Opinião e Análise

Lílian de Castro Peixoto

Larissa Aguiar

Sabemos todos que não basta uma mudança legislativa para mudar a realidade. Se assim fosse, a edição da Lei federal 11.445 em 05 de janeiro de 2007 teria promovido avanços mais significativos no nível de cobertura dos serviços de saneamento, o que, sabemos, não ocorreu. Foi muito aquém do que se esperava e se propugnava. O 24º Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, através da Secretaria Nacional de Saneamento e Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) mostra que a cobertura de água em nosso país era de 80,9% em 2008, tendo subido apenas para 83,6% em 2018. No que se refere ao esgotamento sanitário, apenas 32,5% era tratada em 2008, tendo este percentual passado para 46,3%.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>
Como se vê, o déficit é ainda enorme. De acordo com a última atualização do Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB), realizada em 2019, o custo para universalizar o acesso aos 4 serviços do saneamento (água, esgotos, resíduos e drenagem) até 2033 foi estimado em R$ 508 bilhões, exigindo, portanto, uma média de aproximadamente R$ 18 bi anuais. De acordo com a pesquisa realizada pela KPMG e ABCON, o valor do investimento necessário é superior a R$ 700 bilhões. Qualquer que seja o número, fato é que a necessidade é muito grande.
Isso para evidenciar que mudança de lei sozinha não gera mudança de conduta. De fato, o que mudará a realidade do saneamento básico brasileiro é a vontade política e para além dela, a consciência dos cidadãos brasileiros da importância e impactos positivos destes serviços na sociedade, de forma que cobrem e exijam dos governantes providências. Talvez a maior e melhor contribuição da Lei 14.026/2020 (Novo Marco do Saneamento) tenha sido o amplo debate que ela propiciou na sociedade civil, trazendo o saneamento para a agenda do governo federal como assunto prioritário e urgente. O reconhecimento de que há muito por fazer, de que o governo sozinho, em quaisquer de suas esferas, seja municipal, estadual ou federal, não tem condições de resolver o problema, e, consequentemente, de que o papel da iniciativa privada é essencial neste sentido. Assim é que um dos principais objetivos do Novo Marco do Saneamento é, justamente, promover o aumento da participação da iniciativa privada no setor de forma que os bilhões de investimentos necessários possam ser viabilizados.
Ainda é cedo para dizermos se vai dar certo, isto é, se terão muitos projetos atrativos, se o investimento privado no setor de fato virá e se terão novos players entrantes para competir os projetos. Mas fato é que já podemos vislumbrar alguns pequenos sinais de mudança desde o advento do Novo Marco do Saneamento. Os próprios leilões nos estados do Rio Grande do Sul, Alagoas, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo, ocorridos em 2020, e o do Rio de Janeiro, ocorrido em abril passado, estruturados pelo BNDES, são um sinal da retomada dos investimentos, assim como os leilões que estão por vir do Amapá, Acre e Porto Alegre, também estruturados pelo BNDES.
Pois bem, nesse cenário em que se pretende que a iniciativa privada protagonize os investimentos no setor de saneamento, é importante discutirmos as condições que precisam ser criadas para tanto. Sabemos que são várias, mas uma delas é, sem dúvida, a estruturação de financiamentos. Sem capital disponível para os investimentos, certamente nada será feito.
Assim é que no dia 25 de maio passado, a liderança setorial de financiamento do InfraWomen Brazil promoveu um debate sobre o financiamento na área do saneamento que contou com a participação de Karla Bertocco, sócia na Mauá Capital, Maria Eduarda Gouvêa, especialista em financiamento para o setor de saneamento do BID, e Teresa Vernaglia, CEO da BRK Ambiental, tendo Cristiana Fortini, sócia no escritório Carvalho, Pereira e Fortini Advogados e Tatiana Cymbalista, sócia no escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, como moderadoras.
O debate deixou claro, em primeiro lugar, a mudança das características e do perfil do financiamento no setor. Quem trabalha em saneamento sabe que há poucos anos, os únicos financiadores eram, praticamente, apenas a Caixa Econômica Federal – CAIXA, com a linha Saneamento Para Todos e o BNDES. A realidade está mudando e podemos ver a diversificação das fontes de financiamento, com a participação de bancos multilaterais como IDB Invest, BID e IFC, do Banco do Nordeste do Brasil – BNB, que tem mostrado genuíno interesse em ser protagonista do setor na região em que atua, e também do mercado de capitais brasileiro, essencial, dado o volume de investimentos projetados. Há de se mencionar, ainda, a importância dos bancos comerciais, os quais por meio empréstimos ponte vem garantindo os pagamentos de outorga e alguns investimentos iniciais por meio de emissões de debêntures com garantia firme de colocação em montantes cada vez mais vultosos e prazos mais realistas com o período de transição pelo qual o setor passa. Esse cenário, certamente, é mais um sinal de que a dinâmica do setor está mudando e os investimentos serão viabilizados.
