Opinião e Análise

Ana Paula Ávila

A Lei Geral de Proteção de Dados (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lgpd">LGPD</a>) estabelece um conjunto de regras para proteger a privacidade e a segurança dos dados pessoais dos titulares. Um dos pontos mais relevantes da LGPD é a proteção dos dados sensíveis, assim considerados aqueles que possam expor o indivíduo a situações de discriminação, tais como dados referentes à orientação sexual, ideologia política, raça e etnia, os quais devem ser tratados com maior cuidado pelas empresas e instituições que a eles tenham acesso.
Nesse contexto, é importante analisar duas mudanças promovidas na Lei 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial), <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14553.htm">sancionadas no último dia 20 de abril</a>, que se relacionam diretamente com a proteção dos dados sensíveis. A primeira é o acréscimo dos parágrafos 8º e 9º ao artigo 39, tornando obrigatória a inclusão de campos destinados a identificar o segmento étnico e racial a que pertence o trabalhador em documentos como formulários de admissão e demissão no emprego, formulários de acidente de trabalho, instrumentos de registro do Sistema Nacional de Emprego (Sine), entre outros.
O objetivo final da alteração legislativa é garantir a inclusão de pessoas pertencentes a grupos étnicos e raciais vulneráveis, bem como permitir a coleta de informações estatísticas para instrumentalizar políticas públicas voltadas à promoção da diversidade racial.
Segundo a LGPD, a coleta de dados sensíveis deve ser realizada preferencialmente mediante o consentimento do titular dos dados, de forma específica, livre e destacada. No entanto, o consentimento não é necessário no caso em que o dado deve ser coletado para cumprimento de obrigação legal. É de se perguntar, assim, o que se tornou obrigatório: apenas incluir o campo no formulário ou, de fato, coletar a informação?
Ao que parece, obrigar a inclusão de campo para informar o dado referente à raça ou etnia para permitir que ele permaneça em branco não leva ao fim pretendido pela lei, que se vincula ao acréscimo do parágrafo 4º ao artigo 49 do Estatuto. Este determina que o IBGE realize a cada cinco anos uma pesquisa destinada a identificar o percentual de ocupação por parte de segmentos étnicos e raciais no âmbito do setor público, a fim de obter subsídios direcionados à implementação da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR). Essa pesquisa é de extrema importância para avaliar a efetividade das políticas públicas voltadas à igualdade racial, bem como para identificar possíveis lacunas e desigualdades no mercado de trabalho.
Deste modo, é razoável concluir que a coleta do dado é obrigação legal, caso em que se dispensa o consentimento expresso do titular. A ele caberá identificar o segmento étnico e racial a que pertence retratado no respectivo documento referente à relação laboral, com utilização do critério da autoclassificação em grupos previamente delimitados, conforme a nova redação do art. 39, §8º, do Estatuto.
Ainda assim, é preciso que a coleta, o armazenamento e o uso desses dados sensíveis sejam realizados em conformidade com a LGPD, de modo a garantir a privacidade e a segurança das informações coletadas e assegurar que sejam utilizados somente para os fins previstos em lei. Além disso, é importante que se proceda a uma avaliação dos riscos inerentes ao acesso a dados sensíveis, para que sejam adotadas medidas preventivas que evitem a discriminação por motivo de raça e etnia no mercado de trabalho.
As mudanças, de um lado, são bem-vindas, pois sempre que o racismo estrutural vigente no Brasil é vertido em números, justifica-se plenamente a adoção de medidas afirmativas que garantam a inclusão e a igualdade racial no mercado de trabalho. De outro, é preciso que a coleta e a guarda dos dados sensíveis sejam realizadas de forma muito responsável, pois vazamentos envolvendo esse tipo de dado são muito graves e sujeitam os controladores a sanções pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Porém, mais grave ainda é produzir um resultado inverso à finalidade que a alteração legislativa visa atingir, ou seja, utilizar a informação de modo a agravar a já existente discriminação estrutural dos grupos vulneráveis.

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JOTA

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