Fábio Rocha Pinto e Silva

Recebi a missão honrosa de relatar o grupo de trabalho responsável por apresentar uma reforma ampla das garantias reais, com a revisão da matéria no Código Civil. Essa reforma, de iniciativa do Ministério da Economia, pretende destravar o uso de bens móveis e imóveis para a obtenção de crédito no país, por pessoas físicas e jurídicas, apresentando um norte para investimentos e a retomada do crescimento.
É um anseio de longa data. A partir de 2015, atuei como delegado do Brasil perante a Comissão da ONU para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL) – no ano seguinte, participei da aprovação da Lei Modelo da ONU sobre Garantias Mobiliárias, que representou forte influência sobre nossos trabalhos.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Em diversas oportunidades o tema das garantias atingiu o debate público, a exemplo de <a href="https://www.jota.info/autor/fabio-rocha-pinto-e-silva" target="_blank" rel="noopener noreferrer">artigos que publiquei neste espaço</a>. Na mesma época, iniciamos discussões no âmbito da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, a partir de um evento aberto realizado em Brasília, cujos <a href="https://issuu.com/informaticacnf/docs/livro_encontro_cnf-interativo" target="_blank" rel="noopener noreferrer">trabalhos estão disponíveis para consulta</a>, e também as primeiras avaliações técnicas com o governo.
Em janeiro deste ano, o Ministério da Economia constituiu uma comissão formada por 13 juristas independentes, com o objetivo de conceber uma proposta de reforma das garantias.
Trata-se de uma comissão diversa, representativa de diversas escolas e de setores diretamente afetados e, antes de tudo, que jamais se pautou por interesses corporativos: Daniel Lago Rodrigues e Patricia André de Camargo Ferraz – oficiais de Registro de Imóveis e de RTDPJ; Robson de Alvarenga (oficial e presidente do IRTDPJ-SP); des. Francisco Eduardo Loureiro (TJSP); profs. Gisela Sampaio da Cruz Guedes (UERJ), Otávio Luiz Rodrigues Júnior (USP e CNMP), Pablo Waldemar Rentería (PUC/RJ, ex-diretor da CVM) e Rodrigo Xavier Leonardo (UFPR); prof. Melhim Namen Chalhub (especialista em Direito Privado e parecerista); João Carlos de Andrade Uzêda Accioly (advogado); José Antônio Cetraro (consultor jurídico da ABECIP), Luis Vicente De Chiara (Diretor Jurídico da FEBRABAN). Também participaram membros da Economia, da PGFN, representada pelo dr. Marcos Henrique Góis, e do Banco Central.
Os trabalhos da comissão foram objeto de consulta pública, aberta em 9 de agosto e com duração de trinta dias. A consulta tem por objeto um anteprojeto robusto, que modifica cerca de 50 artigos do Código Civil e acrescenta outros 50 – reforma ampla, comparável a outras realizadas no exterior, a exemplo da França, que em 2006 criou novo livro em seu Código Civil, destinado exclusivamente às garantias da obrigação.
A estrutura normativa atual das garantias carece de coerência e de legibilidade. As regras do crédito se espalham por inúmeras leis, criadas por acumulação de reformas casuísticas, que resultam na multiplicidade de normas especiais do penhor e de regimes próprios da alienação e da cessão fiduciárias, variáveis ao sabor do tempo e dos diferentes setores econômicos. A ausência de um tratamento geral, harmônico e codificado, e as relevantes lacunas legais motivam grande insegurança jurídica.
A lei brasileira das garantias envelheceu. O Código Civil de 2002 pouco inovou, nessa matéria, sobre o Código anterior, de 1916. Em grande parte, nosso regime de garantias foi construído há mais de um século, sob outras premissas, práticas comerciais e tecnologias. É necessário atualizá-lo.
<blockquote class="jota-article__eye">Em seu anteprojeto, a comissão de juristas propõe inovações importantíssimas, como a simplificação e a harmonização legislativas, com consequente revogação de dispositivos de 15 leis esparsas e a flexibilização das dívidas que podem ser garantidas.</blockquote>
Também propõe a renovação das regras de publicidade, inclusive para as garantias judiciais, promovendo a transparência e a concentração das informações perante os registros públicos; a introdução de um regime detalhado e unificado para a execução extrajudicial, com introdução do chamado pacto marciano e regulamentação da venda privada, aliviando o Judiciário; a facilitação na circulação dos créditos, sob a nova figura do agente de garantias, análoga ao já existente agente fiduciário de debêntures; e a introdução do contrato de fidúcia (também conhecido como trust).
No âmbito dos bens móveis, há ampla flexibilização na constituição da garantia, modificando o caráter possessório do penhor comum e simplificando os requisitos de especialidade; a viabilização de garantias sobre estoques e universalidades de bens, beneficiando pequenos empresários; a criação de regras de conservação da garantia, por sub-rogação automática, em frutos, produtos e bens substitutos, facilitando o crédito nas cadeias produtivas.
E, no que diz respeito aos imóveis, há importantes evoluções, como novos regramentos para garantias subsequentes sobre o mesmo bem; a extensão da hipoteca aos créditos decorrentes da venda de imóvel pelo empreendedor, no financiamento à produção; a hipoteca recarregável e a hipoteca do direito real do promitente comprador, que devem facilitar o uso do imóvel como garantia para créditos de finalidade ampla, a exemplo do chamado home equity.
Desse modo, a reforma também se justifica pela conjuntura econômica. Há grande demanda por crédito, especialmente pelos micro e pequenos empresários, já combalidos. A oferta de crédito será necessária para a aceleração do crescimento.
Estudos do Banco Mundial afirmam que, em países que realizaram reformas modernizantes das garantias reais, em linha com os instrumentos internacionais, houve no médio prazo expressiva redução dos spreads praticados e oferta adicional de crédito privado da ordem de 30% do PIB. Isso equivale a, aproximadamente, metade do estoque de crédito atual do país e poderia nos aproximar de patamares verificados em países desenvolvidos.
Representa, ademais, um movimento imprescindível em direção ao crédito privado, ante a ausência de espaço fiscal para maior subsídio público à produção.
São essas razões que reforçam a importância da reforma proposta. Trata-se de uma reforma ampla e audaciosa, mas, sobretudo, necessária e benéfica a toda a sociedade brasileira.
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JOTA

Orientações gerais do anteprojeto de lei apresentado pelo Ministério da Economia

Reforma das garantias

Orientações gerais do anteprojeto de lei apresentado pelo Ministério da Economia