Liberdade de expressão

Plenário do STF tem 4 votos para negar existência do direito ao esquecimento

Até o momento, apenas Fachin divergiu. Julgamento continua nesta quinta-feira

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Crédito: Pexels

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) tem 4 votos para declarar o direito ao esquecimento incompatível com a Constituição e o ordenamento jurídico brasileiro. Os ministros que integram a corrente até o momento majoritária entenderam que o conceito poderia se converter numa espécie de censura caso fosse reconhecido.

O julgamento foi retomado nesta quarta-feira (10/2). Até o momento, apenas o ministro Luiz Edson Fachin divergiu no ponto central. Já o ministro Nunes Marques defendeu o não reconhecimento do direito ao esquecimento, mas entendeu que cabe indenização por danos morais à família de Aída Curi, vítima do crime de 1958 reproduzido pelo Linha Direta Justiça, da TV Globo, o leading case do direito ao esquecimento.

O caso é julgado no recurso extraordinário (RE) 1.010.606, com repercussão geral reconhecida, e cujo relator é o ministro Dias Toffoli. O ministro foi o primeiro e único a votar, na última quarta-feira (10/2). Ele afirmou que a pretensão é incompatível com a Constituição Federal. Isto porque não há previsão legal ou constitucional sobre o tema e os direitos à privacidade e proteção à honra e imagem, que se deseja proteger, já são contemplados pela Carta.

O ministro Nunes Marques abriu a sessão desta quarta e a divergência em relação ao caso concreto. Ele concordou com a visão do relator de que não existe um direito ao esquecimento a ser protegido pela Constituição brasileira, mas concedeu indenização por dano moral à família de Aída Curi, a ser fixada na instância de origem.

Marques afirmou que é tênue o limite entre o jornalismo legítimo e aquele que não o é. Apesar de ter enfatizado que a história não pode ser apagada, ele disse ser necessário reconhecer que “existe o mal jornalismo”, e, então, é preciso ter prudência. No caso em questão, ele avaliou que não havia contemporaneidade dos atos ou relevância social em retratá-los. Além disso, a Globo teria produzido o programa com imagens reais, mórbidas, de forma grosseira.

O ministro lembrou que a vítima do crime não era pessoa pública e que a família pediu, ao ser procurada pela emissora para dar entrevistas, que o caso não fosse veiculado, o que poderia, para ele, ter sido considerado.

Já o ministro Alexandre de Moraes retomou o entendimento que vem defendendo de que a imprensa deve funcionar sob a ideia do binômio liberdade e responsabilidade. Ele é relator do inquérito das fake news na Corte e tem lidado, desde então, com as questões do alcance da liberdade de expressão, de imprensa e os riscos da censura prévia.

“A solução para essa equação entre dignidade da pessoa humana, intimidade, honra, vida privada e liberdade de expressão e de imprensa me parece que deva ser a aplicação, como em outros casos, do binômio constitucional consagrado no art. 5° da Constituição em relação à própria liberdade: liberdade e responsabilidade”, disse.

Sobre Aída Curi e o Linha Direta, Moraes julgou que não houve deturpação dos fatos e que a história não foi contada de forma desatualizada, mentirosa, ilícita. Mais do que isso, histórias de crimes, ainda que individuais e de pessoas até então anônimas, ajudam a contar a história da sociedade.

“Foi um crime de comoção nacional. Por mais sensíveis que sejam os fatos, eles jamais poderão ser apagados da crônica jornalística, policial e da Justiça do país. Um mesmo crime pode ter diferentes narrativas, desde que os fatos concretos sejam mostrados de forma concreta. Não se pode impedir previamente. Todas as narrativas e opiniões são possíveis em discussões livres numa democracia”, reforçou.

Moras questionou:

  • É possível apontar uma definição sobre o real significado e as consequências de um abstrato “direito ao esquecimento”? 
  • Pode-se esquecer algo simplesmente apagando o acesso a uma memória coletiva de fatos reais ocorridos no passado?
  • Aplica-se só a divulgações atuais de fatos concretos ocorridos no passado ou também se deveria, então, aplicar a narrativas contemporâneas a fatos passados?

Ou seja, para ele, não há, sequer no direito comparado, clareza sobre o tema. “O Judiciário não pode fixar um prazo para um direito ao esquecimento.”

Por outro lado, o ministro Luiz Edson Fachin abriu uma corrente divergente também no ponto central. Para ele, as proteções à honra não são albergadas automaticamente no que ele entende por direito ao esquecimento, um conceito guarda-chuva.

“É possível afirmar que o direito ao esquecimento compreende, mas não se reduz nem aos tradicionais direitos à privacidade e à honra, nem tampouco ao direito à proteção de dados. Ele decorre, em verdade, de uma leitura sistemática do conjunto destas liberdades fundamentais”, disse.

A ideia, entretanto, não prescinde de uma análise de precedentes do STF. A configuração do direito exige, para o ministro, uma leitura sistemática da Constituição e dos precedentes da Corte para balancear interesses públicos e privados.

Apesar de ser favorável ao direito ao esquecimento, no caso concreto de Aída Curi, ele entendeu que não havia dano a ser reparado. Para o ministro, a informação veiculada faz parte de amplo acervo público de jornais, revistas e trabalhos acadêmicos, tratando-se de material essencialmente publico. “Considerando-se que o programa Linha Direta Justiça deles se serviu, em larga medida, é razoável compreender que as expectativas de privacidade do requerente se veem diminuídas.”

Para o ministro, o caso é um “retrato trágico de seu tempo, contradições e problemas e conecta passado e futuro ao se referir a uma realidade de violência contra a mulher que em muitos e graves sentidos ainda é a nossa, vivenciada no Brasil de hoje. O interesse histórico e jornalístico é assim preservado”.

Já a ministra Rosa Weber se deteve em uma reflexão mais aprofundada acerca da defesa do direito à privacidade. “Se aos cidadãos não for assegurada uma esfera privada livre de interferência externa, de que servirá a liberdade de expressão?”, provocou. Para ela, a proteção deve recair sobre os assuntos pessoais, em relação aos quais não se vislumbra interesse público legítimo na revelação e que o indivíduo prefere manter privado.

Para Rosa Weber, no entanto, a ampla proteção conferida pela Constituição à liberdade de pensamento ou expressão independe da forma ou do veículo empregado. Essa liberdade é plena, e não pode ser limitada sequer pelo legislador. A liberdade de imprensa não admite, segundo ela, redução arbitrária.

A ministra citou com ênfase a decisão do STF na ADPF 130, de abril de 2009, na qual, por 7 votos a 4, o plenário declarou que a antiga Lei de Imprensa, de 1967, era incompatível com a Constituição Federal de 1988, acrescentando que tal entendimento tem sido até hoje respeitado.

“Se, de um lado, a retórica ao direito ao esquecimento tem sido frequentemente apropriada com justificativa oportunista para censura, seja na internet seja em ambientes tradicionais, de outro, o conceito apreende sentidos e usos legítimos. Estes, no entanto, me parecem já suficientemente amparados no momento atual pela legislação da proteção à privacidade e pelo escopo da LGPD, pelo que não vejo espaço para um alargamento jurisprudencial do conceito.”