Luiz Orlando Carneiro

A questão da apropriação de depósitos judiciais pelos governos estaduais – considerada “altamente preocupante” por mais de um ministro do Supremo Tribunal Federal – estava na pauta da sessão plenária desta quinta-feira (11/6), numa ação civil originária (ACO 989) movida contra o Banco do Brasil e o Bradesco pelo estado da Bahia, que insiste na legitimidade de lei estadual que obrigou os bancos a transferirem à conta única do Executivo 70 % dos valores dos depósitos judiciais oriundos do Tribunal de Justiça baiano. Mas a preliminar do não cabimento desse tipo de ação sem que a União fosse parte passiva estava sendo acolhida pelo plenário, a partir do entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, quando o seu colega Gilmar Mendes, estrategicamente, pediu vista dos autos.
É que Gilmar Mendes é relator de ação de inconstitucionalidade (ADI 5.072), com pedido de liminar, que trata do mesmo tema, embora em outro estado da Federação. A ação direta foi proposta pelo procurador-geral da República, em dezembro de 2013, contra duas leis complementares do Rio de Janeiro (LCs 147 e 148) que destinaram 25% do montante dos depósitos judiciais da Justiça fluminense (excetuados os de natureza tributária) para a liquidação de precatórios. E esta ADI – que servirá de paradigma para outras ações similares – já está praticamente pronta para ser levada ao plenário, segundo o próprio ministro-relator confirmou ao JOTA.
Na petição inicial da causa, o procurador-geral Rodrigo Janot alinha vários dispositivos constitucionais que teriam sido violados pelas leis do Rio de Janeiro, tais como: o artigo 5º (cabeça), por ofensa ao direito de propriedade; o artigo 22, inciso 1, por invasão de competência privativa da União para legislar sobre direito civil e processual; o artigo 100 (cabeça), por desrespeito à imposição de o pagamento de precatórios ser feito com receitas correntes do Estado, e não com valores de propriedade de terceiros. Para o chefe do Ministério Público, apoderar-se de recursos depositados em conta à disposição do Judiciário para o pagamento de dívidas da Fazenda estadual para com outras pessoas constitui “apropriação do patrimônio alheio, sob a forma de empréstimo compulsório velado”.
No último dia 15 de maio, Rodrigo Janot enviou ao ministro Gilmar Mendes aditamento à petição inicial, a fim de incluir, no seu objeto, as alterações promovidas por nova lei complementar estadual (LC 163/2015), que alterou as duas leis de 2013. Ele sublinha que a LC 163, editada pela Assembleia Legislativa, ampliou de 25% para 62,5% o valor dos depósitos, tanto judiciais quanto extrajudiciais, que poderão ser transferidos ao Estado para custeio não somente de precatórios e requisições de pequeno valor, mas agora também para capitalização do Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro (Rioprevidência).
O chefe do Ministério Público assinala que, “com base em leis flagrantemente inconstitucionais”, o estado do Rio de Janeiro já lançou mão de R$ 4,21 bilhões (com base na LC 147) e mais R$ 2,72 bilhões (com base na Lei 163), no total, até agora, de R$ 6,93 bilhões. E que está prevista a transferência de mais R$ 3,5 bilhões no ano corrente, “o que montaria a R$ 10,43 bilhões de valores de terceiros, dos quais o Poder Executivo fluminense deseja dispor para fazer face a obrigações que não têm relação alguma com os proprietários desse numerário”.
Depois da sessão desta quinta-feira (11/6), os ministros Marco Aurélio comentaram informalmente a questão.
Marco Aurélio criticou, sem, rodeios, a prática crescente de os estados promoverem leis de apropriação de depósitos judiciais, mesmo com o intuito de honrar precatórios (dívidas decorrentes de ações judiciais):
“Sou um crítico ferrenho. Penso que o estado tem de funcionar com o orçamento. Nós, brasileiros, já sofremos com uma carga tributária enorme. Para onde vai esse dinheiro? Para o ralo? Daqui a pouco, um estado qualquer vai querer também obter um empréstimo compulsório consideradas as parcas economias que tenho no Banco do Brasil. É a Babel! E a segurança jurídica? O estado tem de funcionar a partir do seu orçamento, e não pode pretender pegar caronas. Muito menos em depósitos cujos valores pertencem às partes envolvidas num processo. O que está na Constituição é que o estado deve inserir no orçamento uma rubrica para a satisfação dos precatórios. Agora ele vai passar o chapéu, o pires, para conseguir recursos, e satisfazer o que ele deveria satisfazer com o orçamento? É um passo demasiadamente largo que eu, como juiz, não dou”.
Já o ministro Roberto Barroso lembrou que, quando votou no julgamento da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da emenda (EC 62/2009) que instituíra o regime de pagamento de precatórios, considerou razoável a solução que o Rio de Janeiro tinha dado para cumpri-los – a utilização de 25% dos depósitos judiciais não tributários. A seu ver, desse modo, “o Rio de Janeiro colocou em dia o pagamento dos precatórios, e é, possivelmente, um dos únicos estados da Federação que está em dia”. E acrescentou: “Portanto, eu achei boa a solução adotada pelo estado do Rio para este fim. Boa, mas não imune a controvérsias. Porém, achei que solucionou o problema”.
No entanto, ele assinalou que a questão agora posta em discussão – passar o dinheiro de depósitos judiciais em geral para o caixa do estado – é diferente. Para Barroso, “isso é diferente de usar o dinheiro para pagar (apenas) precatórios”, havendo “uma certa necessidade de equacionar o sistema”, para ver até onde tal sistema pode ser “aceitável”.

Foto-Nelson Jr.:SCO:STF

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JOTA

Julgamento foi interrompido em meio a propostas controversas dos estados para o uso desses recursos

A apropriação dos depósitos judiciais em discussão

Julgamento foi interrompido em meio a propostas controversas dos estados para o uso desses recursos