Maceno Lisboa da Silva

Embora não haja uma definição clara e incontroversa acerca do conceito de segurança jurídica, a doutrina vem apontando que esse é um princípio jurídico que está relacionado intimamente com a proteção da confiança do contribuinte. Logo, isso significa que um tributo não pode passar a ser exigido de forma a surpreendê-lo, frustrando, assim, seu planejamento. 
Dessa maneira, pode-se dizer que a segurança jurídica está intimamente relacionada com os direitos do contribuinte contra o Estado, visto que é ele que confia nas leis. Então, não se pode falar em quebra de confiança estatal na lei que foi frustrada com a declaração de inconstitucionalidade, mas somente do contribuinte.  
Isso porque é o próprio Estado que cria as leis (por meio do Legislativo) e as executa (por atos do Executivo), o que leva a concluir que o Estado não sofre frustração com seus próprios atos quando ocorre uma decisão judicial declarando sua invalidade. Afinal, um sujeito confia na legitimidade dos atos dos outros e não em seus próprios, já que neste caso não pode haver dúvida quanto a legitimidade, sob pena de estar agindo de má-fé.  
Com essas considerações, chega-se facilmente a conclusão de que “a proteção da confiança só pode ser alegada pelo contribuinte”. Contudo, mesmo assim, em algumas decisões do STF a segurança jurídica não foi empregada nesse mesmo sentido, mas de forma totalmente oposta. 
O famoso julgamento dos embargos de declaração proferido no Tema 69 pelo STF é um exemplo que evidencia tais circunstâncias. Neste caso, ao analisar os embargos de declaração, a ministra Cármen Lúcia entendeu que, embora a doutrina defenda que a confiança e a segurança jurídica militem em favor do jurisdicionado frente ao poder estatal, “a modulação também pode ser aplicada a casos em que a modificação na orientação jurisprudencial ocorre em desfavor da Fazenda Pública".
Com adoção dessa premissa, a relatora entendeu que o planejamento fazendário teria ocorrido em cima de legítimas expectativas traçadas de acordo com a interpretação que tinha sido consolidada até aquele momento pelo STJ em sede de recurso repetitivo. Logo, considerando que a decisão proferida no RE 574.706/PR (Tema 69) estava rompendo totalmente a jurisprudência proferida pelo STJ, a modulação se fazia necessária para resguardar a legitima confiança da Fazenda Pública.  
O caso citado seria o Recurso Especial 1.144.469/PR (Tema 313), em que, sob a sistemática dos recursos repetitivos, em agosto de 2016, a 1ª Seção do STJ entendeu que o ICMS poderia compor a base de cálculo do PIS e da Cofins. Logo, a decisão foi proferida em sentido totalmente oposto as conclusões do RE 574.706/PR (Tema 69).  
De fato, não se pode negar que essa decisão tinha efeito vinculante e foi proferida anteriormente ao Tema 69. Aliás, cumpre registrar que o STJ afastou, na oportunidade, a decisão do STF proferia em outubro de 2014, no julgamento do RE 240.785/MG, por não possuir efeitos vinculantes. Ou seja, houve alteração de orientação jurisprudencial acerca do assunto pelo STF, quando tomou decisão diferente do que o STJ já tinha tomado de forma vinculante.  
A questão, no entanto, não ficou limitada ao debate de se pode ou não modular os efeitos de uma decisão judicial em favor do Estado. Isso porque em situação totalmente análoga ao caso retratado, mas de forma inversa (agora o contribuinte que estava sendo penalizado com uma decisão do STF com efeito vinculante diferente das decisões anteriormente proferidas pelo STJ em sede de recurso repetitivo), a Suprema Corte entendeu por não modular os efeitos em favor dos contribuintes por falta de violação a segurança jurídica. 
