Opinião e Análise

Ludmila Rattis

Podemos falar de como o tempo anda quente. Podemos também falar que o céu de Brasília está lindo neste mês de agosto. Mas hoje queria falar sobre um conceito essencial para entendermos os desafios enfrentados pela agricultura brasileira: o VPD, sigla em inglês para Déficit de Pressão de Vapor. Esse termo, muitas vezes desconhecido do público em geral, ganhou destaque nos últimos anos devido ao seu vínculo com o desmatamento e seus efeitos negativos sobre a produtividade agrícola. O aumento do VPD impacta nossas lavouras e aumenta a importância de práticas agrícolas mais sustentáveis, como o conjunto de técnicas chamado de agricultura regenerativa para contornar essa situação.  
VPD é uma medida que relaciona a quantidade de vapor de água presente no ar e a quantidade máxima que o ar poderia conter quando está saturado. Em termos simples, representa a "sede" das plantas e como elas enfrentam dificuldades para extrair água do solo e transportá-la através da evapotranspiração (forma pela qual a água da superfície terrestre passa para a atmosfera no estado de vapor) em condições de baixa umidade atmosférica. O VPD é maior em áreas desmatadas pois a perda da cobertura florestal reduz a evapotranspiração, deixando o ar mais seco. Se a planta tem sede, mas tem umidade de solo suficiente, ela pode até produzir mais. Planta que transpira muito, muito produz. Acontece que o desmatamento também afeta a chuva, que chega mais tarde e se distribui de maneira menos constante ao longo da estação úmida. Então muitas vezes, em um cenário de VPD alto, a planta não tem água suficiente em seu pé, sofrendo estresse hídrico e produzindo menos.  
Floresta em pé é sinônimo de clima estável. O desmatamento no Brasil é um problema para quem quer um ambiente saudável e para quem quer produzir. Isso porque não há riqueza que venha de derrubada de árvores. A pujança inicial logo se esvai, trazendo um cenário de terra arrasada para quem fica. Considerando a relevância do setor agropecuário para nossa economia e a demanda global por produtos agrícolas, o fim do desmatamento deveria ser uma bandeira empunhada por todos, a começar pelo setor produtivo.
Desmatamento e expansão das áreas de cultivo levam a um cenário preocupante: quanto mais áreas desmatadas, maior a temperatura (e o VPD) e, consequentemente, menos água disponível para as plantas. O impacto do aumento do VPD é sentido diretamente na agricultura. As culturas são afetadas por estresse hídrico, menor eficiência na fotossíntese e menor produtividade. Isso resulta em prejuízos financeiros para os agricultores, ameaçando a segurança alimentar e a estabilidade econômica do país.  
Nesse contexto de clima menos estável, a agricultura regenerativa se apresenta como uma solução promissora. Ela consiste em práticas agrícolas sustentáveis que priorizam a recuperação e a preservação dos recursos naturais, como a cobertura vegetal e a melhoria da estrutura do solo. Solos mais estruturados retêm mais umidade e aumentam a capacidade das plantas de enfrentar períodos de seca.   
Contudo, para que a agricultura regenerativa se torne uma realidade no Brasil, é fundamental uma clara definição do conceito e a implementação de políticas públicas eficientes. Nós do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) estamos contribuindo para o debate ao trazer os resultados de nossas pesquisas de quase 20 anos na Fazenda Tanguro, localizada no nordeste de Mato Grosso. Trata-se de uma propriedade com quase 100 mil hectares, com metade de sua área coberta por agricultura. Desde 2004 acompanhamos a dinâmica florestal e da agricultura, medindo de perto os ciclos de carbono, água e energia nestes sistemas. Sabemos como a agricultura pode afetar positiva e negativamente o ambiente. E sabemos que a discussão sobre a proteção da floresta em pé é essencial, considerando que ela tem papel crucial na regulação climática e hidrológica das áreas ao seu redor.   
Nesse sentido, a pergunta que nós fazemos é: se o Brasil, especialmente o setor agropecuário, está preparado para enfrentar essa discussão sobre a floresta em pé como parte do conjunto de práticas rotuladas como agricultura regenerativa. O sistema biofísico não leu o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/codigo-florestal">Código Florestal</a> e não difere uma árvore que cai legal ou ilegalmente. Se queremos criar um ambiente mais resiliente às mudanças climáticas globais, tal tarefa passa por manter a floresta em pé, tendo você o direito de derrubá-la ou não.
O equilíbrio entre o desenvolvimento agrícola e a conservação ambiental é possível se nos abrirmos aos conhecimentos trazidos pela ciência. Para que o Brasil mantenha sua posição de potência agrícola na segunda metade do século 21, é urgente que sejamos capazes de promover um diálogo maduro e responsável sobre a importância da agricultura regenerativa e da preservação das florestas. Essa é uma tarefa que exige o engajamento de todos os setores da sociedade, desde os produtores rurais até os órgãos governamentais e a população em geral.  
Investir em práticas sustentáveis é investir no futuro da nossa agricultura e, acima de tudo, do nosso país. O caminho para uma agricultura próspera e sustentável está ao nosso alcance, e cabe a nós trilhá-lo com responsabilidade e comprometimento.

desmatamento

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JOTA

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