Com foco nas eleições de outubro, o Twitter anunciou novas diretrizes para evitar que desinformação e ataques às urnas eletrônicas afetem a participação eleitoral. A rede social, uma das mais usadas por políticos, diz que terá uma força-tarefa para não ser usada como meio de disseminação de informações falsas que visem minar a confiança no processo eleitoral – as diretrizes são provisórias e não irão priorizar outros tipos de fake news políticas.
A política de integridade cívica do Twitter prevê que a plataforma tome medidas em relação a informações enganosas que possam prejudicar o processo democrático. Ao mesmo tempo, narrativas desinformativas envolvendo as eleições serão contrapostas por tuites confiáveis com esclarecimentos. A seleção dos temas que merecerão esse tipo de tratamento leva em conta o volume de conversas e a relevância que elas vêm ganhando na rede.
“A política visa prevenir situações que intimidem, desestimulem ou desencorajem as pessoas a votar ou enganem sobre os processos das eleições. Casos típicos são os rumores de que não importa o número que se colocar, todos os votos vão para certo candidato, porque as urnas eletrônicas não são confiáveis e são manipuladas”, explica Daniele Kleiner, head de políticas públicas do Twitter Brasil.
Os candidatos receberão etiqueta obrigatória que identificará o cargo a que estão concorrendo, o partido e o estado – válido para quem concorrer a presidente, governador, senador e deputados federais. Essa iniciativa já havia sido testada nos Estados Unidos e o objetivo é dar transparência às vozes no Twitter.
Candidatos identificados não serão tratados de forma diferente caso suas publicações infrinjam as novas diretrizes. “As políticas são igualmente aplicadas para qualquer perfil: não importa se é de uma pessoa comum ou de uma figura pública. Gerar informação para desacreditar as urnas eletrônicas viola nossa política, independentemente de qual perfil esteja publicando isso. E nós teremos uma especial atenção em relação a esse conteúdo”, afirma Kleiner. Apesar da iniciativa, a plataforma mantém a postura de evitar a remoção de tuites.
Também há a previsão de que, preventivamente, conteúdos que contextualizam e contestam as alegações falsas mais comuns relacionadas às eleições ganharão destaque nas buscas e em outras áreas abertas da plataforma. O Twitter terá uma seção especial com curadoria própria de fontes confiáveis sobre as eleições – a começar com detalhes sobre como tirar ou transferir o título de eleitor.
Esse movimento faz parte da parceria das plataformas com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem mirado no combate às fake news sobre as eleições, e não necessariamente entre candidatos.
O Twitter diz que irá reforçar a rápida atuação em momentos cruciais, como os dias de votação, mas que a política pode se estender além deste ano. “A ideia é que ela esteja presente em todo o tempo em que for necessária, mesmo que isso ultrapasse o período eleitoral”, diz Kleiner. Além disso, as novas regras não valerão retroativamente; caso conteúdos antigos com potenciais danos voltem a ser compartilhados, eles poderão receber tratamento individual.
A seguir, outros destaques da entrevista com Daniele Kleiner sobre a nova política, o combate à desinformação pela plataforma e o PL das Fake News:
No início do ano, o Twitter começou a testar no Brasil sistema de denúncias sobre desinformação, após críticas de usuários sobre a ausência desse tipo de mecanismo. Depois, também houve queixas sobre a manutenção de conteúdo falso. A ferramenta deve ser reforçada para as eleições?
A ferramenta de denúncia de informações enganosas continua a ser um piloto. Essa tecnologia tem um tempo de maturação, então nos países em que ela foi implementada, não há muito tempo, 90% das informações que chegavam nesse sistema não violavam nossas políticas.
Nós temos uma definição do que é desinformação para fins de aplicação das nossas políticas e que muitas vezes não coincidem com o que as pessoas acreditam ser desinformação. Nem tudo o que as pessoas denunciam viola nossas políticas de desinformação, isso é importante deixar claro. Nesse primeiro momento, estamos focando em grandes quantidades de amostras.
Precisamos melhorar nosso sistema de denúncias para que ele priorize lendo vários sinais, sendo treinados em português e entendendo o contexto brasileiro, para que ele possa priorizar o que realmente precisa de uma ação imediata. Nem todas as denúncias são analisadas, e uma tecnologia que nos permita priorizar o que é mais grave e mais próximo do que removemos é importante.
Com a nova política, como funcionará a gradação entre sinalizar conteúdo potencialmente danoso e a remoção de publicações?
Essa gradação existe porque o Twitter não tem uma abordagem binária em relação à desinformação, em que se diz que o conteúdo vai ser removido ou fica. É claro que em casos mais graves, que podem gerar danos, talvez a opção seja a remoção. Mas, antes disso, há uma série de alternativas para friccionar a pessoa com conteúdos de fonte confiável.
A mera remoção às vezes não traz uma oportunidade educacional, por isso estamos tentando fazer essa outra abordagem, até para que se tenha ganhos mais duradouros e permanentes para a sociedade.
