Uma decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (29/11) abre um precedente para a descriminalização do aborto no País.
Para os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Edson Fachin, a criminalização da interrupção da gravidez até o primeiro trimestre viola os direitos fundamentais da mulher.
A discussão ocorreu durante julgamento do Habeas Corpus 124.306, de relatoria do ministro Marco Aurélio Mello. No caso, os ministros decidiriam manter ou não a prisão de médicos e enfermeiros flagrados realizando o procedimento.
O caso chegou ao Supremo depois que as defesas desses médicos e enfermeiros presos em flagrante, numa clínica de Duque de Caixas, no Rio de Janeiro, pediram liberdade na Justiça.
As cinco pessoas foram presas e denunciadas por formação de quadrilha e provocar aborto com o consentimento da gestante (arts 288 e 126 do Código Penal), por quatro vezes.
Segundo Barroso, ao criminalizar o aborto há violação da autonomia da mulher, da integridade física e psiquica da gestante, dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, da igualdade e da discriminação contra mulheres pobres.
O ministro afirmou que a criminalização do aborto é incompatível com vários direitos fundamentais da mulher, como os direitos sexuais e reprodutivos, "que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada"; a autonomia da mulher, "que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais".
Ainda, segundo Barroso, o fato de o aborto ser crime fere a integridade física e psíquica da gestante, "que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez"; e a igualdade da mulher, "já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria".
Barroso citou que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, incluídos Estado Unidos, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália.
Em sua decisão, o ministro cita recente estudo do Guttmacher Institute e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para demonstrar que a criminalização não produz impacto relevante sobre o número de abortos.
"Ao contrário, enquanto a taxa anual de abortos em países onde o procedimento pode ser realizado legalmente é de 34 a cada 1 mil mulheres em idade reprodutiva, nos países em que o aborto é criminalizado, a taxa sobe para 37 a cada 1 mil mulheres 18. E estima-se que 56 milhões de abortos voluntários tenham ocorrido por ano no mundo apenas entre 2010 e 201419",  disse.
Para o ministro, a criminalização traz prejuízo para mulheres pobres. "Tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos", escreveu.
<a href="http://publicador.jota.info/wp-content/uploads/2016/11/HC-Voto-Aborto-1.pdf" target="_blank" rel="noopener">Leia a íntegra do voto do ministro Roberto Barroso</a>
Os ministros Marco Aurélio, relator original do caso, e Luiz Fux também votaram pela revogação da prisão preventiva, mas não se manifestaram sobre a possibilidade de descriminalização do aborto. Eles votaram pela revogação por fundamentos processuais, isso é, para eles, não haviam fundamentos suficientes para manter a prisão preventiva.
A decisão não é vinculante, mas abre precedente na turma do STF e pode ser seguida por outras instâncias da Justiça.
Segundo o Código Penal, a mulher que aborta está sujeita a prisão de um a três anos e o médico pode ficar preso por até 4 anos.
CASO
Decisão da 4ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias/RJ deferiu a liberdade provisória de dois acusados sob argumento de que “as infrações imputadas são de médio potencial ofensivo, com penas relativamente brandas, permitindo que, em caso de condenação, sejam aplicadas sanções conversíveis em penas restritivas de direitos ou, no máximo a serem cumpridas em regime aberto”.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro recorreu, o qual foi provido pelo Tribunal de Justiça para decretar a prisão preventiva dos pacientes, bem como do corréu Carlos Eduardo de Souza Pinto.
A defesa tentou revogar a prisão cautelar no Superior Tribunal de Justiça, que não admitiu, levando o processo ao STF.
De acordo com o MP, a clínica cobrava dos pacientes R$ 3 mil para a realização do procedimento abortivo.
OUTRAS DECISÕES
Essa foi a primeira vez que uma turma do STF decidiu sobre a descriminalização do aborto. Até então, o Supremo só havia se manifestado sobre aborto de feto anencéfalo.
Em abril de 2012, o plenário do STF decidiu que um feto com anencefalia é natimorto e, portanto, a interrupção da gravidez nesses casos não é comparada ao aborto, considerado crime pelo Código Penal. A decisão livrou as gestantes que esperam fetos com anencefalia de buscarem autorização da Justiça para antecipar os partos.
Ainda, o Supremo vai analisar uma ação em favor da liberação do aborto em mulheres grávidas de crianças infectadas pelo vírus da zika, um dos possíveis causadores da microcefalia. O caso está pautado para ir a julgamento no próximo dia 7 de dezembro.

barroso

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JOTA

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