Opinião e Análise

Luciana Yeung

Luciano Benetti Timm

No julgamento do <a href="https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ATC?seq=4382151&amp;nreg=200801199924&amp;dt=20090310&amp;tipo=5&amp;formato=HTML">Recurso Especial 1.061.530/RS</a>, processado sob o rito dos repetitivos, o STJ firmou posição jurídica de direito no sentido de que é admita a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade, capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada, fique cabalmente demonstrada (Orientação I), devendo ser evitada a utilização pura e simples de tabelas sobre juros médios de mercado, reconhecendo os próprios efeitos prejudiciais de uma inconsequente intervenção judicial.
O <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/banco-central">Banco Central</a> opinou no mesmo sentido, consoante Parecer Jurídico 139/2020, elaborado com o fim de instruir o julgamento do Recurso Especial 1.821.182/RS. O BC estabelece de forma expressa e categórica que “a utilização das taxas divulgadas pelo BCB como marco delimitador da abusividade de juros remuneratórios é evidente equívoco”.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">[1]</a>
Isto é, o problema em tela dispõe de precedente bem estabelecido pelo STJ no sentido de que não basta utilizar um comparativo simples de uma taxa de juros aplicado por uma determinada instituição financeira com aquela taxa de juros média de mercado publicada pelo Banco Central para configurar abusividade pela instituição financeira.
É preciso que a abusividade esteja quantitativamente demonstrada, sendo esse o ônus do autor da demanda, máxime quando desafia as médias de distintos mercados relevantes. A bem da verdade, podemos dizer que se uma instituição cobra um valor dentro de uma faixa média próxima à média de seu mercado relevante (não havendo limitação quantitativo ou teto para cobrar acima disso), presume-se ausência de uma abusividade – embora o BC não costume publicar essa média distribuída pelos mercados relevantes distintos. Explica-se.
Para a análise de um mercado qualquer (inclusive de juros, que é o preço do dinheiro antecipado) é necessário antes definir qual é o mercado relevante para a análise. A definição de mercado relevante possui alguns critérios auxiliares, como características geográficas e de produto, mas o critério central é a capacidade e disposição do consumidor daquele mercado de substituir um produto por outro. Quanto mais próxima a substituição entre produtos, mais próximo de se tratar do mesmo mercado relevante.
No mercado de crédito, a substitutibilidade do ponto de vista do consumidor está nas condições de aceitação do seu perfil de crédito e nas condições de pagamento que as instituições financeiras oferecem. Neste mercado relevante, encontramos em alguns casos ofertas de crédito com condições de pagamento muito desejáveis da perspectiva do consumidor – juros mais baixos, prazos longos –, mas que precisam de garantias como contrapartida.
Estas garantias podem acabar excluindo o acesso de boa parte dos consumidores, em benefício daqueles com nome limpo, propriedades, aposentadoria, cargos públicos estáveis etc. E existem mercados de maior risco, como nos casos em que consumidores são negativados, têm menor probabilidade de pagamento da dívida, entre outros elementos. Normalmente, os grandes bancos ocupam aquele primeiro mercado de menor risco e as financeiras esse último de maior risco.
Em essência, as taxas de juros bancárias são compostas por diversos elementos, os quais orientam a definição do percentual aplicável de acordo com os custos operacionais e riscos envolvidos. Segundo os ensinamentos de Alcio Manoel de Sousa Figueiredo, “para o cálculo dos juros bancários, considera-se o custo da captação do dinheiro, os impostos, as despesas administrativas, a desvalorização da moeda, o lucro da instituição financeira e os riscos de inadimplência”<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">[2]</a>. 
O raciocínio, então, é muito simples e lógico: quanto maior o grau de risco de crédito, maior será a taxa de juros incidente. A taxa de juros é, em certa medida, o preço do risco.
Portanto, cada um desses mercados relevantes de crédito tem taxas médias distintas. Por isso, a tabela do BC não pode ser utilizada, por comparar “maçãs com bananas”, i.e., mercados relevantes distintos, ocupados por diferentes agentes econômicos.
Ademais, não há uma regra de ouro para definir se uma instituição financeira que cobra em média substancialmente mais juros que outra está praticando juros abusivos, pois existem diversos fatores que definem a taxa, como anteriormente mencionado (da mesma maneira que não se pode dizer se uma loja que cobra em média preços substancialmente mais altos que outra está praticando preços abusivos justamente porque nossa Ordem Econômica de Liberdade Econômica e livre iniciativa não convive com regime de controle de preços de empresas privadas). 
Nessa esteira, uma tentativa de intervenção judicial pode não trazer resultados esperados, porque feita sem o conhecimento técnico econômico (e, portanto, com elevada assimetria informacional).
Daí que o custo da intervenção judicial feito de maneira casuísta acaba se tornando muito elevado para sociedade, com muita chance de erro e gerando um volume de processos judiciais muito elevado. O STJ estabeleceu um norte importante para balizar o debate, embasando-se em posicionamento do próprio Banco Central, isto é, de que simples comparativo de tabelas médias de juros de mercados relevantes de crédito distintos não serve. O ônus de quem busca a intervenção na taxa de juros é maior do que esse. E a ponderação dos efeitos da decisão judicial que intervém nos contratos bancários contrariamente a esse guia do STJ deve ser feita, pois ela acaba gerando mais recursos, mais processos, sem melhorar a posição do consumidor que ingressou em juízo, em um círculo vicioso. 
Portanto, advogados que ingressam com ações revisionais devem estar atentos a esse precedente e o padrão de prova técnico-econômica atualmente exigido. Como agenda futura de trabalho, talvez o BC possa ser provocado a aperfeiçoar sua tabela de juros, fazendo a comparação dos mercados relevantes distintos a fim de permitir uma decisão mais informada dos consumidores.
Os consumidores, por sua vez, podem buscar comparativos de quem lhes oferece crédito, cumprindo os procons com dever de educação financeira da sociedade (a Senacon inclusive disponibiliza um curso excelente no país e a CVM conduz também um trabalho nesse sentido, em razão de compromissos assumidos pelo Brasil junto à OCDE). E as instituições bancárias poderão quem sabe divulgar suas taxas de juros com a máxima transparência desejável pelas autoridades públicas, valendo-se de atuais ferramentais de neurolaw, design law de modo a garantir eficiência na informação.
Finalmente, a contratação de um economista chefe para sua equipe sinaliza um caminho pela presidência do STF a ser seguido pelos demais tribunais. Juízes devem fazer contas, trabalhar com estatística e economia e ponderar efeitos das decisões. Eventualmente concentrar esforços em tutelas coletivas em que haja ampla discussão com a sociedade seja o melhor caminho para a temática dos juros. A verdade é que transformar a realidade dá mais trabalho que se imagina e os riscos de piora por intervenções equivocadas não são negligenciáveis, afinal, diz o ditado que “para todo problema complexo, existe uma solução simples e fácil errada”.
<hr />
<a class="sdfootnotesym" style="font-family: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">[1]</a> BCB, Parecer 139/2020-BCB/PGBC, p. 163.
<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">[2]</a> FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Juros Bancários: Limites e Possibilidade. 2 ed. Curitiba: Editora Juruá, 2007, p. 51. 
</div>

Dinheiro, Real Moeda brasileira

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JOTA

Existe juro abusivo a ser revisado no Poder Judiciário?

Os mercados de juros no Brasil

Não basta um comparativo simples da taxa de juros de uma instituição financeira com a taxa média de mercado do BC para configurar abusividade