Ocorre que o mencionado caso se refere ao julgamento do RESP 1.638.772/SC (Tema 994/STJ), afetado pela sistemática dos recursos repetitivos, em que o STJ entendeu por afastar a inclusão do ICMS sobre a base de cálculo da CPRB, sob o fundamento de que estava ausente a materialidade da hipótese de incidência tributária (receita bruta) e que não havia previsão legal nesse sentido. Desse modo, foi fixada a seguinte tese pela Corte Superior: “os valores de ICMS não integram a base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), instituída pela Medida Provisória 540/2011, convertida na Lei 12.546/2011”. 
Percebe-se que o STJ afastou a tributação com uma decisão vinculante, gerando verdadeira expectativa aos contribuintes quanto ao tema. Todavia, em 24 de fevereiro de 2021, o Supremo, ao analisar o Tema 1.048/STF (RE 1.187.264/SP), cuja repercussão geral foi reconhecida, fixou tese vinculante em sentido completamente contrário, no sentido de que “é constitucional a inclusão do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB)”.  
Claro, diante do novo entendimento vinculante do STF sobre a questão e, observando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, o STJ realizou juízo de retratação em obediência as conclusões proferidas no Tema 1.148/STF. Assim, a Corte Superior alterou a redação da tese fixada no Tema 994/STJ.  
Nesse contexto, em razão dessa mudança de jurisprudência do STJ proporcionada pelo STF ao julgar o Tema 1.048, houve pedido de modulação de efeitos pelo amicus curiae com o objetivo de preservar a segurança jurídica e a boa-fé dos contribuintes que confiaram que seria mantida a orientação proferida pela 1ª Seção do STJ quando julgou o Tema 994. Contudo, surpreendentemente, o ministro relator Alexandre de Moraes, ao proferir seu voto nos embargos de declaração, concluiu que “não se mostram presentes os fatores que propiciam a modulação dos efeitos do julgado”. 
O curioso é que parece tão evidente a similitude entre os casos que o próprio embargante chegou a consignar em sua fundamentação que o STF já havia firmado o entendimento no Tema 69 que a modificação de entendimento repetitivo do STJ justifica a modulação de efeitos com fundamento no artigo 927, §3º, do CPC. Veja-se que as duas situações revelam casos similares, ou seja, houve uma julgamento na sistemática dos recursos repetitivos pelo STJ, vinculando as instâncias inferiores e, posteriormente, o STF sob o regime de repercussão geral analisou a mesma questão, concluindo em sentido inverso.  
Não obstante as semelhanças entre as duas situações, verifica-se que o STF entendeu por não modular os efeitos quando requerido pelo contribuinte no Tema 1.048, entendendo que não havia, naquele caso, fatores que propiciavam a modulação. Ao que parece a Suprema Corte entendeu por não aplicar a segurança jurídica para resguardar a confiança do contribuinte. 
Curiosamente, o STF novamente foi provocado a se manifestar sobre a aplicação da modulação de efeitos em caso semelhante. Neste novo caso, o STJ havia analisado a questão, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 479/STJ), de forma favorável aos contribuintes. Todavia, ao julgar o Tema 985 em 31 de agosto de 2020, o STF entendeu, sob o regime da repercussão geral, por ser “legítima a incidência da contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”. Assim, foram opostos embargos de declaração que buscam esclarecer os efeitos dessa decisão. 
Como pode ser observado, a responsabilidade do STF neste caso aparenta ser enorme, na medida em que, dependendo de sua decisão, poderá confirmar um entendimento que provocará a perda da confiança daqueles que acreditam que verão seus direitos assegurados pelo guardião da Constituição. Por fim, cabe esclarecer que o objetivo desse breve ensaio não é esgotar o assunto, mas o de apenas fomentar uma discussão tão relevante.

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JOTA

Doutrina tem sido utilizada para resguardar a confiança do contribuinte?

Segurança jurídica para quem?

A segurança jurídica tem sido utilizada para resguardar a confiança do contribuinte?