Maria Eduarda Gouveia, do BID, colocou que uma das formas de mobilizar capital melhorando as condições dos financiamentos é de fato o acesso ao mercado de capitais, por meio da emissão, pelas empresas, dos Títulos Verdes<a href="applewebdata://75AF9F98-07DD-40A7-9BE4-578721A90BE2#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, Títulos Sociais e Títulos Sustentáveis, todos em expansão no saneamento, evidenciando a capacidade de adaptação e inovação do mercado de capitais, que passou a entender melhor o setor e consequentemente utilizar estruturas de crédito com ele compatíveis. Os Títulos Verdes e Sociais são aqueles emitidos por empresas cujas atividades geram impacto ambiental e social, respectivamente, positivos e que também assumem determinados compromissos de melhora em indicadores que reflitam real impacto para a sociedade. São elegíveis aos Títulos Sustentáveis aquelas atividades mistas, com impactos social e ambiental, em que os emissores assumem, ainda, um compromisso adicional de sustentabilidade.
As características destes títulos caem como uma luva para o setor de saneamento, “essencialmente verde”, diz Maria Eduarda, com visíveis e quantificáveis impactos ambientais e sociais. O que falta então para o Brasil chegar onde outros países já chegaram na utilização dessas estruturas de financiamentos para o setor de saneamento? Por incrível que possa parecer, ainda faltam no setor alguns dos aspectos de uma das siglas mais faladas ultimamente, qual seja, - ESG – Environmental, Social e Governance. Em que pese o saneamento seja por essência, ambiental e social, governança corporativa é também essencial para que ocorram as certificações e as emissões sejam realizadas. O grau de governança e de transparência das empresas é fundamental para o acesso ao mercado de capitais. E aí temos um desafio.
<blockquote class="jota-article__eye">No Brasil, como a maioria dos operadores ainda é público, há muito o que melhorar. A verdade é que faltam veículos com governança adequada para receber recursos.</blockquote>
Neste sentido, Teresa Vernaglia relatou a experiência da BRK Ambiental, que em 2019 tomou um financiamento junto ao IDB Invest no valor de R$ 450 milhões de reais para a PPP de esgotamento sanitário da Região Metropolitana de Recife. Segundo a executiva, a BRK Ambiental foi submetida a uma profunda diligência realizada com o objetivo de confirmar a robustez do seu programa ESG. Buscou-se mensurar os impactos sociais e ambientais dos investimentos e ainda foram verificadas as estruturas de governança e compliance, como também os programas relacionados ao gerenciamento de questões ambientais, sociais, trabalhistas, que envolvem igualdade de gênero e oportunidades e segurança, programas de eficiência na utilização de recursos energéticos e redução de poluição, segurança e saúde da comunidade, incluindo reassentamentos e também preservação de patrimônio histórico. A preocupação final é “com o papel da empresa na sociedade onde atua”, “o quanto a companhia está integrada à sociedade”, diz a executiva.
Por fim e não menos importante, Karla Bertocco mencionou a importância de se viabilizar financiamento para a cadeia de suprimentos do setor. Trouxe ao debate o conceito de Sustainable Supply Chain Finance. Com efeito, diante da grande expectativa de retomada dos investimentos, toda a cadeia produtiva também demandará recursos e precisará estar preparada para atender às demandas ESG. Os fornecedores do setor são geralmente empresas de menor porte, que não enxergam ou percebem o valor que os aspectos ESG agregam em seus negócios. Caberá, sem dúvida, às empresas que estão no topo da cadeia produtiva incentivar e exigir destas empresas a adoção de padrões de comportamento ESG. E para tanto precisarão praticar e investir.
Além das questões relacionadas a ESG, o volume de financiamentos trará também como tema o compartilhamento de garantias entre os diversos credores de um projeto, pois aqueles de maior porte, como os que estão sendo estruturados pelo BNDES, sem dúvida demandarão mais de um credor e, neste contexto, entrarão na pauta de discussões a divisão de escopo do capex a ser financiado por cada um e a consequente comprovação da realização dos investimentos então financiados por cada credor, de forma a se garantir que não haja sobreposição.
Vê-se, portanto, que há bastante estrada a ser trilhada, mas a expectativa para o setor é grande. Agora, mais do que em 2007, após a edição da Lei 11.445/07, as condições para a tão necessária universalização dos serviços são mais favoráveis. Governo, sociedade e mercados financeiro e de capitais atentos ao setor e com vontade e criatividade buscando alternativas, dirimindo riscos, ofertando mais recursos e disponibilizando muitas oportunidades para o atendimento das questões ESG.
Há ainda muito por fazer e os desafios são enormes, mas os primeiros passos estão sendo dados e isto é animador.
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* Este artigo faz parte de uma série de debates que vem sendo conduzidos no âmbito da liderança setorial de financiamento de projetos da Infra Women Brazil, associação sem fins lucrativos, que reúne mais de 500 mulheres e que foi estabelecida para fortalecer o protagonismo das mulheres nas discussões e construções dos caminhos da infraestrutura no Brasil e no mundo.
<a href="applewebdata://75AF9F98-07DD-40A7-9BE4-578721A90BE2#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Dentre as atividades verdes elegíveis para tais títulos destaca-se: energia renovável, eficiência energética, transporte limpo, água, resíduos sólidos, agricultura e reflorestamento.

Saneamento

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JOTA

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