O assédio eleitoral se intensificou entre o primeiro e o segundo turno destas eleições, período em que as denúncias se multiplicaram. Em João Pessoa, o dono de lojas das franquias da Havaianas e de uma marca do Grupo Arezzo foi alvo de uma ação do Ministério Público do Trabalho por pressionar funcionários e fornecedores para que votassem em Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno das eleições 2022.
O empresário Arthur Vilhena Ferro enviou e-mail para todos os fornecedores e prestadores de serviço afirmando que “caso o país volte ao desgoverno da
esquerda” não teria como manter os atuais compromissos. Em um grupo de WhatsApp com outros lojistas do Manaíra Shopping, ele incitou que os pares “façam o mesmo, se movimentem enquanto está em tempo”.
Além disso, enviou o e-mail para funcionários de suas empresas, para “assustar e dar um choque de realidade em todas equipes”, como justificou na troca de mensagens com outros empresários. Uma das integrantes do grupo disse que, na empresa dela, contratos de planos de saúde foram cancelados e os funcionários já estariam sentido as possíveis perdas.
O juiz George Falcão Coelho Paiva, da 1ª Vara do Trabalho de João Pessoa, ordenou ao lojista e às empresas dele que parem as pressões políticas. Ele estabeleceu multa de R$ 30 mil para cada trabalhador que venha a ser afetado pela reincidência dos atos.
O magistrado afirma que as mensagens comprovam “claras atitudes patronais abusivas e intimidatórias, tomadas com finalidade precípua de coagir empregados a votarem no candidato de sua preferência (no caso, no candidato à presidência dito de direita)”, além de incentivar outros empresários a agir do mesmo modo.
“O empregador, em inegável posição de superioridade, ao disseminar o medo em seus empregados e fornecedores com relação à possibilidade iminente de perda de seus empregos e contratos, acaba por colocá-los contra a parede”, continua.
Além do potencial de macular o processo eleitoral e da violação a direitos fundamentais, avalia o juiz, esse tipo de ação humilha o trabalhador e é capaz de gerar indenização por danos morais na esfera trabalhista.
Já na seara eleitoral, a atitude pode se caracterizar como crime de coação. O artigo 301 do Código Eleitoral prevê pena de prisão por até quatro anos pelo uso de violência ou ameaça ao direito de votar livremente.
Este é apenas um dos casos investigados por coação eleitoral nas últimas semanas. Nos dias que separaram o primeiro dia de votação até esta quarta-feira (26/10), o MPT recebeu 1.284 denúncias únicas com essa temática – o número é cerca de seis vezes maior do que o registrado no intervalo entre o primeiro e o segundo turno em 2018.
Com base nos casos, o MPT ajuizou 21 ações e firmou 97 termos de ajustamento de conduta (TACs) com empresas denunciadas. O Sudeste tem a maior parte das denúncias, com destaque para Minas Gerais, com 360 registros sem repetição.
Além do aumento numérico – o que pode sugerir tanto aumento das notificações quanto da própria ocorrência dos atos –, o MPT interpreta que esse assédio se manifesta de forma mais incisiva e com maior potencial de disseminação nestas eleições, com uso das redes sociais.
“Alguns discursos, que não apareciam em eleições anteriores, são muito mais ofensivos. Há ameaças para saber a seção eleitoral de funcionários, exigências para gravem o voto ou participem de atos com políticos”, afirma a procuradora Adriane Reis, coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do MPT.
O comportamento de incitar outros empregadores, como aconteceu no caso do lojista de João Pessoa, também é uma característica observada nestas eleições. “Vemos falas mais agressivas e incisivas partindo de empresários de menor porte, talvez até por falta de conhecimento sobre o grau de ilicitude que isso pode configurar”, aponta Reis.
Nesse sentido, há denúncias de escalas de trabalho que buscam favorecer funcionários com identificação política alinhada aos do empregador, ainda que não haja coação explicita. Segundo Reis, a estratégia tem sido buscar que os empregadores cessem os atos e façam retratações. No entanto, ela admite que dificilmente a situação seria sanada antes da ida às urnas no domingo.
“Os empresários que cometem abusos precisam saber que podem ter grandes danos: isso interfere no financiamento de bancos públicos, os vincula a uma prática de violência e gera indenizações por danos morais coletivos”, diz a procuradora.
No campo da Justiça Eleitoral, além do potencial de incorrer em crime eleitoral, o assédio eleitoral pode indicar ainda outros ilícitos passíveis de punições. “Essas situações também configuram abuso de poder econômico. A coação pode ser verbal e até sutil, como dar promoção a certos funcionários”, aponta o advogado Kaleo Dornaika Guaraty, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral.
Procurada, a Alpagartas, que detém a Havaianas, enviou nota afirmando “que não tolera condutas ou ações que possam ser consideras abusivas. Assim que tomou conhecimento do fato, notificou o franqueado e está apurando o ocorrido”. A Arezzo & Co e o empresário Arthur Vilhena Ferro não retornaram os contatos da reportagem.
A medida cautelar da 1ª Vara do Trabalho de João Pessoa tem o número 0000832-76.2022.5.13.0001