Opinião e Análise

Luiza Leite

Guilherme Zamur

A recente inclusão dos <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/criptoativos">criptoativos</a> nas discussões legislativas, notadamente nos Projetos de Lei de Conversão 15/23 e 4.173/23, trouxe à tona uma série de questões desafiadoras para o ecossistema das criptomoedas e ativos digitais. Esses projetos têm como objetivo a modificação da tributação de investimentos realizados por pessoas físicas no exterior e incluem a equiparação dos "criptoativos" a aplicações financeiras no âmbito internacional.
Importante mencionar que durante o processo no Congresso, o <a href="https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9427375&amp;ts=1693920908547&amp;disposition=inline">PLV 15/23</a> passou por alterações que resultaram na exclusão de disposições relacionadas à tributação de investimentos no exterior. No entanto, o <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2383287">PL 4173/23</a> segue para votação sem oferecer uma definição precisa para o termo "criptoativos", que abarca uma ampla gama de ativos digitais, desde criptomoedas até security tokens.
Essa falta de clareza levanta preocupações substanciais devido à imprecisão e à complexidade prática resultante dessa ambiguidade terminológica. Além disso, tratar de forma diferente criptoativos que estejam “localizados” no exterior, isto é, custodiados em exchanges internacionais e/ou em custódia do próprio contribuinte, daqueles mantidos em exchanges nacionais pode levar a distorções e a um aumento de complexidade para o fisco e para o contribuinte. 
Estes problemas ocorrem porque os criptoativos apresentam particularidades singulares que influenciam sua aplicabilidade e funcionamento no mercado. Nesse sentido, evidencia-se a falta de maturidade conceitual por parte do legislador tributário ao abordar os "criptoativos" com base em sua forma, em vez de compreender seu conteúdo intrínseco. Agrupar indiscriminadamente todos os tipos de criptoativos em uma única categoria é desconsiderar as diversas utilizações e implicações práticas resultantes dessa inovadora tecnologia. Da mesma forma, querer atribuir uma “localização” para estes ativos é ignorar o fato de que eles existem apenas na internet, permitindo que estejam, ao mesmo tempo, em todos os lugares do mundo e em nenhum lugar. 
Contrariamente ao que se propõe, é imperativo que o governo federal reconsidere sua abordagem em relação a essas questões. Em um ecossistema como a blockchain, que constitui o alicerce das operações envolvendo criptoativos, a imposição de restrições e a análise da localização dessas representações digitais são inadequadas, dada a complexidade e incerteza inerentes à descentralização e à natureza global dessa rede. 
Ademais, seria simplista considerar que a localização do custodiante seja uma panaceia para essa questão, dado o considerável volume de transações que ocorre de forma descentralizada, sem a intermediação de terceiros e sem ligação a uma localização física específica. Nesse contexto, torna-se evidente que o critério para a determinação dos criptoativos deve ser desvinculado do fator de localização. Isto se faz mais necessário quando, por interpretação equivocada de trechos do PL 4173, a própria mídia nacional especializada em criptoativos afirma que, segundo o projeto, o investidor brasileiro deverá pagar imposto de renda apenas por manter saldo de criptoativos avaliado em valor superior a seis mil reais em uma corretora estrangeira<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">[1]</a>, como se apenas a posse e o local de custódia do bem atraíssem o fato gerador do imposto sobre a renda.
Nesse contexto, no que diz respeito à regulamentação infralegal, a Receita Federal tem avançado progressivamente nos últimos anos ao interpretar o conceito de criptoativos, mesmo que essa regulamentação ainda esteja em seus estágios iniciais. Essa evolução pode ser claramente percebida na forma como as orientações sobre Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), bem como as Soluções de Consulta e Instruções Normativas, têm passado a distinguir criptoativos com base em seu conteúdo e natureza.
Em 2016, a Receita Federal, através do guia de perguntas e respostas sobre o IRPF, equiparava criptoativos a ativos financeiros, exigindo que fossem declarados sob a categoria de "outros bens". No entanto, em 2019, a Instrução Normativa 1.888 trouxe uma definição diferente para criptoativos e estabeleceu diretrizes para sua declaração, descrevendo-os como "representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta" com potencial para ser "utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços".
Em seguida, em 2020, foram introduzidos códigos específicos para a declaração de criptoativos, categorizando-os em stablecoins, altcoins e outras modalidades de criptoativos. Em 2021, no guia de perguntas e respostas sobre o IRPF, a Receita Federal trouxe uma mudança significativa, deixando de equiparar todos os criptoativos indiscriminadamente a ativos financeiros e restringindo essa classificação apenas às stablecoins. 
Recentemente, a Solução de Consulta Cosit 217/2023 estabeleceu que os tokens não fungíveis (NFTs) representando imóveis não se enquadram no conceito de criptoativos da IN 1.888/2019, eliminando a obrigatoriedade de declaração dessas operações e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para discussões similares sobre outras Real World Assets (RWAs). Fato este que reforça a importância da segregação adequada das categorias de criptoativos.
Essa diferenciação também se reflete no contexto regulatório, como evidenciado pela promulgação da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14478.htm">Lei 14.478/2022</a>, conhecida como Marco Legal das Criptomoedas, que estabeleceu uma definição para ativos virtuais como "representações digitais de valor passíveis de negociação ou transferência eletrônica e utilização em pagamentos ou com propósitos de investimento". No entanto, essa lei abrange apenas determinadas categorias de criptoativos. Como resultado, a legislação previu a distinção das competências regulatórias entre o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), reconhecendo a diversidade de impactos gerados pelas diferentes categorias de ativos digitais abrangidos por essa legislação.
Dessa forma, torna-se relevante que o legislador tributário diferencie criptoativos que compartilham características de aplicações financeiras daqueles que não se enquadram nessa categoria, como é o caso das RWAs. É crucial que o governo federal reavalie sua estratégia, compreendendo que a tributação de criptoativos não pode ser rigidamente baseada na localização em um ambiente inerentemente descentralizado, como a blockchain. A evolução das orientações da Receita Federal, que reconhecem as distinções com base no conteúdo dos criptoativos, aponta para uma abordagem mais pragmática e alinhada com a realidade desse setor em constante evolução.
É hora de reconhecer que os criptoativos não podem ser tratados de maneira uniforme, dada a ampla diversidade em suas características e usos. Essa diferenciação é essencial para estabelecer um ambiente regulatório que estimule a inovação e assegure a conformidade no mercado de criptoativos, enquanto também garante transparência e equidade na tributação desses ativos digitais.
As discussões aqui levantadas são fruto de debates e trabalhos do grupo de pesquisa “A Tributação sobre as operações envolvendo criptoativos” da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
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<a class="sdfootnotesym" style="font-family: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">[1]</a> “Na proposta qualquer usuário que tiver criptomoedas avaliadas em mais de R$ 6 mil, em empresas no exterior, como Binance, Bitget, Gate.io. Crypto.com, Coinbase, Bitfinex, OKX, Crypto.com, Bybit, e outras deve pagar imposto de até 22,5%.”. Fonte: Cointelegraph. Disponível em: <a href="https://br.cointelegraph.com/news/government-does-not-give-up-and-files-a-request-to-charge-225-tax-on-cryptocurrencies">https://br.cointelegraph.com/news/government-does-not-give-up-and-files-a-request-to-charge-225-tax-on-cryptocurrencies</a>. Acesso em: 05/10/2023

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JOTA

É hora de reconhecer que os criptoativos não podem ser tratados de maneira uniforme

Desafios e necessidade de diferenciação na tributação de criptoativos

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