguinte, para pensar no assunto. Exatamente para que não sejas surpreendido, em meio ao alude de problemas e preocupações, é que, com antecedência, te dou a notícia”.
Em seguida, um alerta: “Pode ocorrer que surjam candidatos, mas é preciso não esquecer que ninguém, por mais eminente que seja, tem direito de postular o cargo, que se não pleiteia, e aquele que o fizer, a ele se descredencia; seu provimento é entregue à integridade, descortino e senso de responsabilidade do presidente da República, sujeito apenas ao prazme do Senado Federal”.
Por fim, o pedido: “Pensando no ilustre do teu governo, faço esta lembrança para que possas melhor cumprir essa delicada função, “entre todas melindrosa e sagrada”, no dizer de Rui. Eu de mim ficarei feliz, por ti e pelo Supremo Tribunal Federal, que hoje tenho a honra de integrar, se o escolhido para substituir-me for, como espero, melhor do que eu. Este o pedido que faz o velho amigo, que te deseja os maiores êxito no exercício da suprema chefia da Nação”.
A resposta, curta e afetuosa, veio no dia 12 de janeiro de 1993.  “Caro e dileto amigo Brossard”, iniciava o presidente Itamar Franco com este escrito a mão.
“Sua carta de 30 de dezembro tem a marca de grandeza das amizades perenes e intemporais e o desprendimento e espírito público que caracterizam os homens raros e os varões ilustres que marcam uma época. Esses aspectos a transformam de singela correspondência entre dois amigos fraternos em documento que, um dia, será devidamente catalogado e valorizado pela história como paradigma de conduta e de acepção do exercício da magistratura em nossa mais alta Corte de Justiça. Recebo-a como colaboração valiosa e advertência sincera, desinteressada e fraternal”, escreveu o presidente da República para logo encerrar.
“Tenho certeza de que, no momento certo, sua lembrança virá a tona, esperando poder aconselhar-me então direta e pessoalmente com o velho companheiro de jornadas inesquecíveis e com o querido e solidário colega e amigo de sempre”, concluiu.
Em 2013, numa longa conversa com o ministro Brossard em sua casa no bairro Petrópolis, em Porto Alegre (RS), ele explicou como era o STF de sua época.
“O Supremo era uma sociedade interessante, porque era uma sociedade de 11 membros. E naquele tempo eles moravam no mesmo prédio (na quadra 312 Sul, em Brasília). Hoje já não é assim. Além daquele convívio no tribunal, que era obrigatório, ainda tínhamos um convívio domiciliar, que também era obrigatório. Não quer dizer que nos frequentávamos, mas querendo ou não descíamos ou subíamos juntos no elevador. E não obstante, no STF, existe cordialidade entre os ministros, mas não intimidade. Nunca eu perguntei a um colega como ele ia votar. E nunca os 10 colegas me perguntavam como eu ia votar. E eu tinha ali velhos amigos. Havia o melhor convívio, mas não havia essa intimidade”.
Com as altercações e conflitos do julgamento do mensalão ainda vivos na opinião pública, ele disse que, como ministro, não insistia para que seu voto fosse vencedor.
“O meu temperamento era assim. Eu não vou ensinar Direito a ninguém. Eu dava voto geralmente na brevidade possível. E depois não discutia, especialmente quando eu era relator. Poderia haver algo no sentido de esclarecer. O meu voto é esse, posso ganhar, posso perder”.
E cita um caso em que, apesar da certeza de seu voto, perdeu por 10 a 1 sem discutir.
“Houve uma ação ajuizada pela associação nacional dos delegados de polícia. A Constituição falava em entidade representativa (como legitimada para propor ADI). Para mim era de uma evidência palmar. O primeiro  a votar disse: ‘Data vênia....’. Veio o segundo: ‘Data vênia...’. Foram dez! No chá eu disse (aos colegas): ‘Hoje aprendi mais uma coisa. Quem ganha e quem perde é o advogado’. O resultado foi 10 a 1. Fui pra casa tranquilo. Acho que votei muito bem e votaria novamente (risos). Mas 10 a 1 é 10 a 1”, completou.
Ao deixar o Supremo Tribunal Federal, com grande alívio, como dizia, enviou uma carta de despedida ao presidente Octavio Gallotti.
“Jamais imaginei ser juiz do mais alto tribunal da Nação. Nem os caminhos, quase sempre conflituosos, que a vida me reservou, me autorizavam a esperar essa láurea. Contudo, para ele entendeu de escolher-me o Presidente José Sarney, a quem renovo minhas homena­gens, e sua indicação foi acolhida pelo Senado, a que tive a honra de pertencer em tempos difíceis e memoráveis. Foi a distinção suprema. Para acentuá-la, basta lembrar que, ao longo da sua existência, uma centena e meia de brasileiros, não mais, teve assento no Supremo Tribunal Federal, a mais bem sucedida instituição republicana, no juízo de Rui Barbosa. Agora, tangido pela lei, dela devo despedir-me; submetendo-me a essa excomunhão legal, estou certo de haver participado de uma Corte que, tendo tido luzes e sombras em seu passado centenário, dia a dia vê crescer-lhe a estima da Nação. É pena que a revisão constitucional deixasse de adotar algumas medidas, poucas e simples, de maneira a pôr fim à desumana e invencível carga de trabalho que pesa sobre seus membros, de modo a permitir-lhes enfrentar em tempo menos dilatado magnas questões que aguardam seu deslinde. Nem é razoável conti­nuem a chegar ao Supremo Tribunal Federal dezenas, centenas, milha­ res de feitos depois que ele tenha decidido, numerosamente, as mesmas controvérsias que eles trazem em seu bojo. Ninguém ganha com isso e perde a sociedade. A cada um dos preclaros colegas expresso meu reconhecimento­ pelo que deles recebi em convívio intelectual marcado pela cordiali­dade e impecável respeito mútuo. Graças a essa característica do Supremo Tribunal Federal dele saio enriquecido. Foi um privilégio tê-lo integrado; e mesmo tenha sido imerecida a honra, guardo-a com desva­necimento. Igual agradecimento devo ao Ministério Público Federal, cuja atuação tem sido exemplar, no Pleno e nas Turmas, a despeito da impressionante massa de feitos sobre os quais deve opinar.”
Voltou ao Supremo para sustentar da tribuna a favor da fidelidade partidária. Dizia que esta seria a única questão que defenderia no STF depois de aposentado. Os 15 minutos de sustentação oral foram extrapolados. A presidente do tribunal, ministra Ellen Gracie, advertiu cordialmente que o tempo se esgotara, mas não cortou a palavra. Brossard ainda falou por alguns minutos e ao final venceu a causa (Grandes Julgamentos do STF apresenta Fidelidade Partidária - parte 1 (07/11/11)).
Casado desde 1950 com a Lúcia Alves Brossard de Souza Pinto, o ministro deixa três filhos: Magda Brossard Iolovitch, casada com Léo Iolovitch, ambos advogados; Rita Brossard de Souza Pinto, médica e Francisco Brossard de Souza Pinto, engenheiro agrônomo.
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Veja abaixo alguns vídeos:
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https://youtu.be/TQ8Y6V_pc5o
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JOTA

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