Algo muda nas punições, como eventuais suspensões de contas?
As punições não mudam, mas, dado que o processo de eleições é prioritário, a ideia é que nós possamos ser mais ágeis. Todo o trabalho tem sido feito na direção de conseguir identificar e tomar ações mais rapidamente.
É possível concluir que o foco das medidas proativas é no processo eleitoral, e não nos candidatos? Como ficam essas outras fake news?
Nosso principal objetivo está alinhado com o TSE, que é garantir a integridade do processo eleitoral. Isso sem prejuízo de que nós possamos utilizar todas essas iniciativas para entender conversas que tem volumes e relevância sobre informações enganosas e trazer informações de veículos destacados que possam desfazer essas impressões iniciais.
As demandas judiciais durante as eleições, especialmente de partidos, devem aumentar. Por vezes, há questionamentos sobre a demora em cumprir decisões judiciais. Qual é a preparação para evitar questionamentos sobre isso?
É importante destacar que o Twitter não descumpre decisão judicial. Se nós discordamos vamos recorrer, dentro do devido processo legal. Temos ciência de que o processo eleitoral é muito mais acelerado, e por isso estamos preparados para cumprir decisões judiciais em tempos muito mais curtos do que os usuais. Também estamos com um time que vai observar essas conversas para que possamos ser mais ágeis.
No momento em que falamos sobre as novas políticas, a Câmara discute o PL das Fake News, que interessa muito às plataformas. Qual a avaliação do Twitter sobre o relatório que deverá ser votado, por exemplo, em relação à previsão de imunidade parlamentar nas redes e ao tratamento como veículo de comunicação?
Em relação à versão do Senado, o PL teve avanços importantes, mas ele está longe do ideal e precisa de ajustes especialmente em pontos muito problemáticos. A questão da imunidade parlamentar é uma preocupação. As políticas do Twitter não diferenciam figuras públicas de pessoas privadas. A ideia é que todo mundo responda igualmente por essas regras. O PL tenta criar uma aplicação diferenciada para figuras públicas, o que sabemos que tem um impacto direto as eleições.
Em relação à equiparação a veículos de comunicação social, embora o relator afunile para o caso de eleições, o problema é que é uma equiparação jurídica de todo um regramento distinto. Os veículos de comunicação estão sujeitos a um determinado regramento jurídico que é muito diferente de como a internet funciona. A nossa preocupação é de implicações para a liberdade de expressão. Diferentemente de um veículo em que é uma comunicação com total controle do conteúdo que vai ser veiculado, a internet não funciona assim.
As plataformas não fazem uma filtragem prévia do que o usuário vai ou não vai publicar. Essa correção é feita posteriormente; não fazemos censura prévia. A lógica de equiparar à comunicação social traz riscos muito grandes nesse sentido, ainda que a nova redação fale para fins da lei complementar das eleições. A equiparação à comunicação social traz um risco de interpretação extensiva. Temos este receio. Não temos nenhum problema em cumprir a lei complementar em si, mas há questões em se equiparar a veículo de comunicação social.
Também há preocupação das plataformas sobre a exposição de detalhes de como é feita a moderação de conteúdo. Como avalia a redação mais recente?
Falamos sobre todas as ferramentas que usamos, não é segredo, mas tomamos cuidado de não colocar detalhes. O PL tinha a previsão de metodologia e informações que alimentam o sistema de classificadores. Se começamos a dar visibilidade para pessoas mal intencionadas do tipo de informação que nos leva a ativar esses sistemas, as pessoas vão pensar estratégias e até mesmo tecnologias para poder burlar isso. Estamos falando de uma guerra de tech contra tech, de grupos que muitas vezes têm condições financeiras de desenvolver tecnologia que pode fazer uma contravenção em relação a isso.
Agora, se fala que Comitê Gestor da Internet (CGI) vai poder requisitar essas informações. Há uma primeira preocupação que isso não é atribuição do CGI, não é um órgão fiscalizatório e não tem dever de confidencialidade. Ele é um órgão em que múltiplos atores têm acesso a essa informação, então ela poderia ser facilmente difundida. É muito diferente de um órgão que tem esse dever de confidencialidade, então achamos que é melhor do que estava antes, mas não é ideal.
O relatório também fez alterações no dispositivo sobre compartilhamento de dados com terceiros, que foi atacado com queixas de que prejudicaria anúncios digitais. Agora está suficiente?
Esse artigo era problemático, porque a redação estava ruim e criava uma amplitude que gerava uma série de efeitos danosos. Ele simplesmente equiparava o compartilhamento de dados com terceiros como se fosse uma infração de ordem econômica, o que implicava desde funcionalidades práticas como autenticação em dois passos até a questão dos anúncios. Esse dispositivo foi corrigido e hoje está em um ponto bem bacana nesse sentido.
Contudo, é importante enfatizar que esse PL originalmente tinha como ideia combater a desinformação, mas ele perdeu esse foco e trouxe vários jabutis e interesses de outras indústrias do meio. O que temos pedido é para voltar à originalidade do PL.